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‘O Brasil tem tudo para se transformar num narcoestado’, diz Wálter Maierovitch

Jurista e ex-desembargador do TJ-SP, Wálter Fanganiello Maierovitch afirma que insumos para produção de cocaína na Bolívia partem do Brasil e a fiscalização não existe; professor ainda diz que máfias grudam e sugam o Estado, o que o PCC demonstra estar fazendo em São Paulo

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Por Heitor Mazzoco
Atualização:
Foto: Werther Santana/Estadão
Entrevista comWálter Fanganiello Maierovitch Jurista, professor e ex-magistrado

A ampliação dos tentáculos do grupo criminoso Primeiro Comando da Capital (PCC) ao tentar se infiltrar no Poder Público, principalmente o paulista, prova que máfias são parasitárias e que grudam, sugam e corrompem o Estado e seus agentes. A avaliação é do jurista, professor, escritor e ex-desembargador do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP) Wálter Fanganiello Maierovitch. “Quando elas grudam no Estado, as máfias, elas vão influenciar licitações, toda atividade administrativa do Estado”, disse em entrevista ao Estadão.

Estudioso sobre as organizações italianas Cosa Nostra, Camorra e n’Drangheta, Maierovitch avalia que o PCC já pode ser classificado como máfia pela atuação ligada a outros grupos internacionais. “O crime transnacional atua em rede. O PCC está plugado em uma rede transnacional. Ele tem controle de território, controle social, difunde o medo e está ligado a uma rede transnacional. E quem tem controle social, controle de território, difunde o medo, pode ter controle eleitoral. Daí a ligação política e máfia, máfia e política”, disse.

Quando grudam no Estado, as máfias vão influenciar licitações e toda atividade administrativa do Estado”

Wálter Fanganiello Maierovitch

Vencedor do prêmio Jabuti na categoria ciências sociais com o livro Máfia, Poder e Antimáfia (Editora Unesp), em 2022, Maierovitch aponta, por exemplo, que o governo brasileiro deve fiscalizar e controlar os insumos enviados para, por exemplo, a Bolívia, que não tem indústria química e se torna dependente brasileira para produção de cocaína.

“A Bolívia tem indústria química? Não tem. O Peru não tem, a Colômbia não tem. Para fazer o cloridrato de cocaína, ou a pasta base, precisa de insumos. A pergunta que não quer calar: de onde vêm os insumos? Qual é a maior indústria química da América Latina? Do Brasil”, afirmou.

Abaixo, a entrevista sobre políticas públicas, crime organizado, máfia e Estado:

No combate às organizações criminosas como o PCC, a legislação de lavagem de dinheiro, o follow money, está ultrapassada?

Sim. Tenho um livro Máfia, Poder e Antimáfia (Editora Unesp, prêmio Jabuti 2022 na categoria ciências sociais), onde faço todos esses exames. Com relação a isso, no momento atual, o que se faz, o que dá certo no combate ao crime? Bom, vamos pegar como exemplo o PCC. Em 1993, era um bando, formou-se um bando numa cadeia. O PCC virou pré-máfia, porque se a gente pegar a Convenção de Palermo, que é a primeira e única convenção sobre crime organizado transnacional, a base dela foi o 416-bis do Código Penal Italiano. Ou seja, organizações criminosas de matriz. O que caracteriza? Organizações que não são quadrilhas e bandos, porque têm controle de território, o que significa também controle de território em cadeia, em bairros, em cidades ou em países. Você tem os narcoestados. Controle de território, controle social e difusão do medo, que gera a omertà, a lei do silêncio e gera até uma secessão territorial. Bom, isso são organizações mafiosas.

