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Novo ensino médio: o que o relator do projeto no Congresso prevê mudar. ‘Não é briga de torcida’

Ex-ministro da Educação, Mendonça Filho quer alterar regra de carga horária no texto do MEC; escolha do deputado para a função incomodou parte da base aliada, que vê desinteresse do governo na pauta

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Por Paula Ferreira

Pai da reforma do ensino médio na gestão Michel Temer (MDB), o deputado federal e ex-ministro da Educação, Mendonça Filho (União Brasil-PE) será o relator da proposta enviada pelo governo federal à Câmara dos Deputados sobre as regras da etapa. Com a missão de analisar o texto e sugerir alterações, Mendonça já tem no radar um dos principais pontos que pretende revisar: a distribuição da carga horária.

A proposta enviada pelo governo prevê um mínimo de 2,4 mil horas para a formação básica e 600 horas para formação específica ao longo dos três anos para todos os itinerários, exceto aqueles que tenham articulação com ensino técnico. Nesse caso, há um mínimo de 2,1 mil horas a serem cumpridas de conteúdo básico.

Mendonça Filho foi ministro na gestão Michel Temer, que implementou a reforma do ensino médio Foto: Beto Barata/PR

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Na visão do relator do projeto no Legislativo, essa estrutura promove desigualdades e inviabiliza os cursos técnicos no País. Para ele, a carga horária de formação básica oferecida deve ser a mesma, independentemente do itinerário escolhido.

Antes do projeto do governo, a lei do ensino médio previa um teto de 1,8 mil horas para a formação geral básica dos estudantes. Havia consenso entre diversos atores influentes na discussão, incluindo o Conselho Nacional de Secretários de Educação (Consed), de que essa limitação deveria ser alterada. Após discussões, que também incluíram a União Brasileira dos Estudantes Secundaristas (Ubes) e sindicatos ligados aos profissionais da educação, o governo chegou na proposta fixada no PL.

“ É uma iniquidade quando se garante um conteúdo comum diferente para dois públicos, não está promovendo equidade. Muitos cursos técnicos na área de Saúde exigem 1,2 mil horas específicas, por exemplo. Como vai encaixar? Qualquer formulação na área tem de ser baseada em evidências e em conexão com o mundo”, afirma o parlamentar pernambucano.

“O Brasil está há muito tempo desconectado do mundo. Uma carga horária diferente não só desestimula os estudantes a buscarem o ensino técnico, como inviabiliza essa modalidade”, acrescenta o ex-ministro.

Ele afirmou que ainda não definiu qual modelo deve propor para substituir o texto atual, mas garantiu que antes consultaria principalmente os governos estaduais, responsáveis por oferecer 84,2% das matrículas da etapa. Mendonça afirmou ainda que trará para o texto mecanismos que garantam maior flexibilidade na etapa. O relator ainda não detalhou, porém, como promoverá essa mudança.

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Um dos pontos de maior mudança trazidos pelo governo no projeto enviado à Câmara foi justamente um aumento do controle acerca dos itinerários formativos, que promovem a “flexibilidade” citada por Mendonça.

O Ministério da Educação (MEC) propôs os “percursos de aprofundamento”, que devem articular, obrigatoriamente, pelo menos três áreas do conhecimento (Linguagens, Matemática, Ciências Humanas ou da Natureza) ou serem dados junto com o ensino profissional.

O deputado disse já ter trocado mensagens com o ministro da Educação, Camilo Santana (PT), sobre o tema falado por telefone com a secretária executiva do MEC, Izolda Cela, com quem deve se reunir nos próximos dias para discutir sobre a proposta. Ele afirma que pretende construir um texto que tenha amplo apoio da Câmara e que não quer assumir uma postura de “antagonista” do governo.

“Tenho ideias, convicções, caminhos muito sedimentados do ponto de vista do que entendo que deve ser o futuro da educação de nível médio no Brasil, até como a pessoa que liderou o processo no governo Temer como ministro da Educação”, afirma Mendonça. “Mas, por outro lado, como parlamentar estou num ambiente político. Construí politicamente a relatoria para o meu nome e vou buscar o maior consenso possível, sem que isso represente passividade.”

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A escolha do nome para relatar o projeto na Câmara desagradou parte da base do governo, que acredita que dificilmente ele cederá em aspectos cruciais do texto, já que foi o próprio quem promoveu a reforma do ensino médio na gestão Temer.

“O Mendonça Filho é um dos pais do novo ensino médio, projeto que representou um dos maiores atrasos para a educação brasileira. Há alguns meses, Mendonça foi a um seminário da Comissão de Educação defender que seu filho não fosse revogado”, disse o deputado Tarcísio Motta (PSOL-RJ), membro da Comissão de Educação e um dos integrantes da base do governo Luiz Inácio Lula da Silva (PT).

“Para nós, que lutamos pela revogação do novo ensino médio, fica a impressão de que o governo não está priorizando a pauta, permitindo que ela seja desfigurada pelo Centrão”, continuou o psolista.

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A reforma do ensino médio foi promovida por meio de medida provisória convertida em lei em 2017 para alterar a estrutura da etapa nas redes pública e particular. A lei ampliou a carga horária do ensino médio de 800 horas por ano para mil e fixou meta de expansão progressiva rumo ao ensino médio integral.

Além disso, a reforma estabeleceu um modelo que divide a etapa em duas partes: a primeira é uma formação geral básica (com as disciplinas clássicas, como Matemática, Química e Geografia). A segunda é um aprofundamento de estudos, escolhendo uma área de conhecimento ou curso técnico/profissionalizante (os chamados “itinerários formativos”).

Desde que Lula assumiu o governo, setores mais à esquerda que apoiaram sua campanha têm pressionado pela revogação da reforma do ensino médio. Ao mesmo tempo, outra corrente de aliados, mais ao centro, juntamente com secretários estaduais de educação, se posiciona contra a revogação total. Eles advogam por ajustes na proposta original da reforma, para facilitar sua implementação.

A divergência de posições entre os apoiadores do governo encurralou Camilo Santana, que, em junho, suspendeu o cronograma de implementação do novo ensino médio e lançou uma consulta pública sobre o tema. Após o término da consulta, o MEC formulou um projeto de lei com as propostas de alteração e enviou o texto à Câmara.

O relator da proposta na Câmara minimiza as críticas de parte da base do governo a seu respeito e promete diálogo amplo. Lembra, por exemplo, que foi o relator do projeto de lei que criou o programa escola de tempo integral, proposto pelo Executivo. “Não pode ser uma briga ideológica, uma briga de torcida”, diz.

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