Por que Trump e seus asseclas querem trair a Ucrânia? Leia artigo de Paul Krugman

Direitistas linha-dura dentro e fora do Congresso dizem estar irritados com a quantia que os EUA estão gastando no apoio à Ucrânia. Mas se eles realmente se importassem com o encargo financeiro da ajuda, eles fariam um esforço mínimo para acertar nos números

Por Paul Krugman (The New York Times)

E então o governo não foi fechado no sábado, apesar de nós podermos ter de passar por esse drama todo novamente daqui a seis semanas. O ex-presidente da Câmara, Kevin McCarthy, acabou fazendo o óbvio: trouxe um projeto de lei de financiamento para votação que só poderia ser aprovado com votos democratas, porque os linha-dura de seu próprio partido não concordariam com nada factível. E a legislação não incluiu nenhum corte específico de gastos que os republicanos vinham pedindo, exceto por uma coisa grande e ruim: um corte à ajuda à Ucrânia.

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Os democratas parecem ter concordado porque esperam aprovar uma ajuda à Ucrânia separadamente; o presidente Joe Biden indicou acreditar que tem um acordo com McCarthy para tanto. Espero que eles estejam certos.

Mas porque as coisas sucederam assim? Michael Strain, do direitista (mas quase completamente não trumpista) American Enterprise Institute chamou o confronto fiscal de “shutdown ‘Seinfeld’” — ou seja, um fechamento a respeito do nada. A comparação é boa, mas se vamos falar de referências da cultura popular, eu consideraria melhor chamá-lo de fechamento “Rede de Intrigas”, com cidadãos gritando das janelas “Eu estou fulo da vida! E não vou mais engolir isso!”.

O presidente da Ucrânia, Volodmir Zelenski, e o presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, na Casa Branca, em Washington, Estados Unidos  Foto: (Doug Mills/ NYT

Nada menos do que um golpe de Estado é capaz de satisfazer essa fúria grotesca. Mas McCarthy evidentemente pensou que poderia reduzir as críticas contra seu acordo com os democratas traindo, ou pelo menos fingindo trair, a Ucrânia. O que claramente é algo que os trumpistas desejam. Mas por quê?

Apesar de qualquer faz de conta que vozes anti-Ucrânia, como Elon Musk, possam pronunciar, a questão não é o dinheiro.

Números

Direitistas linha-dura dentro e fora do Congresso dizem estar irritados com a quantia que nós estamos gastando no apoio à Ucrânia. Mas se eles realmente se importassem com o encargo financeiro da ajuda, eles fariam um esforço mínimo necessário para acertar nos números. Não, a ajuda à Ucrânia não está minando o futuro da nossa Seguridade Social, nem impossibilitando que façamos a segurança da nossa fronteira, nem consumindo 40% do PIB americano.

Quanto nós estamos realmente gastando no apoio a Ucrânia? Nos 18 meses passados desde o início da invasão russa, a ajuda americana totalizou US$ 77 bilhões. Isso pode parecer muito. E é muito em comparação às minúsculas quantias que nós costumamos alocar para ajuda externa. Mas os gastos totais do governo federal estão atualmente na casa de US$ 6 trilhões ao ano, ou mais de US$ 9 trilhões a cada 18 meses, portanto a Ucrânia corresponde a menos de 1% do gasto federal (e menos de 0,3% do PIB). A porção militar desse gasto equivale a menos de 5% do orçamento americano de defesa.

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A propósito, de nenhuma maneira os Estados Unidos são os únicos a arcar com os encargos da ajuda à Ucrânia. No passado, Donald Trump e outros reclamavam que os países europeus não gastavam o suficiente com suas próprias defesas. Mas em relação à Ucrânia, nações e instituições europeias comprometeram-se coletivamente a uma ajuda substancialmente maior que a nossa. Notavelmente, a maioria da Europa, incluindo França, Alemanha e Reino Unido, prometeu ajudas muito maiores enquanto porcentagem do PIB do que o comprometimento americano.

O ex-presidente dos Estados Unidos Donald Trump participa de um comício de campanha em Erie, no Estado americano da Pensilvânia  Foto: Maddie McGarvey / NYT

Mas voltemos aos custos da ajuda à Ucrânia: dada a miudeza do item em relação ao orçamento, alegações de que a Ucrânia de alguma maneira impossibilita outras coisas necessárias, como a segurança nas fronteiras, não têm sentido. Os trumpistas não são conhecidos por citar números corretos, nem por se importar em citar números corretos — mas eu duvido que eles realmente acreditem que os custos monetários da ajuda à Ucrânia são insustentáveis.

E os benefícios de ajudar uma democracia sob ataque são enormes. Lembrem-se: antes da guerra, a Rússia era amplamente considerada uma grande potência militar, e a maioria dos americanos consideravam-na uma ameaça crítica (e cujos militares não lacradores e alguns republicanos exaltavam). Agora essa potência se abateu.

A inesperadamente bem-sucedida resistência ucraniana à agressão russa também deu a outros regimes autocráticos que poderiam ver-se tentados a travar guerras de conquista ciência de que não é fácil derrubar democracias. Sendo absolutamente direto e honesto: os reveses da Rússia na Ucrânia certamente reduziram as chances da China invadir Taiwan.

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Finalmente, o que até mesmo os republicanos costumavam chamar de mundo livre se fortaleceu. A Otan esteve à altura da ocasião, confundindo os cínicos, e está aumentando seu contingente. As armas ocidentais têm provado sua eficácia.

Há grandes recompensas por despesas que equivalem a uma pequena fração do que nós gastamos no Iraque e no Afeganistão, e nós não devemos esquecer que são os ucranianos que estão lutando e morrendo. Por que, então, os políticos trumpistas querem cortar a Ucrânia?

A resposta é, infelizmente, óbvia. Apesar de tudo o que os republicanos linha-dura possam dizer, eles querem que Vladimir Putin vença. Eles consideram a crueldade e repressão do regime de Putin características admiráveis que os EUA deveriam emular. Eles apoiam um aspirante a ditador domesticamente e são simpáticos a ditadores verdadeiros no exterior.

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Portanto não prestem atenção a todas essas queixas a respeito de quanto nós estamos gastando na Ucrânia. Essas reclamações não se justificam pelo custo real da ajuda, e os indivíduos que se dizem preocupados com o custo não se importam realmente com dinheiro. Eles são, basicamente, inimigos da democracia — dentro e fora dos EUA. / TRADUÇÃO DE GUILHERME RUSSO

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