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Seis vezes em que o governo Lula usou a comunicação pública para fazer política

De acordo com especialistas ouvidos pelo ‘Estadão’, as ironias presentes em postagens do governo Lula prejudicam a comunicação pública através de ‘mensagens políticas disfarçadas’; Secom não se manifesta

Foto do author Gabriel de Sousa
Por Gabriel de Sousa

BRASÍLIA – Desde que tomou posse no início do ano passado, o governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) usou seis vezes as plataformas governamentais nas redes sociais, que são de responsabilidade da Secretaria de Comunicação Social da Presidência (Secom), para fazer política e alfinetar opositores. A provocação mais recente foi veiculada nesta segunda-feira, 29, quando o perfil da gestão petista ironizou a operação da Polícia Federal (PF) em endereços ligados ao vereador do Rio Carlos Bolsonaro (Republicanos-RJ), filho do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL). O Estadão procurou a Secom, mas não obteve retorno.

Perfil do Governo Federal debochou de operação da PF contra endereços de Carlos Bolsonaro Foto: Governo do Brasil via X

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Segundo especialistas ouvidos pelo Estadão, as publicações do governo petista não configuram irregularidades administrativas, mas o uso de plataformas oficiais para ironizar opositores é prejudicial e não visam o principal objetivo da comunicação pública, que é a de aproximar o Executivo federal dos eleitores.

Na postagem desta segunda, onde o governo incentiva a visita de agentes comunitários de saúde nas residências, há uma imagem de um homem batendo em uma porta de madeira e, acima da fotografia, consta uma inscrição: “toc, toc, toc...”.

A publicação faz referência a um discurso da ex-deputada federal Joice Hasselmann na tribuna da Câmara dos Deputados em 2022. Durante a sua declaração, Joice simulou como seria o dia em que o então presidente Jair Bolsonaro seria alvo de uma operação da PF. Na legenda da postagem, o perfil da Presidência afirmou: “Quando os agentes comunitários de saúde baterem à sua porta, não tenha medo, apenas receba-os”.

Em entrevista à GloboNews, o ministro da Secom, Paulo Pimenta, afirmou que a publicação conseguiu viralizar e ajudar na conscientização da população e que esses eram os objetivos do Planalto. Segundo Pimenta, a escolha da referência à operação da PF foi porque o assunto estava “bombando” na mídia.

“Qualquer publicitário, qualquer jornalista, quando vai pensar o tema que vai tratar no dia, o título de uma matéria, ele vai no Google e vê qual é o assunto do dia, e busca utilizar essa repercussão do assunto que está na mídia, que está, pelos algoritmos das redes sociais, lá em cima, para vincular uma determinada mensagem ao tema que está bombando”, afirmou.

A especialista em Comunicação Digital Maria Carolina Lopes analisa, porém, que outros temas que viralizam nas redes sociais, como informações sobre reality shows, cantores populares e esportes, não são aproveitados da mesma forma pela Secom. “São exemplos de temas que estão no imaginário popular e que não são amplamente usados pelo perfil do governo do Brasil. Por que o Bolsonaro é?”, questionou.

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Ironia após TSE tornar Bolsonaro inelegível até 2030

No dia 30 de junho do ano passado, quando o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) tornou Bolsonaro inelegível por oito anos, uma postagem do governo divulgou um anúncio de redução de preço da gasolina pela Petrobras. Na imagem da publicação, o Executivo colocou termo “grande dia” e um emoji de joinha. Já na legenda, a Presidência escreveu: “sextou só com notícia boa”.

Bolsonaro costuma utilizar a expressão “grande dia” em suas redes sociais. A primeira vez em que o ex-presidente usou a frase foi em janeiro de 2019, quando o ex-deputado Jean Wyllys (PSOL) anunciou que iria sair do País por conta de ameaças. Posteriormente, o ex-chefe do Executivo disse que a expressão não teve ligação com o ex-parlamentar.

‘Nome na praça’ após críticas de Carlos Alberto de Nóbrega

Poucos dias após a postagem sobre a inelegibilidade de Bolsonaro, a Secom publicou uma postagem onde ironizou críticas a Lula feitas pelo humorista Carlos Alberto de Nóbrega no programa Roda Viva, da TV Cultura.

Na publicação, a comunicação da Presidência colocou o banco que consagrou Carlos Alberto no programa humorístico Praça é Nossa, do SBT, e a imagem de uma mulher idosa, em referência à personagem Velha Surda, que fez sucesso na atração.