O PCC era pré-máfia, porque ele se expandiu para outras unidades federativas e atuava além de fronteiras vizinhas. Bolívia, Paraguai e tinha uma conexão com os cartéis colombianos. O crime transnacional atua em rede. O PCC está plugado em uma rede transnacional. Ele tem controle de território, controle social, difunde o medo e está ligado a uma rede transnacional. E quem tem controle social, controle de território, difunde o medo, pode ter controle eleitoral. Daí a ligação política e máfia, máfia e política. Então, esse é o quadro. E se a gente lembrar, como é que o PCC de 1993 passa de bando à máfia? Olha o pulo. Passando por períodos, por exemplo, no governo (Geraldo) Alckmin, onde, em maio de 2006, São Paulo ficou pior. O governo Alckmin, pela boca do secretário de Assuntos Penitenciários, e pelo próprio governador, disse que o PCC não existia. E para combater esse tipo de criminalidade? Cada vez fica mais difícil. Como é que você vai desplugar de uma rede transnacional? Já é difícil. Como é que você faz para evitar que essas organizações enfrentem o Estado? No México, os cartéis enfrentam o Estado. O PCC ainda não chegou ao ponto de cartéis mexicanos.

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O PCC está plugado em uma rede transnacional. Ele tem controle de território, controle social, difunde o medo e está ligado a uma rede transnacional. E quem tem controle social, controle de território, difunde o medo, pode ter controle eleitoral. Daí a ligação política e máfia, máfia e política.

Wálter Fanganiello Maierovitch

O senhor pensa que é provável ser próximo dos cartéis mexicanos?

É a evolução disso. Veja que a máfia siciliana, cada uma tem uma característica, a n’drangheta é diferente, mas a máfia siciliana se infiltra no poder. O Giulio Andreotti foi acusado de associação à máfia, foi sete vezes primeiro-ministro da Itália e morreu com odor de máfia e uma condenação que depois foi reformada. Mas o que mostrava o quadro? Que a Democracia Cristã do Giulio Andreotti tinha 80% dos votos da Sicília, terra da máfia. Daí esse ponto da influência. Mas o que se pega hoje é combater a economia do crime organizado.

O pecunia on olet, do direito romano, o dinheiro tem cheiro e pode ser perseguido, mas qual é o problema atual que existe de se combater? É que hoje o crime organizado, pelas suas atividades, influencia o PIB de várias nações. Você tem narcoestados que têm o PIB dependente de drogas, armas e etc. Você tem a Bolívia, que não tem indústria química e te fornece cloridrato de cocaína. E o PIB da cocaína interfere no PIB boliviano, embora eles fiquem quietos. A mesma coisa acontece no Peru e na Colômbia, embora eles digam que não. O que o Brasil apura? Qual é o crime organizado, o PCC e outros? Qual é a influência que tem no PIB? Nós também silenciamos. Qual era a visão anterior? Olha, se falava em drogas, se falava em dependência química, pessoal. Hoje, se você fala em crime organizado, você fala em dependência também. Mas é o país que está com a dependência, não é mais a pessoa. A pessoa também, mas o país ficou dependente.

O dinheiro da droga, da arma, ou da contrafação, é reciclado em atividades formalmente lícitas. E aí o Brasil descobre o que todos escrevem. Olha, as máfias são parasitárias. Elas grudam no Estado. Elas sugam o Estado. Elas corrompem o Estado e seus agentes. Quando elas grudam no Estado, elas vão influenciar licitações, toda atividade administrativa do Estado. Agora, o Brasil descobriu, por São Paulo, ainda bem, diga-se, e às vezes por atuação heróica de promotores, porque o Lincoln (Gakiya) é um herói, porque fica sozinho, tem tantos anos de dedicação, mas é uma atuação heróica. Está fora de todo um grande apoio, porque agora descobriram que o PCC é parasitário. Toda organização mafiosa é parasitária.

Hoje, se você fala em crime organizado, você fala em dependência também. Mas é o país que está com a dependência, não é mais a pessoa. A pessoa também, mas o país ficou dependente.

Wálter Fanganiello Maierovitch

Então, voltamos ao PIB e voltamos ao problema da concorrência desleal. E que a Fiesp fecha os olhos. Eu já fui dar conferência lá, já falei. Uma organização criminosa quebra qualquer estabelecimento, um comércio regular ou uma indústria regular, porque ela não paga imposto. Ela quebra, porque o preço dela é sempre mais baixo. Hoje, em tudo quanto é canto, por exemplo, você vai comer uma pizza numa pizzaria e fala com o dono, como é que é está o negócio? Ah, tem umas outras pizzarias aí que o PCC está tomando conta. Virou…

PCC S.A.?

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É, é S.A. Então, o crime organizado estabelece concorrência desleal. Você tem Estados com o PIB dominante ou influenciando, você tem narcoestados e você tem Estados cúmplices.

