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Trump está blefando sobre Coreia?

Analistas divergem se posição do presidente americano é resultado de uma tática para impor medo ou simplesmente instinto

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Por Julie Hirschfeld Davis

N o inflamado discurso de Trump em Huntsville, Alabama, sexta-feira à noite, a plateia urrou quando ele chamou o líder da Coreia do Norte, Kim Jong-un, de “Little Rocket Man” (algo como “homenzinho-foguete”). 

Já entre diplomatas e especialistas em segurança nacional, a reação foi totalmente diferente. Após Trump repetir a zombaria num tuíte na noite de sábado, afirmando ainda que Kim e seu ministro do Exterior “não durarão muito” se continuarem com as investidas contra os EUA, as reações foram da dúvida nervosa ao terror absoluto. 

Na quinta-feira, Donald Trump (dir.) anunciou novas sanções contra a Coreia do Norte de Kim Jong-un Foto: EFE/KCNA/JUSTIN LANE

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A afoiteza de Trump em ameaçar aniquilar um inimigo armado com bombas nucleares foi um novo lembrete dos riscos inerentes a sua abordagem diplomática de força bruta. Sua propalada habilidade política de apelar ao centro do cidadão comum é difícil de compatibilizar com os meticulosos cálculos que seus próprios conselheiros consideram cruciais para lidar com Pyongyang. 

A falta de sintonia leva a uma profunda incerteza sobre se Trump está só conversando fiado ou se pretende mesmo agir. Pode ser uma ambiguidade estratégica, parte de uma tentativa de intimidar Kim e mantê-lo na dúvida. Ou pode refletir a imprudente impulsividade de um líder com pouca experiência em política exterior para dar vazão a sua raiva e capitalizar o entusiasmo dos apoiadores. 

Seu novo chefe de gabinete e sua equipe de segurança nacional traçaram uma linha divisória na tentativa de conter as provocações mais incendiárias do chefe, temendo que seus esforços possam ter efeito contrário com um presidente que ignora qualquer tentativa de controlá-lo. 

Diplomatas veteranos, profissionais de segurança nacional e especialistas em Coreia do Norte temem que, seja qual for o resultado pretendido, as ameaças cada vez mais belicosas de Trump e os insultos públicos ao pavio curto Kim podem arrastar os EUA para um confronto nuclear motivado por animosidade pessoal. 

O motivo, porém, “deixa de importar se a Coreia do Norte entender que um ataque está por vir”, diz Sue Mi Terry, ex-especialista em informações do Conselho de Segurança Nacional que trabalha como consultora sobre Coreia do Norte para o Bower Group Asia. “Podemos acabar sendo empurrados para uma guerra que ninguém deseja.”

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Embora o destempero de Trump possa ser música para os ouvidos de seus seguidores radicais, há evidências de que a maior parte do público americano não confia no presidente para lidar com a Coreia do Norte, e há uma oposição maciça a esse tipo de ação militar preventiva pelo qual Trump parece ansiar. 

Uma recente pesquisa Washington Post-ABC News constatou que 37% da população adulta acha que Trump pode lidar responsavelmente com a crise com a Coreia do Norte, enquanto 42% não confiam nele “de jeito nenhum”. Em compensação, 72% confiam nos líderes militares, que têm evitado usar linguagem belicosa sobre a Coreia do Norte mesmo quando dizem em público que a opção militar é uma possibilidade. Dois terços dos consultados opuseram-se a um ataque preventivo contra a Coreia do Norte, enquanto três quartos apoiaram o uso de sanções econômicas mais duras contra Pyongyang como meio de pressionar o país a desistir de seu arsenal nuclear. 

Altos funcionários do governo admitem privadamente que a retórica de Trump sobre a Coreia do Norte não está ajudando, embora questionem se seu abandono vá alterar a discussão, tendo em vista quão longe Kim já foi para desenvolver uma arma nuclear que possa atingir os Estados Unidos.

Os três generais da reserva que assessoram Trump – Jim Mattis, secretário da Defesa; H. R. McMaster, conselheiro para segurança nacional; e John F. Kelly, chefe de Gabinete – além de Rex Tillerson, secretário de Estado, optaram por escolher com mais cuidado as palavras sobre a Coreia do Norte, enfatizando o papel da diplomacia e o perigo da aposta no confronto militar. 

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“Os três generais entendem perfeitamente a carnificina que pode resultar de uma guerra na Península Coreana”, disse domingo James G. Stavridis, ex-comandante da Otan e atual deão da Escola de Direito e Diplomacia da Universidade Tufts. “Conhecendo pessoalmente os três, estou certo de que estejam aconselhando cautela operacional, moderação nos comentários públicos e uma coalizão para discutir como lidar com Kim Jong-un”, diz Stavridis, almirante da reserva. “Mas controlar o presidente Trump parece cada vez mais difícil.”

Christopher R. Hill, ex-embaixador na Coreia do Sul que trabalhou com presidentes republicanos e democratas, argumenta que os ataques verbais de Trump podem afetar duramente a busca de uma solução pacífica na disputa, fortalecendo a argumentação de Kim de que os EUA são uma nação maligna empenhada na destruição da Coreia do Norte e afrouxando as pressões sobre os chineses para que atuem mais para conter Pyongyang. 

“Os ataques dão ao mundo a sensação de que Trump está cada vez mais difícil de conter e menos confiável”, disse Christopher Hill, da Escola Josef Korbel de Estudos Internacionais da Universidade de Denver. Altos funcionários do governo consideram que Trump vai continuar com sua abordagem, particularmente com os tuítes beligerantes, não importando o que digam os assessores. Os tuítes provavelmente obrigaram Mattis e outros funcionários de segurança nacional a passar um bom tempo ao telefone reassegurando a suas contrapartes as boas intenções de Trump. 

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Na semana passada, Trump lançou o apelido pejorativo de Kim no Twitter e insistiu em incluí-lo em seu discurso na Assembleia-Geral da ONU. “O Homem-Foguete”, disse ele, “está numa missão suicida para ele e para seu regime”, o que pode deixar os Estados Unidos “sem opção além da total destruição da Coreia do Norte.” Numa resposta agressiva, Kim chamou Trump de “mentalmente desequilibrado”.

Mas, para alguns de seus aliados, o comportamento de Trump é estratégico, um meio de informar à Coreia do Norte e a sua protetora, a China, que os Estados Unidos estão adotando uma linha mais dura sob Trump. Eles argumentam que pode haver bom senso em lançar medo e confusão na mente de um líder que utiliza com frequências as duas coisas. / TRADUÇÃO DE ROBERTO MUNIZ  É JORNALISTA

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