Uma postagem nas redes sociais questiona a integridade das eleições ao dizer que um hacker teria sido preso por "invadir o TSE", o Tribunal Superior Eleitoral. Esse conteúdo engana porque dá a entender que as urnas eletrônicas e o processo de apuração teriam sido violados -- o que não ocorreu. No ano passado, um hacker vazou dados administrativos da Corte, mas não adulterou a votação nem atacou as urnas eletrônicas.
A postagem traz as afirmações "hacker está preso por invadir TSE" e "Barroso diz que é impossível invadir TSE", para em seguida questionar: "Então por que o hacker está preso?" O ministro Luís Roberto Barroso de fato afirmou que não seria possível invadir o sistema eleitoral, mas estava se referindo à segurança exclusivamente das urnas eletrônicas. Desde sua implementação, em 1996, não houve fraudes comprovadas nas eleições brasileiras.
Essa postagem foi compartilhada ao menos 2,3 mil vezes no Facebook.
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A que hacker os posts se referem?
No dia do primeiro turno das eleições municipais, em novembro passado, ocorreu o vazamento de dados de servidores públicos do TSE. O então ministro da Justiça e Segurança Pública André Mendonça afirmou que os dados eram referentes ao ano de 2001 e que o acesso aos dados havia ocorrido um mês antes. Mendonça, que seria nomeado por Bolsonaro para o Supremo Tribunal Federal (STF), negou qualquer risco à lisura do processo eleitoral.
Ele também anunciou uma investigação para apurar os responsáveis pelo ataque. Em 28 de novembro, às vésperas do segundo turno, a Polícia Federal prendeu um hacker conhecido como Zambrius, em Portugal, acusado de comandar o ataque ao TSE. Também foram efetuadas buscas e apreensões com outros três investigados brasileiros em São Paulo e Minas Gerais.
Zambrius deu uma entrevista ao Estadão quando ainda era investigado pelo crime cibernético. Ao ser questionado sobre a influência que o ataque teve na circulação de desinformação sobre o processo eleitoral, disse que não tinha intenção de impulsionar desinformação sobre fraudes. "Bem, a minha invasão ao TSE não afeta ou causa fraudes nas eleições, mas possivelmente exista algum documento que comprometa o TSE, é uma questão de explorar o banco de dados", disse.
Quatro meses depois, outro dos investigados foi preso preventivamente, porém por um crime diferente. VANDATHEGOD, como é conhecido Marcos Roberto Correia da Silva, é acusado de ter vazado os dados pessoais de 220 milhões de brasileiros. Inicialmente, a origem dos dados foi apontada como a empresa de análise de crédito Serasa, o que a entidade nega.
Como mostrou essa checagem do Projeto Comprova, o vazamento de dados do ano passado expôs apenas dados administrativos antigos disponíveis no site do TSE. Portanto, as postagens que omitem que essas informações vazadas não possuíam nenhuma relação com a realização das eleições,espalham desinformação sobre o processo eleitoral. O registro do voto pelos eleitores é feito em urnas eletrônicas que não possuem acesso à internet, o que impede ataques hackers. Já a apuração é feita em uma rede privada.
VANDATHEGOD aparece em uma entrevista publicada pelo deputado federal Filipe Barros (PSL-PR) em suas redes sociais. No vídeo, ele faz alegações infundadas, como a de que existe a possibilidade de manipular a votação pela internet.
O que diz o TSE sobre a segurança das urnas?
A postagem alega que "Barroso diz que é impossível invadir TSE", novamente se valendo de uma expressão dúbia. A publicação se refere a Luís Roberto Barroso, ministro do Supremo Tribunal Federal e atual presidente do TSE. O magistrado reafirmou em diversas ocasiões a segurança da urna eletrônica -- mas não disse que era impossível acessar os arquivos administrativos que foram vazados.
Recentemente, Barroso foi convidado a participar de uma sessão da comissão especial da Câmara que discute a implementação de um registro impresso do voto -- popularmente conhecido como voto impresso. Barroso rebateu as dúvidas colocadas sobre a lisura do processo e disse que desde a implementação das urnas eletrônicas, em 1996, nunca houve casos comprovados de fraudes.
"A introdução do voto impresso seria uma solução desnecessária para um problema que não existe com o aumento relevante de riscos", afirmou o presidente do TSE. "O que nós fizemos com o sistema eletrônico de votação foi derrotar um passado de fraudes que marcaram a história brasileira no tempo do voto de papel."
"Tudo o que diz respeito a informática, tem um grau de vulnerabilidade. JBS foi atacada, o pipeline dos Estados Unidos, foi atacado. A CIA já foi atacada. Portanto, estar sujeito a ataques faz parte da vida moderna", disse ele. "Nós temos é que nos preparar para que os ataques produzam o menor impacto possível na realidade. Como fizemos isso? Tiramos a urna do sistema. Não tem como atacar a urna. Portanto, não tem como fraudar o resultado eleitoral".
Os arquivos digitais do TSE possuem assinatura e resumo com criptografia de modo a confirmar sua autenticidade e denunciar caso o software seja alterado. Tanto a assinatura quanto o resumo digital podem ser conferidos por partidos políticos, Ministério Público e OAB.
As urnas eletrônicas só aceitam o sistema eletrônico gerado pela Justiça Eleitoral, assim como o software só funciona em hardwares autênticos. Portanto, nem o sistema funcionaria em uma máquina que tenha sido modificada, nem a máquina autêntica aceita sistemas com irregularidades.
É importante dizer que a urna eletrônica funciona sem conexão com redes de computadores como a internet. Também não possui o hardware (equipamento) necessário para se conectar de maneira remota com uma conexão sem fio.
Há mecanismos de auditoria antes e após as eleições que podem ser feitos por partidos, coligações e pelo Ministério Público. São realizados ainda Testes Públicos de Segurança, eventos nos quais os participantes têm acesso ao código-fonte do software das urnas e tentam violar as barreiras de segurança. Essa é uma forma de colocar o mecanismo à prova, e o último teste foi realizado em 2019.
O TSE é o órgão máximo da Justiça Eleitoral. Ele é responsável, juntamente com os tribunais regionais eleitorais, por administrar o processo eleitoral no País. É composto de três ministros do Supremo Tribunal Federal, dois do Superior Tribunal de Justiça e dois da classe dos juristas.
Contestação das urnas eletrônicas
Em meio a queda de popularidade e pressão devido aos desdobramentos da CPI da Covid, o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) faz constantes ataques infundados sobre a lisura do processo eleitoral. Ele já citou uma auditoria do PSDB para dizer que houve fraude nas eleições de 2014, embora a investigação não tenha encontrado nenhuma prova disso.
As investidas de Bolsonaro sobre o processo eleitoral se intensificaram quando o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva se tornou elegível devido a decisões no STF que anularam suas condenações na Justiça. O petista figura em pesquisas de intenção de votos como o candidato favorito.
Bolsonaro conturba o processo eleitoral a mais de um ano do pleito em que tentará a reeleição, alegando que caso o registro impresso do voto não seja aprovado no Congresso, haverá fraudes. Essa se tornou uma das principais frentes de atuação dos bolsonaristas na Câmara. A proposta do voto impresso tem autoria de Bia Kicis (PSL-DF) e recebeu relatório favorável de Filipe Barros (PSL-PR), ambos do antigo partido de Bolsonaro. Já o presidente da comissão que analisa o tema é Paulo Eduardo Martins (PSC-PR), da base do governo.