Ucrânia se prepara para ataque russo na região de Donbas, após tropas invasoras se afastarem de Kiev

Moscou muda estratégia e passa a retirar tropas do norte para focar na região separatista de Donbas; Zelenski acredita que mudança é resultado da resistência ucraniana

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Por Redação
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KIEV - O presidente da Ucrânia, Volodmir Zelenski, afirmou nesta quinta-feira, 31, que as forças ucranianas se preparam para novos ataques da Rússia na região sudeste do país, que passou a ser foco de Moscou depois que a ofensiva à Kiev não teve sucesso. A nova estratégia russa surge na quinta semana de guerra, depois que a Ucrânia resistiu aos ataques e impediu a Rússia de capturar qualquer grande cidade, e deve focar na região separatista de Donbas.

Em sua primeira estratégia de guerra, cuja intenção era tomar o poder em Kiev, o desempenho das forças russas é considerado ruim pelos analistas de guerra. Mas o ocidente está cético com a promessa russa de retirada, pelo contrário, vê um reagrupamento das tropas. Além disso, autoridades americanas e europeias disseram que o presidente russo, Vladimir Putin, recebeu informações erradas de seus generais sobre esse desempenho militar.

Segundo Moscou, o foco agora é “libertar” das mãos da Ucrânia a região de Donbas, formada por duas províncias do sudeste parcialmente controladas por separatistas apoiados pela Rússia desde 2014. Com isso, as tropas russas se reordenam para a região e saem de Kiev e de Chernihiv, no norte - dois dos locais que sofreram ataques intensos nas últimas semanas.

Carro carbonizado é visto diante de um edifício residencial destruído durante o conflito entre a Rússia e a Ucrânia, em Mariupol. Imagem foi registrada nesta quarta-feira, 30 Foto: Alexander Ermochenko/Reuters

A saída das tropas foi prometida pela Rússia na terça-feira, 29, após negociações com a Ucrânia para um acordo de paz. Entretanto, para Zelenski, o movimento das tropas para longe das duas cidades não significa uma retirada, mas uma “consequência do trabalho dos nossos defensores”, conforme declarou em um discurso de vídeo no início desta manhã.

No mesmo discurso, Zelenski afirmou que a Ucrânia percebeu “um acúmulo de forças russas para novos ataques ao Donbas” e que as forças armadas ucranianas estão se “preparando para isso”.

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Os possíveis ataques ao sudeste ucraniano inclui a cidade portuária de Mariupol, que possuía 400 mil habitantes antes da guerra. Mariupol sofre o pior cenário de guerra, com a maioria dos edifícios destruídos ou danificados em quatro semanas de bombardeio e cerco russo constante.

Nesta quinta-feira, um comboio de ônibus ucranianos partiu para a cidade na tentativa de retirar civis que ainda permanecem no local, afirmou a vice-primeira-ministra Irina Vereshchuk.

Todos os esforços anteriores para alcançar partes de Mariupol sob controle russo falharam. O comboio enviado nesta quinta-feira, no entanto, é feito por meio de um corredor humanitário apoiado pela Cruz Vermelha, que garantiu um acordo com os russos.

As Nações Unidas acreditam que milhares de pessoas morreram em Mariupol, muitas enterradas em covas anônimas.

Tropas se reagrupando

As suspeitas de Zelenski de que as tropas russas devem focar suas ofensivas no Donbas são confirmadas or análises da Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan). Apesar da promessa russa de redução reduziria radical de sua atividade militar em Kiev, os governos ocidentais veem poucas evidências disso, disse Jens Stoltenberg, secretário-geral da Otan, em entrevista coletiva nesta quinta.

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“De acordo com nossa inteligência, as unidades russas não estão se retirando, mas se reposicionando”, disse ele, ecoando as opiniões dos governos dos EUA e Reino Unido. “A Rússia está tentando se reagrupar, reabastecer e reforçar sua ofensiva na região de Donbas” no leste da Ucrânia, disse Stoltenberg.

“Ao mesmo tempo, a Rússia mantém pressão sobre Kiev e outras cidades, então podemos esperar ações ofensivas adicionais, trazendo ainda mais sofrimento”, disse ele.