O Brasil é um narcoestado?

Não é um narcoestado, mas, na classificação que se faz em doutrina, é um Estado cúmplice. Por que é um Estado cúmplice? O Brasil não tem a folha de coca, por exemplo. A coca é andina. Peru, que já é um produtor, Colômbia e Bolívia (têm). A coca peruana é a tingo maria, que dá maior refino. O Pablo Escobar plantou tingo maria na Colômbia porque tem propriedades alcalinas melhores para se refinar. Bom, o que se faz com a folha? Vai mascar, os índios milenarmente mascam até para suportar as altitudes dos Andes. Mas isso não dá comércio. Como é que você vai transportar a folha? A folha perde o frescor, murcha, seca. Aí vem o cloridrato de cocaína, que você precisa de insumo químico. A Bolívia, que é grande produtora, tem indústria química? Não tem. O Peru não tem, a Colômbia não tem.

Para fazer o cloridrato de cocaína, ou a pasta base, precisa de insumos. A pergunta que não quer calar: De onde vêm os insumos? Qual é a maior indústria química da América Latina? Do Brasil. Tem fiscalização? Não, zero! O Brasil se preocupa com isso? Não! Teve um candidato à Presidência da República, que é o (José) Serra, falou que a primeira medida dele seria dar uma dura na Bolívia, porque entrava muita cocaína. O Brasil fornece insumos, você para de dar insumos, você não tem cloridrato de cocaína. Então, o Brasil é Estado cúmplice, porque não cuida dos seus insumos, e de Estado cúmplice se tornou também grande consumidor.

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Wálter Maierovitch vê o Brasil no caminho de passar de um estado cúmplice para um narcoestado Foto: Werther Santana/Estadão

Você não tem a prevenção necessária, você tem uma prevenção burra, onde você pega polícias militares para fazer prevenção de uso de drogas. Polícia faz prevenção, prevenção policial, que significa identificar lavagem de dinheiro, movimentações de capitais, não você chegar a um menino, como é o programa que a Polícia Militar teve em São Paulo, em que eles dão aula nas escolas, onde falam: “Olha, menino, você não pode usar boné, porque quem usa boné é bandido, para cobrir a cara. Você não pode usar tatuagem, porque quem usa tatuagem é preso”. Tudo errado.

Hoje é mais fácil dar um passo para o Brasil se tornar narcoestado ou um Estado que combata a máfia?

Eu acho que o Brasil tem tudo para se transformar num narcoestado, porque tecnologia no Brasil existe, o crime organizado está sempre na frente, o Brasil tem atividades para reciclagem, e num narcoestado funciona a reciclagem em atividades formalmente lícitas. Inclusive, o agronegócio tem que tomar muita cautela para evitar infiltrações de lavagem de dinheiro e reciclagem de capitais.

Quando São Paulo sofreu, em 2006, ataques do PCC, o governo paulista, de fato, acreditava que o PCC não existia ou era uma maquiagem para a população?

Eu tenho certeza que era uma maquiagem, tanto é que o governo do Estado, o Alckmin, saiu candidato à Presidência da República e a bomba caiu no colo do Cláudio Lembo, que era o vice. E outra coisa, os jornais deram, o avião do governo de São Paulo foi fazer uma reunião com os líderes do PCC na região de Presidente Prudente. E a gente não pode perder de vista, nessa ideia que o PCC não existe, o juiz (José) Machado (Dias), que cuidava da corregedoria dos presídios onde estava o pessoal do PCC, foi metralhado e morto.

E no Rio de Janeiro, a juíza (Patrícia) Acioli foi morta por uma PM miliciana, que aí também já tem problema de milícia, que é crime organizado com o mesmo potencial de controle de território, controle social, cobrança do que na Itália chama de pizzo, que é a extorsão. E você tem toda uma situação na periferia de São Paulo, e no Rio de Janeiro também tem. Quem é que sai à noite? Ninguém mais. Significa o silêncio de testemunhas, aquilo que o grande escritor siciliano e que era jornalista e especializado em máfia, o Leonardo Sciascia, define de uma maneira preciosa, ‘solidariedade pelo medo’.

