Facebook retira exceção a políticos em regras sobre discurso de ódio e violência

Rede social faz mudanças em política que eximia figuras públicas e anuncia que ex-presidente americano Donald Trump está suspenso da plataforma por 2 anos

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Por Elizabeth Dwoskin
Atualização:

O Facebook anunciou nesta sexta-feira, 4, que não vai mais eximir políticos das regras contra discurso de ódio na rede social. É uma mudança drástica após anos de críticas de que a empresa era muito branda com usuários influentes ao longo da presidência de Donald Trump nos Estados Unidos.

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O ex-presidente americano foi suspenso da plataforma por dois anos, depois de ter feito comentários incitando a violência no Capitólio, em Washington, em 6 de janeiro. A gigante de mídia social só permitirá o retorno de Trump "se o risco à segurança pública tiver diminuído", de acordo com um anúncio no site da empresa.

A nova política do Facebook se refere especificamente ao comportamento de figuras públicas durante períodos de violência ou agitação social intensas, de acordo com a postagem do blog da empresa. O Facebook diz que iniciará uma série de suspensões com prazo determinado para os infratores, começando com uma suspensão de um mês, e procurará especialistas para ajudar a reavaliar a situação no final de cada período.

CEO do Facebook, Mark Zuckerberg, em audiência no Congresso americano em 2019. Foto: MANDEL NGAN / AFP

O anúncio é parte de um conjunto de respostas às recomendações do Conselho de Supervisão do Facebook feitas em maio com relação à suspensão do ex-presidente. A mudança na política da rede social provavelmente terá grandes implicações na forma como a plataforma trata figuras públicas controversas no futuro.

Ao decidir se a rede social deve restabelecer a conta de Trump em seu serviço, o Conselho de Supervisão independente do Facebook, disse que a empresa de mídia social estava correta em suspendê-lo em janeiro, mas não tinha uma justificativa clara para mantê-lo fora da plataforma indefinidamente.

O anúncio da empresa nesta sexta-feira é uma tentativa de esclarecer sobre a penalidade a Trump e fazer com que os procedimentos da rede social, que é usada mensalmente por 3,45 bilhões de pessoas no mundo todo, pareçam menos arbitrários para o público. É também o primeiro grande teste de como o conselho pode atuar como um controle sobre o poder do Facebook.

"Sabemos que qualquer penalidade que aplicarmos -- ou decidirmos não aplicar -- será controversa", disse Nick Clegg, vice-presidente de assuntos globais do Facebook, no post. "Tem muita gente que acha que não era apropriado para uma empresa privada como o Facebook suspender um presidente de sua plataforma, e muitos outros que acreditam que Trump deveria ter sido banido imediatamente para o resto da vida. Sabemos que a decisão de hoje será criticada por muitas pessoas em lados opostos da divisão política -- mas nosso trabalho é tomar uma decisão da forma mais proporcional, justa e transparente possível, de acordo com as instruções que nos foram dadas pelo Conselho de Supervisão".

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Exceção a políticos se baseava em relevância noticiosa

Desde a eleição americana de 2016, a empresa aplica um teste ao discurso político, que pondera o caráter de relevância noticiosa do conteúdo contra a propensão a causar danos. Agora, a empresa vai jogar fora a primeira parte do teste e não vai mais considerar a relevância como fator.

O Facebook não planeja encerrar totalmente a exceção de valor jornalístico. Nos casos em que uma exceção é feita, a empresa agora irá divulgá-la publicamente -- após anos em que tais decisões foram mantidas sob segredo. E também se tornará mais transparente sobre seu sistema de penalidades para pessoas que violam suas regras.

Trump está suspenso da plataforma desde 6 de janeiro, quando a empresa determinou que suas postagens incitaram a violência durante a insurreição do Capitólio. Mas logo depois, o Facebook transferiu sua decisão -- que disse que seria aplicada indefinidamente -- ao Conselho de Supervisão, que decidiria se a empresa fez a escolha certa.

Após quatro meses de deliberações, o Conselho de Supervisão, de forma inesperada, mandou a decisão de volta para a rede social, dando-lhe seis meses para decidir se deveria banir Trump permanentemente ou reintegrá-lo à plataforma. Também recomendou que a empresa publicasse um relatório sobre o papel que desempenhou no motim de 6 de janeiro e que fizesse alterações em sua exceção para figuras públicas. A empresa se comprometeu a responder às recomendações do conselho em 30 dias.

