THE NEW YORK TIMES - Que os eleitores de São Francisco, que estão entre os eleitores mais confiáveis de progressistas nos EUA, tenham escolhido na terça-feira remover do cargo o procurador distrital Chesa Boudin, um dos promotores públicos mais esquerdistas do país, é sinal de esperança.
A paciência do eleitor para o que a prefeita de São Francisco, London Breed, qualifica como “toda a conversa fiada que destruiu nossa cidade” — furtos vorazes em lojas, roubos violentos de carros, uso de drogas no espaço público, acampamentos asquerosos de sem-teto, calçadas transformadas em latrinas — está finalmente se esgotando.
Exageros progressistas cobram um preço. Até mesmo dos progressistas.
O que ocorre em São Francisco se repete em todo o país — e não apenas em relação a justiça criminal e governança urbana. Em sucessivas áreas, a esquerda é assaltada pela realidade, tomando emprestada a famosa frase de Irving Kristol. Considerem alguns exemplos:
Inflação
Por mais de uma década, progressistas insistiram que a inflação não passava de uma quimera da direita, ignorando o enorme aumento nos preços dos produtos. Então, no ano passado, eles insistiram que a inflação era temporária — um “falso indício”, citando o economista Joseph Stiglitz. Posteriormente, à medida que ficou evidente que a inflação havia chegado para ficar, alguns produziram uma interpretação ainda mais ousada: a inflação é uma coisa boa. Conforme colocou um artigo publicado no Intercept em novembro, “A inflação é ruim para o 1%, mas ajuda quase todas as outras pessoas”.
Para Lembrar
É mesmo? Normalmente, esse 1% tem capacidade de proteger sua riqueza por meio de ativos protegidos da inflação — um violino raro, uma mansão de férias — enquanto os menos afortunados enfrentam preços de alimentos de três dígitos. A combinação da esquerda entre indiferença em relação à inflação (ela apagará dívidas!) e a relutância em combatê-la explica forçosamente por que a esquerda acaba com tanta frequência perdendo eleitores da classe trabalhadora para a direita.
Energia
Não faz muito tempo que os progressistas se queixavam dos baixos preços da gasolina, segundo a teoria de que dissuadir as pessoas de dirigir carros beneficiaria o meio ambiente. Talvez os democratas devessem tentar propagandear o galão a US$ 7 como um benefício para o meio ambiente e ver o que acontece com sua maioria. Talvez, também, o governo Biden devesse dizer aos sauditas onde eles podem armazenar seu petróleo, em vez de suplicar-lhes para produzir mais.
Ou talvez não. A forma de natureza que os progressistas menos conseguem entender é a natureza humana. Se eles chegarem a se perguntar por que seu fervor ambiental não se traduziu em mais vitórias políticas, eles deverão se confrontar com o fato de que a maioria das pessoas não está disposta a pagar um preço alto por uma descarbonização rápida, pelo menos não de seus próprios bolsos.
Que tal trabalhar uma mensagem diferente, que seja mensurada, adaptativa e melhoradora, em vez de draconiana, sombria e apocalíptica?
A cultura
Como os progressistas se saem com derrotas em guerras culturais? De que maneira eles se tornaram chacota para os mais sagazes comediantes da nossa era, de Bill Maher a Dave Chappelle? Por que os progressistas veteranos em universidades, jornais e editoras literárias resmungam constantemente sob seus bigodes a respeito de maoísmos de seus colegas mais jovens?
É simples: Os progressistas vieram de defender totalmente a libertação a defender totalmente a imposição. Quando uma nadadora trans, como Lia Thomas, identifica-se como mulher, isso é uma libertação — uma decisão que certamente exigiu coragem e merece respeito.
Mas quando é permitido a Thomas competir em disputas femininas, isso é um ato flagrante de injustiça, que concedeu a Thomas vitória atrás de vitória ao mesmo tempo que menosprezou o legado de atletas mulheres. O fato de ser difícil até mesmo falar em voz alta sobre isso apenas sublinha o argumento.
Minorias
Lembram-se quando o futuro da política americana era democrata porque o futuro da demografia americana seria menos branco?
Essa reconfortante previsão não está se confirmando, porque membros de minorias não gostam necessariamente de ser colocados no meio de acrônimos progressistas como “BIPOC” ou bloqueados por políticas progressistas, como esforços de acabar com exames para entrar em escolas públicas seletivas ou negligenciar prioridades de segurança pública em comunidades mais pobres, que com frequência são as que mais necessitam, incluindo aquelas na fronteira sul.
O mundo
Os progressistas (auxiliados por republicanos isolacionistas) passaram uma década exigindo que os EUA se desvinculassem de compromissos militares no exterior, particularmente no Afeganistão, para que pudéssemos fazer mais pela construção do país domesticamente. Joe Biden cometeu o erro de acreditar nisso, e sua presidência ainda não se recuperou do fiasco estratégico e moral da retirada.
Nem o mundo. A percepção sobre o acanhamento e a incompetência dos EUA, que o governo tem trabalhado tanto para afrontar na Ucrânia, faz parte do que seduziu o Kremlin a invadir em primeiro lugar.
A lista é longa, mas a mensagem é uma só. Quando Kristol falou de progressistas sendo assaltados pela realidade, ele disse que isso os transformaria em neoconservadores. Seria suficiente se os progressistas de hoje, já no segundo assalto, descobrissem o caminho de retorno para o liberalismo político. / TRADUÇÃO DE GUILHERME RUSSO
*É COLUNISTA E GANHADOR DE UM PRÊMIO PULITZER
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