A última operação do Ministério Público que aponta influência do PCC em prefeituras e câmaras, por meio de licitações, o senhor acredita que o Estado, agora, pelo menos tentará combater o crime organizado?

Bom, esse é um caminho, porque, como se sabe, ela é parasitária. Você viu as acusações de rachadinha do (Flávio) Bolsonaro, que é senador agora. De repente se descobriu que tem rachadinha para tudo que é canto. Então, mostra, às vezes, que a própria ética do parlamentar é ambígua. Ele faz um discurso contra o crime organizado, mas ele tem uma ética ambígua, ele faz a rachadinha. Então, eu acho que, para a gente conseguir chegar a um bom estágio, não vou falar que acabou, está melhor, que isso é um rótulo, mas eu acho que a gente precisa ficar sempre muito mais atento, a sociedade civil precisa estar muito mais atenta. E, para ela estar mais atenta, ela precisa de uma certa tranquilidade, ela não pode ter medo.

A questão da ‘saidinha’ de presos vai acabar no STF?

Apesar de o Congresso estar atritando com o Supremo Tribunal Federal e estar (tomando) algumas medidas que dizem ser ‘em represália ao Supremo’, eles não estão entendendo que, quando a questão se torna constitucional, a última palavra é do Supremo. Em Estados democráticos é assim. Então, nós vamos ter duas “represálias”. Uma com relação às chamadas saidinhas, que tem vários pontos. O ponto constitucional é que, no Brasil, por força constitucional, nós não temos pena de morte e nem pena de prisão perpétua. O Brasil adota um sistema prisional que tem uma ética constitucional. Se não tem pena de morte, não tem pena de prisão perpétua, acreditamos na recuperação. Então esse é o ponto da ética constitucional. E o Brasil adotou, os constitucionalistas da época, o sistema da metanoia, que surge na doutrina cristã, onde se entendia, à época, que ofensa a Deus, pecado, o dicionário fala em pecado, que pecado e crime eram a mesma coisa, ambas ofensas a Deus.

Então, como se tratavam as pessoas na Igreja? Veja a influência. As pessoas iam para um local chamado penitenciário, local de cumprimento de pena. E nós temos as penitenciárias. Então, o termo é canônico. Onde eles ficavam? Celas monásticas. Terminologia nossa, cela, em prisão. Em que, pelo isolamento e pela introspecção, se conseguia a recuperação. Então se falava no cambiamento del cuore e dell’anima (mudança do coração e alma). Então, se conseguia por meio de algo que no linguajar religioso se chama compulsão. Que é a volta para si próprio, você reconhece os erros e toma uma nova postura. Então, voltando a nossa Constituição, quando a pena tem uma finalidade ética de emenda, se está falando de uma volta ao século 17, a doutrina da metanoia. Então, o laico se aproveita do religioso.

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No mundo laico, o que existe? É um sistema que acredita, e o nosso é assim, tem vários outros na Europa que são assim também, que se acredita na recuperação, na emenda. Ora, se o sistema é de emenda, e nós temos um sistema progressivo, com base no mérito, no merecimento, onde a pessoa passa de um regime fechado para o semiaberto e para o aberto, ou a pessoa já entra no semiaberto ou recebe o aberto, mas sempre um sistema em que se acredita na recuperação. Constitucionalmente, a decisão com relação às saidinhas tem que ser vista nesse âmbito maior. Tudo o que vai em sentido contrário à emenda, à recuperação é evidentemente inconstitucional.

E o que está acontecendo no Brasil hoje? No semiaberto não tem vaga. A lei de execução penal falava em estabelecimentos semiabertos, agrícolas ou industriais. Qual era a tradição brasileira? Era agrícola. Passou muito tempo e prevaleceram os grandes centros urbanos. Os institutos penais agrícolas, o sujeito ia pra lá, ao tempo, vamos imaginar, do plantio, e o instituto não tinha dinheiro para o plantio, para os instrumentos agrícolas, para ensinar. O que começou a acontecer no semiaberto? O sujeito, por decisões, por orientação da jurisprudência, ele sai todo dia pra trabalhar e volta à noite. Qual é a diferença de uma saidinha em ocasiões especiais do dia que o sujeito sai normalmente para trabalhar e volta à noite? Então, tem uma hipocrisia nisso tudo. Isso aí virou tema de campanha política.

