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Negacionistas minimizam impacto da crise climática em tragédia no Rio Grande do Sul

Postagens investem em teorias conspiratórias para justificar desastre ambiental no Sul; ONU, projeto de pesquisa Haarp e até cantora Madonna são citados como ‘culpados’ pelas enchentes

Por Gabriel Belic e Giovana Frioli
Atualização:

Perfis negacionistas nas redes sociais têm compartilhado diferentes teorias conspiratórias para rejeitar os efeitos das mudanças climáticas na tragédia ambiental no Rio Grande do Sul. Postagens falsas creditam a catástrofe à Agenda 2030 da Organização das Nações Unidas (ONU), ao programa Haarp e até mesmo a um suposto ritual da cantora Madonna.

As postagens investem na teoria de que as mudanças climáticas e o aquecimento global são uma “farsa”. Mas, ao contrário do que defendem os negacionistas, especialistas no assunto e estudos realizados pela empresa de meteorologia MetSul confirmam a relação de alguns dos eventos extremos recentes com o aquecimento do planeta.

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Como explicou o Estadão, o Rio Grande do Sul é localizado em uma região de encontro entre sistemas polares e tropicais, ou seja, entre ar quente e frio. Isso faz com que o Estado tenha particularidades que facilitam a ocorrência de fenômenos climáticos. No entanto, especialistas indicam que o El Niño e as mudanças climáticas, provocadas pelo aquecimento global, potencializam o problema.

Dados históricos conseguem demonstrar o agravamento dos efeitos das mudanças climáticas em Porto Alegre, capital do Rio Grande do Sul. Cálculos do Instituto Nacional de Meteorologia (Inmet) mostram como o número de dias com extremos de precipitação (acima de 50 milímetros) aumentaram na cidade a cada década desde 1961. Veja o gráfico feito pelo Estadão com os extremos de precipitação em Porto Alegre.

Em entrevista ao Estadão, o professor do Instituto de Pesquisas Hidráulicas da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) Rodrigo Paiva ressaltou que existe um consenso na comunidade científica internacional sobre a interferência do aquecimento do planeta no aceleramento do ciclo hidrológico. É por esse motivo que existem chuvas mais intensas em alguns lugares e secas maiores em outros.

O professor Paulo Artaxo, do Instituto de Física da Universidade de São Paulo (USP) e membro do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas, afirmou ao Estadão que é possível creditar a tragédia no Rio Grande do Sul ao agravamento da crise climática. O especialista entende que os fenômenos climáticos extremos ficarão cada vez mais intensos, frequentes e imprevisíveis.

Um exemplo de mensagem negacionista foi recebida pelo Estadão Verifica no WhatsApp. De acordo com a postagem, a inundação de Porto Alegre em 1941 foi maior que a enchente deste mês de maio, o que desbancaria narrativas sobre mudanças climáticas. Porém, essa afirmação não é correta. Na noite de sexta, 3, a cheia do Guaíba, na capital gaúcha, alcançou um nível histórico de 5,08 metros, ultrapassando o recorde anterior de 4,76 metros registrado na década de 1940.

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Ainda na sexta-feira, 3, o Guaíba já havia ultrapassado a cota de inundação em Porto Alegre. Foto: MIGUEL NORONHA

Teorias conspiratórias disseminadas não têm relação com tragédia no RS, nem provam que o aquecimento global é uma ‘farsa’

Uma das teorias conspiratórias mais disseminadas no X para justificar o desastre ambiental no Sul do País é sobre o projeto Haarp, sigla para “High-frequency Active Auroral Research Program” (Programa de Pesquisa Ativa de Alta Frequência de Auroras, em português). O sistema foi criado nos anos 1990 pela Universidade de Alaska Fairbanks, com objetivo de estudar ondas na ionosfera, uma camada da atmosfera. Como mostrou o Projeto Comprova, os cientistas que participam do projeto negam que o sistema tenha qualquer interferência no clima.

Outras postagens investem em conspirações sobre a Agenda 2030 da ONU e a Nova Ordem Mundial. As teorias conspiratórias sobre esses assuntos geralmente são compartilhadas juntamente a menções ao Fórum Econômico Mundial e nomes como Bill Gates e George Soros. Essas peças desinformativas insistem que existe um movimento para implantar um “governo global e totalitário”, que estaria controlando o clima.

Como o Estadão Verifica já explicou, a Agenda 2030 é um conjunto de 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) lançados em 2015 pelas Organização das Nações Unidas (ONU), após décadas de debate. Os objetivos definem os temas humanitários que devem servir como prioridade nas políticas públicas internacionais até 2030. Entre eles, estão o combate à pobreza e desigualdade socioeconômica, a promoção de uma sociedade mais saudável e a gestão adequada dos recursos naturais.

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Uma postagem no X com mais de 372,9 mil visualizações na rede social apontou ainda que o show da cantora Madonna, no sábado, 4, “foi parte de um ritual ocultista realizado em meio à calamidade climática planejada que assola o Rio Grande do Sul”. O fio que conspira sobre a apresentação da cantora não esclarece, no entanto, que o evento no Brasil havia sido anunciado em março. A apresentação faz parte de uma turnê que começou em outubro de 2023, em Londres, e contou com 81 shows. O espetáculo em Copacabana seguiu o mesmo roteiro que as outras perfomances de Madonna na turnê. Ou seja: nenhuma relação com o Rio Grande do Sul.

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