O ex-presidente Donald Trump, em foto de 31 de dezembro de 2020. Foto: AP Photo/Evan Vucci, File

O Conselho de Supervisão decidiu que o Facebook acertou em suspender Trump naquele momento. Mas disse que a empresa não forneceu uma justificativa melhor para a suspensão por tempo indeterminado, observando que essas penalidades de longo prazo não fazem parte das políticas do Facebook. Esse raciocínio precisa ser claro e transparente, disse o conselho.

O Washington Post relatou no ano passado que a isenção para figuras públicas foi criada em resposta aos comentários inflamados de Trump sobre os muçulmanos durante sua candidatura. Desde então, a empresa afirma que raramente usa a exceção e só reconheceu ter aplicado a regra seis vezes. Esses incidentes foram todos fora dos Estados Unidos e incluem discurso político na Hungria, Vietnã e Itália.

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Na prática, entretanto, o Facebook parecia dar a políticos e líderes partidários exceções em muitos outros casos. Em 2019, o CEO Mark Zuckerberg disse que a empresa não aplicaria sua verificação de fatos a anúncios políticos, por exemplo.

E durante sua presidência, Trump inundou repetidamente a plataforma com desinformação. Ele promoveu alegações infundadas de fraude eleitoral e afirmou repetidamente, sem evidências, que a eleição de 2020 foi roubada. O Facebook optou por anexar um rótulo genérico à maior parte desse conteúdo, em vez de bani-lo.

Ainda mais do que a exceção a figuras públicas, o sistema de penalidades é outra área opaca das políticas e práticas do Facebook. Os usuários podem ser censurados ou demovidos após um certo número de penalidades por quebra de regras. Mas a empresa disse que não quer compartilhar suas estratégias de policiamento por medo de criar brechas.

O resultado foi o que foi criticado como um sistema arbitrário, no entanto. As pessoas cujo conteúdo foi removido muitas vezes não sabiam que regra haviam quebrado, e os violadores aparentemente rotineiros às vezes pareciam ser tratados com luvas de pelica.

A resposta do Facebook ao Conselho de Supervisão está sendo vista como um teste-chave para a possibilidade de autorregulação por empresas poderosas de mídia social. O Facebook e outros gigantes do Vale do Silício estão enfrentando uma onda de novas regulamentações em potencial sobre questões como privacidade e transparência algorítmica em todo o mundo, bem como um importante processo antitruste nos Estados Unidos.

Se o conselho criado pelo Facebook for visto como um contrapeso legítimo do poder da empresa, os especialistas dizem que pode se tornar um modelo para países que buscam formas de regulamentar como as redes sociais policiam o conteúdo em suas plataformas, ou para outras companhias em posição semelhante. Mas também pode fazer com que a necessidade de regulamentação pareça menos urgente porque já existe uma solução, disseram.

Como surgiu o Conselho de Supervisão

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Em 2018, Zuckerberg -- sob imensa pressão política sobre as práticas de moderação de conteúdo da empresa -- apresentou a ideia de um órgão independente que supervisionaria as decisões polêmicas tomadas pela rede social. A ideia era colocar um freio no poder da rede social, que estava sendo duramente criticada por funcionários do governo, acadêmicos e o público por permitir a disseminação da desinformação russa, de discurso político inflamado e do discurso de ódio.

O Facebook financiou o Conselho de Supervisão por meio de um trust independente e selecionou os integrantes, mas deu ao órgão o poder de tomar decisões vinculantes sobre conteúdo removido ou mantido por engano na rede social. O conselho de 20 membros também pode emitir recomendações de políticas voluntárias. Os membros incluem um ganhador do Nobel, especialistas em liberdade de expressão e um ex-primeiro-ministro dinamarquês.

Trump também foi suspenso indefinidamente do YouTube, da plataforma de jogos Twitch, Snapchat e outras plataformas, e foi banido do Twitter pelo mesmo conjunto de comentários de 6 de janeiro. O ex-presidente americano construiu um dos públicos online mais poderosos e apaixonados do mundo durante sua gestão. Mas os pesquisadores mostraram que ele não foi capaz de atrair o mesmo nível de atenção online desde que foi retirado das plataformas convencionais. Recentemente, ele passou a usar seu próprio site para divulgar declarações, mas sua equipe o fechou esta semana.

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