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Saneamento: governo quer estatais de volta ao jogo, mas saúde financeira das empresas vira entrave

Análise detalhada do balanço de 25 estatais mostra que parte das empresas apresentou uma deterioração em indicadores financeiros nos últimos anos

Foto do author Luiz Guilherme  Gerbelli
Foto do author Renée  Pereira
Atualização:

No momento em que o governo Luiz Inácio Lula da Silva (PT) tenta recolocar as estatais de saneamento de volta ao jogo, boa parte das empresas públicas de água e esgoto apresentou uma deterioração em indicadores financeiros nos últimos anos. Além de representar uma limitação na capacidade para atender e expandir os serviços para a população, a saúde financeira das empresas é o principal requisito definido pelo novo marco regulatório para a permanência das estatais no setor.

Uma analise detalhada do balanço de 25 estatais, realizada por Ricardo Gomide, que faz parte da liderança do Novo na Câmara, mostra que quase metade das companhias - 11 empresas - não atende aos requisitos do Decreto 10.710, que cria metodologias de avaliação da capacidade econômico-financeira das empresas para universalizar os serviços.

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Segundo ele, as empresas com as piores condições financeiras são também as que menos atendem aos serviços de esgoto. De acordo com os dados, em alguns casos a variação da população atendida por água e esgoto caiu no período, como é o caso de Agespisa (PI) e Copanor (MG).

O levantamento foi feito com base nos dados do Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento (Snis), cujas informações são públicas. Além do grau de endividamento, o trabalho mostra o retorno sobre patrimônio líquido, margem líquida, índice de suficiência de caixa e investimentos entre 2019 e 2021.

No quesito margem líquida, seis não cumpriram as exigências; nos níveis de endividamento, quatro não atenderam; no retorno sobre o patrimônio, quatro; e no índice de caixa, nove. Em muitos desses indicadores, ao invés de melhorar as contas das estatais pioraram.

“A questão é que, se a empresa não atende aos requisitos de capacidade econômico-financeira, não vai conseguir atender a população”, diz Gomide. Ele afirma que hoje boa parte da receita das empresas acaba sendo destinada ao pagamento de salários dos funcionários. Para alterar esse cenário, seria necessária uma mudança na gestão das companhias de forma a sanar as contas e investir na expansão dos serviços. “Hoje vejo zero chance dessas empresas conseguirem cumprir as metas de universalização.”

Sancionado em 2020, o marco tem como principal objetivo universalizar os serviços de água e esgoto por meio da maior competição e melhora da regulação, abrindo espaço para a iniciativa privada, dado que, sozinha, as estatais não terão condições de cumprir as metas estabelecidas.

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Hoje, o País tem 35 milhões de brasileiros sem acesso à água tratada e 100 milhões sem coleta e tratamento de esgoto. Para alcançar a universalização dos serviços, o marco determinou que as empresas precisam demonstrar capacidade econômico-financeira com o objetivo de cumprir as metas estabelecidas: garantir que 99% da população tenha acesso a água tratada e que 90% do esgoto seja coletado até 2033.

“O Brasil tem um investimento médio em saneamento básico de R$ 82 por ano por habitante. Para o País poder atingir as metas do marco legal do saneamento, é preciso ter, em média, R$ 200 por ano por habitante de investimento em saneamento básico. E esse investimento só vai acontecer tanto com a presença do setor público como do setor privado”, afirma Luana Pretto, presidente do Instituto Trata Brasil.

Com as exigências do marco, por exemplo, cerca de 1,1 mil contratos ficaram irregulares no País.

Melhora não é garantia

No estudo realizado por Gomide, os dados mostram, por exemplo, que a Sabesp, embora atenda a todos os requisitos do marco regulatório, apresentou uma piora em quatro dos quesitos analisados. No período, a estatal reduziu em 7% os investimentos por ligação de água e esgoto e registrou uma queda de 8,2% no retorno sobre o patrimônio líquido entre 2019 e 2021.

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Procurada, a Sabesp não se manifestou. A companhia integra a lista de privatização do governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos).

A melhora nos indicadores analisados pelo levantamento também não significa que a companhia está adequada ao marco do saneamento. A Agesipa teve um aumento da margem líquida em 11,2%, mas sem alcançar o estabelecido pela legislação. A companhia afirma que está sob nova gestão e também não quis se manifestar.

Um caso semelhante ocorre com a Copanor, de Minas Gerais, que apurou um crescimento de 9,7% no caixa, mas não cumpre o que determina o marco. A empresa não respondeu aos pedidos de entrevista.

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Associação Brasileira das Empresas Estaduais de Saneamento (Aesbe), que representa as estatais, também foi procurada, mas não concedeu entrevista.

Sobrevida para as estatais

No governo Lula, o desenho original do marco do saneamento nunca foi amplamente aceito. Decretos editados pelo presidente e, depois derrubados, em parte, pela Câmara dos Deputados, tentaram dar uma sobrevida para as companhias estatais. Agora, o tema será discutido no Senado.

Deputados derrubaram decretos do presidente Lula sobre saneamento Foto: GABRIELA BILO / ESTADAO

Por meio de um projeto, os deputados derrubaram:

  • A possibilidade de que as empresas públicas estaduais de saneamento prestem serviços sem licitação nas regiões metropolitanas e nas microrregiões;

“Se a proposta for aprovada nesses termos (no Senado), isso trará dificuldade para as companhias estaduais participarem de um arranjo de prestação direta (sem licitação)”, afirma Fernando Vernalha, especialista em investimentos em infraestrutura pública do Vernalha Pereira Advogados. “Existem teses que fundamentam essa possibilidade, mesmo que o decreto caia. Mas é claro que vai prejudicar muito a segurança jurídica, para que as companhias estaduais participem de arranjos como esse.”

  • A possibilidade de incluir contratos considerados precários ou vencidos no processo de comprovação da capacidade econômico-financeira;
  • E a ampliação do prazo para a comprovação da capacidade econômico-financeira das companhias para 31 de dezembro deste ano.

“Esses três temas são os mais importantes que foram alterados com os decretos do governo federal. Se realmente esse decreto legislativo prosperar no Senado, essas normas caem”, diz Vernalha.

Na avaliação do sócio da GO Associados, Gesner Oliveira, o melhor caminho para o setor é o consenso e o aperfeiçoar o decreto, com medidas que ajudem na ampliação dos investimentos. “O Senado pode aproveitar pontos positivos dos decretos do Governo Lula, como o fim do limite de 25% para realização de Parcerias Público Privadas (PPPs). Saneamento é hoje um dos setores que mais tem parcerias no País.”

Para ele, o governo não deveria mexer numa regra que estava indo bem. “O marco não é fruto do Bolsonaro. Só foi aprovado no governo Bolsonaro. Muitas estatais, do jeito que estão, não conseguem tocar os investimentos necessários para a universalização.”

O diretor executivo da Associação das Concessionárias Privadas de Serviços Públicos de Água e Esgoto (Abcon), Percy Soares Neto, diz que o ideal é que haja um posicionamento rápido do Senado para que as regras do jogo sejam claras. “O setor precisa de segurança jurídica. As discussões geram insegurança.”

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