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Opinião|Museus, diversão, educação e pesquisa: Três objetivos sem conflitos

Os museus não são apenas locais de armazenamento de artefatos antigos ou obras de arte; eles são instituições dinâmicas

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Por Marisa Eboli
Atualização:

Quantas vezes ao escutar uma música não viajamos numa cena de um filme? Sempre que eu escuto o tango ‘Por una Cabeza”, de Carlos Gardel e Alfredo Le Pera, fecho os olhos e me transporto para o momento em que Al Pacino e Gabrielle Anwar dançam no filme Perfume de Mulher (1992). E assim, com tantas outras canções...

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Recentemente assisti a um vídeo com depoimentos de especialistas e análises de técnicos tratando da sonorização de filmes, e exemplificavam com um trecho da clássica cena do filme “Os Caçadores da Arca Perdida” (1981), quando o arqueólogo Indiana Jones está em um templo antigo na América do Sul, cheio de armadilhas, tentando recuperar uma imagem de ouro. Ele usa um saco de areia para substituir a peça que está em um pedestal, tentando evitar a ativação de uma armadilha. Depois, corre para escapar do templo, sendo perseguido por uma enorme pedra rolante que ameaça esmagá-lo. Esta cena é icônica por sua tensão e ação intensa e exigia uma sonorização perfeita que refletisse tudo isso. Pois bem, o vídeo mostra didaticamente como o trabalho foi feito em camadas. Primeiro foram gravados os diálogos entre Jones e seu rival; depois, gravados os foleys (aqueles sons gravados em estúdio para criar sons diversos, como dos passos, da pedra rolando, da areia caindo etc. Na terceira etapa foi selecionada e gravada a trilha sonora. E finalmente, tudo é agrupado gerando a famosa cena repleta de emoção que tão bem conhecemos. Uma verdadeira aula sobre um aspecto tão importante na produção de filmes!

Ficou curioso (a) para saber onde vi tal vídeo? Vou contar. No início deste mês de maio, visitei o Academy Museum of Motion Pictures, localizado em Los Angeles, inaugurado em 2021 com a motivação principal de proporcionar um espaço dedicado à celebração e preservação da história do cinema. O prédio de cinco andares é mais um magnífico projeto do renomado arquiteto italiano Renzo Piano, que dentre inúmeras outras obras assinou as do Centre Georges Pompidou (Paris, França), The Whitney Museum of American Art (Nova York, EUA) e The California Academy of Sciences (São Francisco, EUA).

O design do museu combina a renovação de um edifício histórico, com a construção de uma nova estrutura esférica de vidro, denominada “David Geffen Theater”, uma homenagem ao magnata do entretenimento, com a ideia de proporcionar uma experiência visualmente impactante e funcional para os visitantes. E de fato fiquei muito impressionada. O fato é que nem de longe consegui ler todas as informações e muito menos assistir a todos os vídeos disponíveis nas galerias. E ainda há muitas salas vazias no prédio... Minha visita ao museu durou quatro horas e meia, sem contar o almoço no restaurante Fanny´s, onde me deliciei com o prato “The Good, The Burrata, and The Ugly”, um título brincalhão com o filme “Três Homens em Conflito” (“The Good, the Bad and the Ugly”), de Sérgio Leone, com trilha sonora composta por Ennio Morricone. Fãs de Clint Eastwood entenderão...

Antigo rolo de filme de cinema. Foto: Felix Denny W - stock.adobe.com

E quais seriam os objetivos principais para se criar este grandioso museu? Vamos lá:

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  • Educação e inspiração: educar o público sobre a evolução do cinema e suas diversas formas de expressão artística, além de inspirar futuras gerações de cineastas, artistas e entusiastas do cinema.
  • Preservação e exibição: preservar e exibir objetos, filmes, documentos e outros artefatos importantes da história do cinema.
  • Reconhecimento da indústria cinematográfica: celebrar as realizações de cineastas e artistas, destacando suas contribuições para a indústria cinematográfica e para a cultura global.

Oferece por meio da visitação às suas galerias uma experiência imersiva e interativa, sempre com muita tecnologia embarcada, que permite uma conexão profunda e pessoal com toda a magia do cinema. Um verdadeiro deleite para cinéfilos, como eu.

Dentre as exposições permanentes do museu destacam-se:

  • História do cinema: exposições que traçam a evolução do cinema desde os seus primórdios até os dias atuais, destacando filmes, cineastas e momentos importantes na história do cinema.
  • Galeria de diretores: focado em diretores e diretoras influentes e suas contribuições para a arte do cinema, com exibições de objetos pessoais, roteiros, storyboards e clipes de filmes.
  • Galeria de filmes e filmmaking: explora os diferentes aspectos da produção de filmes, incluindo praticamente todas as categorias de premiação do Oscar: roteirização, direção, atuação, design de produção, edição, fotografia, figurino, maquiagem e penteados, edição de som, efeitos visuais e sonoros.
  • Galeria de artefatos icônicos: exibição de objetos icônicos do cinema, como figurinos, adereços, maquetes, cartazes e outros artefatos memoráveis de filmes famosos. Há uma ala incrível dedicada ao filme Casablanca.
  • Galeria de animação e efeitos visuais: dedicada à arte da animação e aos avanços em efeitos visuais, apresentando desde os primeiros desenhos animados até as últimas inovações digitais.
  • Galeria da Academia: uma celebração das premiações do Oscar, exibindo troféus, vestidos, discursos e outros materiais relacionados à história da Academia.

