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Inquietação no Japão

Premiê pode ter antecipado eleições temendo a prefeita de Tóquio, que quer ‘acordar’ o país

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Por Gilles Lapouge, correspondente e Paris

O Japão não vai mal. Perto do caldeirão de bruxa em que se transformou o Ocidente (Brexit, nostalgia do nazismo na Alemanha, tentações fascistas na Europa Oriental, Donald Trump nos EUA e, por toda parte, uma luta de todos contra todos), o Japão é hoje um país calmo.

O primeiro-ministro japonês, Shinzo Abe, está no cargo há cinco anos. A economia japonesa, a terceira do mundo, sai lentamente dos 20 anos de letargia que a exauriram. Sem alarde, a máquina se põe novamente em marcha: a previsão de crescimento para 2017 é de 1,5%. O comércio volta, enfim, a ser positivo. Nada do que se vangloriar, mas, comparando-se à longa apatia anterior, o horizonte começa a clarear.

Eleição é amplamente vista como uma tentativa de se aproveitar da recente melhora nonível de apoio a Shinzo Abe Foto: EFE/FRANCK ROBICHON

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Entretanto, o primeiro-ministro Abe decidiu dissolver a Câmara dos Representantes e convocar eleições antecipadas para o fim de outubro. A população não entendeu. Abe tem maioria de dois terços nas duas Câmaras do Parlamento.

O país está sossegado. A economia melhora aos poucos. Então, nada justificaria a iniciativa. Poderia, talvez, tratar-se de uma manobra: Abe, no caso de uma provável vitória, poderá disputar um novo mandato em 2018 à frente do Partido Liberal-Democrático (PLD), o que lhe garantiria o cargo de chefe de governo até 2021. 

Alguns têm outra explicação. Os delírios do líder norte-coreano, Kim Jong-un, estariam inquietando Abe, que procuraria assim reforçar sua autoridade para o caso de agravamento da crise. A opinião pública do Japão, porém, não está em pânico em razão da ameaça de bombas norte-coreanas. O próprio Abe, mesmo dramatizando a queda de braço entre Donald Trump e Kim Jong-un, não parece estar apavorado. 

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Desde o início da crise de Pyongyang, Abe aderiu a Trump – o que não deixa de ser um exercício de virtuosismo, tantas são as idas e vindas do presidente americano, que ameaça com guerra total, recua para a admissão de guerra parcial e, em seguida, admite até a possibilidade de negociação. Abe tenta não dar importância às esquisitices de Trump. Ao chegar ao poder, há cinco anos, o premiê japonês ameaçava o mundo com raios e trovões, mas acabou reforçando o tradicional alinhamento de Tóquio com Washington. 

Abe havia até prometido, contrariando toda a política japonesa desde a derrota na guerra de 1945, uma atitude agressiva, algo heroica, no plano exterior, com o protagonismo das Forças Armadas do Japão. Parecia que o antigo país guerreiro e nacionalista sairia de um longo inverno, mas, definitivamente, o torpor continuou. Abe manteve o Japão numa posição subalterna e não tomou nenhuma iniciativa frente à China ou a Coreia do Corte. Seguiu, prudentemente, os caminhos traçados pelos EUA. 

‘Sacudida’. No entanto, nesse quadro sereno, pacífico e até meio tedioso, uma inquietação parece tomar conta de Abe, o que explicaria seu recurso à dissolução da Câmara dos Representantes. Essa inquietação tem nome: Yuriko Koike, a prefeita de Tóquio. Yuriko acredita que possa dar uma sacudida no Japão, arrancando-o da hibernação política na qual mergulhou. Para isso, ela se apoiaria na insatisfação, talvez mesmo uma certa ira, de uma parte da população.

Abe, ao anunciar novas eleições, as justificou sob a alegação de que há uma crise nacional (na verdade, bem pouco visível). Sua rival definiu essa crise: trata-se da “liquefação mortífera e indolor da democracia”. Para desestabilizar o sólido Abe, Yuriko acredita ter o remédio milagroso: o exemplo do francês Emmanuel Macron. / TRADUÇÃO DE ROBERTO MUNIZ