Stoltenberg alertou o ceticismo sobre as declarações russas sobre seus planos. “A Rússia mentiu repetidamente sobre suas intenções”, disse ele. “Então, só podemos julgar a Rússia por suas ações, não por suas palavras.”

Militares ucranianos inspecionam a área ao norte da capital ucraniana de Kiev em 31 de março Foto: SERGEI SUPINSKY / AFP

Enquanto isso, as forças russas bombardearam os subúrbios de Kiev que a Ucrânia retomou recentemente o controle, disse uma autoridade regional.

O Ministério da Defesa do Reino Unido também relatou “ataques de mísseis e bombardeios russos significativos” em torno de Chernihiv. O governador da área, Viacheslav Chaus, disse que as tropas russas estão em movimento, mas podem não se retirar.

O Ministério da Defesa da Rússia também relatou novos ataques a lojas de combustível ucranianas na quarta-feira, e autoridades ucranianas disseram que houve disparos de artilharia dentro e ao redor da cidade de Kharkiv, no nordeste do país, no último dia.

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O principal líder rebelde em Donetsk, Denis Pushilin, emitiu uma ordem para estabelecer um governo municipal rival para Mariupol, segundo agências de notícias estatais russas, em um sinal da intenção russa de manter e administrar a cidade.

Nos subúrbios de Kiev, o governador regional Oleksandr Palviuk disse nas redes sociais que as forças russas bombardearam Irpin e Makariv e que houve batalhas em torno de Hostomel. Pavliuk disse que houve contra-ataques ucranianos e algumas retiradas russas no subúrbio de Brovari, a leste.

O Ministério da Defesa do Reino Unido disse: “As forças russas continuam mantendo posições a leste e oeste de Kiev, apesar da retirada de um número limitado de unidades. Lutas pesadas provavelmente ocorrerão nos subúrbios da cidade nos próximos dias”.

EUA acreditam que Putin foi enganado

Autoridades dos EUA afirmaram que os assessores do presidente Vladimir Putin não o alertaram sobre o mau desempenho de suas forças armadas na Ucrânia e nem sobre o impacto econômico das sanções impostas pelo Ocidente.

“Temos informações de que Putin se sentiu enganado pelos militares russos, o que resultou em tensão persistente entre ele e sua liderança militar”, disse Kate Bedingfield, diretora de comunicações da Casa Branca, nesta quarta-feira, 30.

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“Acreditamos que Putin está sendo mal informado por seus conselheiros sobre o desempenho ruim dos militares russos e sobre como a economia russa está sendo prejudicada por sanções, porque seus conselheiros seniores têm muito medo de lhe dizer a verdade”, continuou.

Um alto diplomata europeu disse que a avaliação dos EUA está de acordo com o pensamento europeu. “Putin achava que as coisas estavam indo melhor do que estavam. Esse é o problema de se cercar de quem diz sim para tudo”, disse o diplomata.

O porta-voz do Kremlin, Dmitri Peskov Foto: Natalia Kolesnikova/AFP

Analistas militares descreveram o anúncio da Rússia de focar na região de Donbas como uma tentativa de reformular os objetivos de guerra para tornar mais fácil para Putin reivindicar uma vitória salvadora.

Enquanto autoridades ocidentais buscam pistas sobre qual pode ser o próximo passo da Rússia, um alto funcionário da inteligência britânica disse que soldados russos desmoralizados na Ucrânia estão se recusando a cumprir ordens e sabotando seus equipamentos.

O porta-voz do Kremlin, Dmitri Peskov, disse que os EUA estão errados e que “nem o Departamento de Estado nem o Pentágono possuem informações reais sobre o que está acontecendo no Kremlin”.

“Eles não entendem o presidente Putin, não entendem o mecanismo de tomada de decisões, não entendem a maneira como trabalhamos”, disse Peskov.

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Em outros desenvolvimentos, Putin autorizou a convocação de 134.500 novos recrutas a partir de 1º de abril. O recrutamento é um evento de rotina, mas ocorre em meio a preocupações de que alguns recrutas possam ser enviados para a Ucrânia.

Putin e o ministro da Defesa, Sergei Shoigu, deram garantias de que os recrutas não participarão da guerra na Ucrânia. No início deste mês, no entanto, os militares russos admitiram que vários recrutas acabaram na Ucrânia e foram capturados lá./AP, NYT e REUTERS