Com relação às exposições temporárias, à época da minha visita, conferi todas, eram seis, mas não poderia deixar de mencionar três:

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- John Waters: Pope of Trash: uma exposição abrangente dedicada ao cineasta, explorando seu processo criativo, temas, irreverência e estilo único.

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- Director’s Inspiration: Agnès Varda: explora a vida e a obra da cineasta belga, conhecida por seu impacto radical e transformador no cinema global, exaltando as influências que moldaram seu trabalho, incluindo a arte, a fotografia, a literatura e outros cineastas.

- E a mais emocionante de todas para mim que foi “The Art of Moviemaking: The Godfather” em comemoração aos cinquenta anos do filme “O Poderoso Chefão”, que conta desde o processo de o livro se transformar no filme até o seu impacto e legado na cultura popular. Também exibe objetos originais dos filmes como figurinos, adereços, roteiros, storyboards, fotografias, além da recriação de ambientes dos filmes, escritório de Don Vito Corleone, restaurante do Louis etc. Tudo recheado com muitas entrevistas com membros do elenco e da equipe de produção, bem como clipes dos filmes que ilustram momentos-chave e técnicas de filmagem.

Enfim, todas as galerias e exposições oferecem uma visão abrangente da rica história e da arte do cinema, destacando tanto o aspecto técnico quanto o criativo da produção cinematográfica. Uma verdadeira escola e poderosa fonte de pesquisa para quem está investindo nas profissões relacionadas à indústria. O museu organiza vários programas educativos que incluem oficinas, seminários, palestras e demonstrações práticas com o objetivo de inspirar e educar públicos de todas as idades sobre cinema, além de recursos e programas específicos para educadores, que podem utilizar essas ferramentas para integrar o cinema em suas práticas de ensino, enriquecendo a experiência educativa dos alunos.

A única atividade que eu não pude fazer foi “Oscar Experience” que é uma experiência multissensorial, incluindo elementos de som, luzes e cenário que replicam a atmosfera da cerimônia do Oscar, e que permite vivenciar o momento emocionante de ganhar a estatueta, envolvendo simulação de “Aceitação do Oscar”, com direito a subir ao palco do Dolby Theatre em Hollywood. Acredita? Depois ainda é possível receber um vídeo desta experiência para levar como lembrança. Para alguém que como eu, tem o sonho impossível de um dia ir a uma festa de premiação do Oscar, tal experiência certamente seria memorável. Mas ficará para uma próxima vez...

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O museu também se esforça para gerar impacto na sociedade e estimular reflexões importantes e urgentes como: Mudanças Climáticas, Black Lives Matter, Relações de Trabalho e Equidade de Gênero/Movimento MeToo. Há uma galeria específica mostrando os principais filmes já produzidos abordando essas temáticas na indústria cinematográfica.

São várias iniciativas educacionais que sublinham o compromisso do Museu da Academia com a educação e a promoção de um entendimento mais profundo do cinema como uma forma de expressão cultural e de transmissão de valores. Todas muito alinhadas com as diretrizes definidas pelo Conselho Internacional de Museus (ICOM). Os museus não são apenas locais de armazenamento de artefatos antigos ou obras de arte; eles são instituições dinâmicas que engrandecem a sociedade, desempenhando diversos papéis importantes como: educação, preservação, pesquisa, catalisadores de mudança social, identidade etc.

Enfim, Academy Museum of Motion Pictures é um museu que evoca toda riqueza da indústria do audiovisual e que tem muito a ensinar para todos os setores de atividades, em termos de modelo de negócio, estratégias, planejamento e disciplina, gestão de processos, inovação, tecnologias, adaptabilidade, gestão de crises, gestão da mudança, gestão de carreiras, storytelling etc.

A propósito, 18 de maio é o “Dia Internacional do Museu”. Eu confesso que desconhecia, até iniciar as pesquisas no Google para escrever esta coluna. O dia comemorativo foi criado pelo ICOM em 1977, para aumentar a conscientização sobre a importância dos museus no desenvolvimento das sociedades.

A cada ano o ICOM escolhe um tema específico para o Dia Internacional do Museu, abordando questões relevantes e incentivando os museus a desenvolverem atividades pautadas por esse tema. Neste ano de 2024 o tema foi “Museus, Educação e Pesquisa”, com o objetivo de apoiar os objetivos 4 (Educação de qualidade) e 9 (Indústria, inovação e infraestrutura) dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável das Nações Unidas. Sintonia total com a abordagem adotada neste texto.

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Todo esse movimento só se tornou possível com a democratização dos museus, uma vez que a ideia original começou com os “Gabinetes de Curiosidades”, criados e mantidos pela nobreza européia, com o início das grandes navegações no século XV, pois traziam uma enorme riqueza de objetos raros e exóticos. Tais coleções podem ser vistas como precursoras dos museus modernos. Sucedem-se inúmeras revoluções, até que passam a ser construídos como instituições educativas e de pesquisa. Também devem contar uma história encantadora e envolvente para suas audiências.

Academy Museum of Motion Pictures é o coroamento de toda esta evolução dos museus ao longo da história. Certamente é uma bela e inspiradora lição para que seja repensada a importância dos Museus Corporativos, conectando-os com a nobre missão de educação corporativa, proporcionando programas e exposições que ensinem sobre a indústria, o negócio, a cultura e os valores, a evolução tecnológica e a ciência e técnica por trás dos produtos e serviços oferecidos.

Opinião por Marisa Eboli

Doutora em Administração pela USP e Especialista em Educação Corporativa. É Professora do Mestrado Profissional e Coordenadora da Pós em Gestão da Educação Corporativa na FIA Business School.

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