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Sonho de refugiados acaba em Calais

Imigrantes evitam ser identificados em acampamento provisório no norte da França para manter chances de viver na Grã-Bretanha

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Por Andrei Netto, CALAIS e FRANÇA

CALAIS, FRANÇA - Adi Farhydid dividia espaço com amigos em uma fogueira na manhã fria no momento em que seu barraco no acampamento de imigrantes em Calais, no norte da França, era destruído por ordem do Ministério do Interior. O iraniano de 28 anos era um dos cerca de 200 compatriotas que teria de buscar um novo lugar para viver em razão da desmontagem da maior área da favela conhecida como “Selva”. 

Com futuro incerto, Adi tinha apenas uma certeza: reconstruiria sua tenda em outro local ou iria para qualquer lugar, mas não aceitaria um lugar no Centro de Acolhimento Provisório (CAP), o alojamento de contêineres montado pelo governo francês. A rejeição aos contêineres aquecidos e com saneamento básico é comum entre os imigrantes que aguardam por uma oportunidade para cruzar o Canal da Mancha e chegar à Grã-Bretanha. 

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A razão é o sistema de segurança montado pela polícia, que inclui a coleta de impressões digitais. A identificação dos imigrantes em Calais é o grande ponto de choque entre ONGs de ajuda humanitária e refugiados, de um lado, e os governos francês e britânico, de outro. Isso ocorre porque a criação de fichas com a identidade dos estrangeiros é, na realidade, uma armadilha da União Europeia para acabar com o sonho do refúgio na Grã-Bretanha. 

Pelas regras em vigor desde 2013, os imigrantes devem pedir asilo no primeiro país de entrada na UE. Se essa informação for desconhecida, vale como referência o país em que os estrangeiros foram identificados pela primeira vez. No caso de Calais, muitos que aceitaram viver no CAP deixaram suas impressões digitais registradas pela primeira vez na França, não na Grã-Bretanha. 

Sonho. Pela letra fria da lei, o sonho britânico dos mais de 1,3 mil moradores dos contêineres acabou. “A lei estabelece as responsabilidades de cada país e fixa como regra que qualquer prova serve para indicar qual foi o primeiro país de entrada na UE. Essas informações vão para o Eurodac, base de dados digital que cadastra quem pede asilo”, explicou ao Estado Marianne Humbersot, ativista que presta orientação aos estrangeiros. 

“Para quem sonha em ir para a Grã-Bretanha porque tem família lá, por exemplo, ir para o CAP significa que a França será o país responsável por seu pedido de asilo e as chances de viver em solo britânico acabaram.” 

Na favela de Calais, a informação se espalhou entre os imigrantes. Por isso, a maior parte dos sírios, iraquianos, afegãos, eritreus e iranianos não aceitam a transferência para o CAP, nem em troca de mais conforto, saúde e higiene. “As impressões digitais são um problema, porque mesmo que consigamos ir para a Grã-Bretanha seremos obrigados a retornar para a França”, diz Adi.

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Membro da mesma comunidade de iranianos, Ali Sajjad, de 19 anos, também deixou para trás a tenda destruída, mas não enfrentou o frio e a chuva com o mesmo sangue frio. “Não tenho para onde ir. Estou na rua.”

No CAP, a rejeição também se faz notar pelo número de alojamentos disponíveis. Dos 1,5 mil lugares, 1.342 foram ocupados. Outros 200 leitos estavam disponíveis no Centro Jules Ferry, estrutura de acolhimento voltada a mulheres e crianças. 

Um estudo de pesquisadores britânicos confirma o motivo do boicote: das 870 pessoas entrevistadas, 92% desejava ir para a Grã-Bretanha, mesmo com todas as dificuldades. Entre os 8% restantes, a maior parte prefere imaginar um pedido de asilo em um país Europa do Norte, como Suécia ou Alemanha. A França, afirmam os imigrantes, não é acolhedora. 

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Se o movimento de resistência por parte dos imigrantes e de ONGs persiste é porque a França segue determinada a acabar com o sonho britânico dos imigrantes. O Ministério do Interior não esconde mais a intenção de identificar e extraditar os imigrantes “econômicos” – aqueles em busca de emprego e renda – e regularizar os refugiados de países em guerra. 

Para impulsioná-los a aceitar uma das opções, a estrutura precária do CAP é mínima. Cada contêiner tem 15 metros quadrados, nos quais dormem até 12 pessoas. Não há cozinha, nem banheiro, ducha ou pontos de água, nada que crie conforto. Também não há vagas para todo mundo – mesmo que houvesse interessados –, já que na “Selva” vivem 3,7 mil pessoas. 

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