O ano que arrebentou o Oriente Médio: por que a nova lógica da região é matar ou ser morto?

Matar ou ser morto é a nova lógica na região; seria melhor dissuasão e diplomacia

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Por The Economist

Desde o massacre de israelenses praticado pelo Hamas em 7 de outubro de 2023, a violência tem se espalhado. Quase um ano depois, o Oriente Médio está a um passo de uma guerra total entre Israel e Irã. A habilidosa decapitação por parte de Israel do Hezbollah, uma milícia libanesa apoiada por Teerã, fez a República Islâmica lançar uma chuva de mísseis contra os israelenses em 1.º de outubro. Israel poderá retaliar atacando talvez instalações industriais, militares ou nucleares do Irã na esperança de acabar de uma vez por todas com a ameaça que Teerã representa para o Estado judaico.

O Irã é certamente uma ameaça, e Israel ou os Estados Unidos usarem força contra Teerã seria tanto legítimo quanto sensato se a ação for calibrada cuidadosamente. Mas a ideia de um único e decisivo ataque contra o Irã ser capaz de transformar o Oriente Médio não passa de fantasia. Conforme explica nossa seção especial, conter o regime iraniano requer dissuasão sustentada e diplomacia. E no longo prazo a segurança de Israel também depende do fim de sua opressão aos palestinos.

Soldados israelenses carregam o caixão de Tal Dror, soldado que foi morto por um drone lançado do Iraque  Foto: John Wessels/AFP

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O mais recente ataque direto do Irã contra Israel empregou 180 mísseis balísticos. Ao contrário do ataque anterior, em abril, desta vez Teerã avisou com certa antecedência. Como antes, porém, a maioria dos projéteis foi interceptada. O ataque foi uma resposta à humilhação do Hezbollah, um aliado do regime iraniano que até duas semanas atrás era a milícia mais temida na região. Ninguém pode derramar lágrimas por uma organização terrorista que colaborou para transformar o Líbano em um Estado falido. Ao longo do ano recente o Hezbollah tem bombardeado Israel, forçando retiradas de civis da região norte do país. O contra-ataque de Israel, ao contrário de sua invasão a Gaza, estava planejado havia muito. Os israelenses fizeram um uso devastador de inteligência, tecnologia e poder aéreo para matar líderes da milícia, incluindo seu chefe, Hassan Nasrallah, mutilando seus combatentes com pagers explosivos e destruindo talvez a metade de seus cerca de 120 mil mísseis e foguetes.

Essa humilhação do Hezbollah ocasionou uma crise de credibilidade para seu patrocinador. O Irã tenta há três décadas intimidar Israel, Estados árabes e o Ocidente com uma abordagem em duas frentes: ameaçar obter uma bomba nuclear; e organizar um “eixo de resistência”, uma rede de milícias que inclui o Hamas, o Hezbollah e os houthis no Iêmen. Agora esse eixo cambaleia: Israel castigou severamente o braço militar do Hamas em Gaza e deu uma baita rasteira no Hezbollah. Subitamente, o regime do Irã passou a parecer fraco demais para ajudar seus comparsas — e talvez até para defender a si mesmo. Nem mesmo seus mísseis balísticos conseguem perfurar as defesas antiaéreas de Israel.

Bombardeio israelense atinge posições do Hezbollah no sul do Líbano  Foto: Leo Correa/AP

Para Israel, o perigo agora é a soberba. O objetivo da missão no Líbano poderá ser desviado, com as incursões limitadas de infantaria se transformando numa invasão total, um erro que Israel cometeu em 1982 e novamente em 2006. Uma opção seria destruir os polos de exportação do petróleo iraniano, o que prejudicaria as finanças do regime e provocaria agitação nos mercados de energia. Outra seria atacar suas instalações nucleares. Alguns em Israel veem uma janela de oportunidade. Por enquanto, a capacidade do Irã de atacar por meio do Hezbollah foi contida, mas nos próximos dois anos Teerã possuirá um forte novo incentivo para construir sua primeira arma nuclear para restabelecer a dissuasão. A extrema direita da coalizão de governo de Israel — incluindo o primeiro-ministro Binyamin Netanyahu — tem esperança de que um único ataque devastador contra o Irã neste momento tenha capacidade de pôr fim a todas as maiores ameaças de segurança para Israel no futuro próximo.