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Dois dias antes da postagem, feita em 5 de julho, Carlos Alberto disse que a falta de um diploma de curso superior no currículo do presidente seria o fator responsável pelo Brasil estar “desse jeito”. “Um homem que não tem um curso ginasial, universitário, contábil… ser presidente da República? Por isso que o País está desse jeito”, afirmou.

Questionado pelo Estadão, Pimenta disse que a publicação não foi uma indireta para o humorista. “Quando você vincula uma informação a um assunto que está na ordem do dia, isso alavanca o alcance. Isso é mercadológico, é a lógica das redes”, disse o ministro ao Estadão.

Governo usou modelo de PowerPoint para alfinetar Deltan Dallagnol

No dia 17 de maio, outra postagem feita pela Secom buscou ironizar um opositor ao governo Lula. O alvo da vez foi o ex-deputado e ex-procurador da Lava Jato, Deltan Dallagnol (Novo-PR) que, em 2016, durante a operação que condenou e prendeu Lula, usou uma apresentação de PowerPoint para explicar as provas que possuía contra o petista.

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Um dia após Deltan ter o seu mandato de deputado federal cassado pelo TSE, o governo usou o mesmo modelo de PowerPoint adotado pelo ex-procurador para apresentar as suas principais realizações em 137 dias de governo.

Zé Gotinha em avião presidencial após Bolsonaro ser investigado por fraudes em cartões de vacinação

Também em maio do ano passado, a Secom aproveitou o dia em que Bolsonaro foi alvo de uma operação da PF que o investiga por falsificar os seus cartões de vacinação e o de sua filha mais nova, Laura, para falar sobre a importância de cumprir os protocolos sanitários antes de realizar viagens ao exterior.

Na imagem da publicação, o Zé Gotinha, mascote do Sistema Único de Saúde (SUS), aparece em cima de um avião similar aos utilizados pela Presidência da República em viagens oficiais. Na legenda, outra ironia ao caso onde Bolsonaro é alvo: “Vai viajar para o exterior? Regularize as suas vacinas”.

De acordo com a PF à época, a falsificação dos cartões de vacina de Bolsonaro e Laura permitiu que eles pudessem entrar nos Estados Unidos burlando as restrições sanitárias impostas pelo Brasil e pelo país estrangeiro durante a pandemia de covid-19.

Provocação sobre caso das vendas ilegais de joias recebidas pelo governo Bolsonaro

Em março do ano passado, quando o caso das vendas ilegais de joias recebidas pela Presidência da República foi revelado pelo Estadão, a Secom também transformou o assunto em tema de publicações no perfil do governo. O ex-presidente tentou trazer ilegalmente para o Brasil um conjunto de peças preciosas que recebeu de presente do governo da Arábia Saudita, sem declará-lo como patrimônio da União. Posteriormente, foi revelado que aliados do ex-chefe do Executivo também tentaram vender os itens no exterior.

Dias depois das reportagens do Estadão revelarem a irregularidade, o perfil oficial da Secom colocou um leão, que é o mascote da Receita Federal, dizendo a frase “tudo joia?”. A publicação buscava relembrar os brasileiros de declarar o Imposto de Renda (IR) de 2023.

Uso político das redes do governo prejudica comunicação pública, avaliam especialistas

De acordo com Maria Carolina Lopes, o uso político dos perfis do governo prejudica as mensagens que devem ser levadas para a população através das redes sociais. A especialista explica que as informações revestidas de ironias atrapalham a capacidade de unir os representantes políticos com os eleitores.

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“Quando não há dissociação disso na comunicação, as ferramentas de informação, justificação e controle público ficam deterioradas. Isso atrapalha no processo de representação, na ligação entre representantes e representados. O limite é se perguntar: “essa minha ideia legal cabe neste tipo de perfil, que é público? Não? Vamos levá-lo então pra outra estratégia”. Não se trata aqui de o governo trabalhar pro partido, longe disso”, afirmou.

O professor de Marketing Político da Escola Superior de Propaganda e Marketing (ESPM) Marcelo Vitorino explica que as postagens feitas pela Secom não se configuram em problemas legais, tendo em vista que não nomeiam os opositores. O especialista, porém, afirma que não é “legítimo” que informações estejam sendo veiculadas através de “mensagens políticas disfarçadas”.

“Se faz necessário para informar você provocar? O governo não tem formas de informar sem causar uma polêmica? A polêmica é necessária? Acho que se o gestor, se ele quiser, ele pode ser irônico na rede pessoal dele, é problema dele. Mas, os órgãos de comunicação institucional não devem ser utilizados para fazer provocações a grupos políticos adversários”, explica o professor da ESPM.