Esta visão é sedutora, mas perigosa. É verdade que o comportamento do Irã piorou desde que o governo de Donald Trump retirou os EUA do pacto destinado a congelar o programa nuclear iraniano. No ano recente, o Irã acelerou seu enriquecimento de urânio, armou os houthis, executou centenas de dissidentes dentro do país e forneceu vastas quantidades de drones para ajudar a Rússia a matar ucranianos. Seu presidente recém-empossado, Masoud Pezeshkian, supostamente um reformador, é na verdade refém dos conservadores. Mas, por conta disso tudo, o Irã é imprevisível. Seu regime clerical-militar é impopular domesticamente e está diante de uma degradação econômica e uma crise de sucessão quando seu líder-supremo, Ali Khamenei, de 85 anos, morrer. Um ataque fulminante contra suas instalações nucleares pode desestabilizar o regime. Mas poderia não destruí-las completamente, já que as bases estão enterradas profundamente no subterrâneo, e encorajar elementos linha-dura capazes de apressar ainda mais a fabricação de uma bomba, talvez auxiliados pela Rússia.

O Líder Supremo do Irã, aiatola Ali Khamenei, discursa em Teerã, Irã  Foto: Escritório do Líder Supremo do Irã / AP

Uma maneira mais eficaz de dissuadir o Irã poderia ser mais ou menos assim: Israel, apoiado pelos EUA, poderia fazer ameaças críveis de atacar por anos o programa nuclear iraniano para evitar que Teerã obtenha a bomba. Os americanos e seus aliados deveriam fazer valer sanções mais pesadas sobre as exportações de petróleo do Irã se o país buscar rearmar as milícias que o apoiam no exterior. Além disso, deve haver incentivos para ajudar os reformadores iranianos. Diplomatas deveriam deixar claro que, se Teerã cessar sua busca por armas nucleares e deixar de armar as milícias aliadas e a Rússia, haverá um alívio nas sanções. Apesar do presidente Joe Biden ter sinalizado que não apoia um ataque intempestivo contra as instalações nucleares do Irã, Netanyahu pode esperar que, se retornar à presidência, Trump adote uma posição mais beligerante. O que Israel precisa, contudo, é de um apoio bipartidário a longo prazo dos EUA moderado por conselhos de comedimento.

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O apoio americano e o comedimento israelense também serão cruciais para Israel enfrentar seu outro problema de segurança: os palestinos. Netanyahu e os linha-dura em seu governo querem que o mundo atente apenas para o Irã, minimizando as ameaças em Gaza, onde o Hamas não foi esmagado, e na Cisjordânia.

O primeiro-ministro de Israel, Binyamin Netanyahu, discursa na Assembleia-Geral da ONU, em Nova York, Estados Unidos  Foto: Richard Drew/AP

O caminho estreito para a paz

Mas no dia do ataque do Irã mais israelenses foram mortos em um ataque a tiros e facadas em Tel-Aviv do que por mísseis, e a maior perda de vidas israelenses em um ano de guerra foi perpetrada por assassinos do Hamas fabricados localmente. Uma repressão sem fim, após as mortes de mais de 40 mil palestinos em Gaza no ano recente, engendrará uma nova geração de militantes. Em Israel, o movimento dos colonos e sua política tóxica colocam em risco os valores de abertura subjacentes à economia de alta tecnologia de Israel. Qualquer reaproximação com a Arábia Saudita, que poderia ajudar a conter o Irã, depende de um tratamento melhor aos palestinos. Uma ocupação eterna, em contraste, produzirá mais abusos aos direitos humanos que corroeriam a sociedade israelense e tensionariam, talvez até um ponto de rompimento, a aliança entre Israel e EUA.

Conforme a guerra escala no Oriente Médio, o governo de Israel acredita que está em vantagem. Talvez esteja. Mas o desafio é traduzir destreza militar em ganhos estratégicos duradouros e, finalmente, em paz. Sem isso, o sangue continuará jorrando por anos. / TRADUÇÃO DE GUILHERME RUSSO

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