O senhor acredita que pegaram um tema sério de execução penal e criaram populismo sobre o assunto?

Populismo e de quinta categoria. Qual é a situação atual? O sujeito sai para trabalhar fora e volta. Ora, se ele sai pra trabalhar fora sem vigilância, ou com uma tornozeleira, que é só para evitar fuga, veja, ele tem contato com a sociedade. Então, de todo jeito, o problema da saidinha pode acabar no Supremo, porque é constitucional para nós, é até da ética constitucional, a emenda, a recuperação. E se você está cortando isso para quem está já num sistema semiaberto, evidentemente que você está contrariando a Constituição.

O problema da saidinha pode acabar no Supremo, porque é constitucional para nós, é até da ética constitucional, a emenda, a recuperação. E se você está cortando isso para quem está já num sistema semiaberto, evidentemente que você está contrariando a Constituição.

Wálter Fanganiello Maierovitch

Como o senhor avalia a PEC das Drogas, que foi aprovada no Senado e segue para a Câmara?

O Brasil sempre teve problemas em legislar com relação ao fenômeno das drogas. Para você ter ideia, no governo do Fernando Henrique Cardoso, criticou-se muito ele, falou-se muito, mas o objetivo já ali era não criminalizar o porte e uso de drogas. Uso próprio, uso lúdico, recreativo. Era tudo o que se esperava e ele foi criticado por tudo isso. Aí vem até aquela história de que ele não tragou (questão que se tornou piada no Brasil diante de uma frase do ex-presidente dos EUA Bill Clinton que, de fato, disse que fumou mas não tragou. No caso de FHC, em 1984, em entrevista para a revista Playboy, FHC disse que fumou, mas não gostou). O que se esperava dele? Que se adotasse uma linha moderna em que o usuário não é criminoso. O problema é de saúde pública e você não pode, num problema de saúde pública, carimbar o sujeito como criminoso com as consequências, inclusive de reincidência, de maus antecedentes. Então, o objetivo era esse.

E o que aconteceu em 1998 durante a movimentação do candidato de oposição, do Lula? Teve uma Assembleia Geral das Nações Unidas sobre o fenômeno das drogas e, em paralelo, grupos progressistas que queriam a liberação das drogas. E foi feito um documento, assinado por vários ex-presidentes, professores, assinado pelo Lula e o (Pedro) Casaldáliga, que era bispo. Os dois assinaram para a liberação das drogas. O Lula vira presidente. Ele liberou as drogas? Não. Ele simplesmente despenalizou o porte de drogas para uso próprio, tirando a cadeia, e deixando outras sanções. Então, não se vai mais para a cadeia, mas se continua criminoso. Por isso que eu estou dizendo que essa questão das drogas foi sempre muito maltratada. E o que se viu nesses dois governos, Fernando Henrique e Lula, a doutrina norte-americana da ‘war on drugs’, da guerra às drogas, tinha falido. Porque se fazia repressão correta com relação ao traficante e incorreta com relação ao usuário. Totalmente incorreta, como se ele fosse um criminoso.

O problema (do uso de drogas) é de saúde pública e você não pode, num problema de saúde pública, carimbar o sujeito como criminoso com as consequências, inclusive de reincidência, de maus antecedentes. Então, o objetivo era esse.

Wálter Fanganiello Maierovitch

E se criminalizava tudo de uma maneira muito forte, porque o objetivo era acabar com o uso das drogas. Como se os americanos não tivessem aprendido nada com relação ao proibicionismo do álcool. Onde só aproveitou o crime organizado e alguns privilegiados como, por exemplo, a família Kennedy, que teve uma autorização para comercializar o gin, porque eles achavam que o gin tinha propriedades terapêuticas. Eles ganharam uma fortuna em cima disso, como outros. E prosperou o crime organizado, a máfia siciliana-americana, a Cosa Nostra americana. Então, no momento atual, e no Brasil, o que se vê? De novo ares progressistas a mostrar que não se pode mais criminalizar aquele que faz uso pessoal da droga lúdico-recreativa. Ele não é um criminoso. Pode ser um problema de saúde pública. E se for um problema de saúde pública, isso é administrativo. Mas precisa-se separar o criminal do que pode ser uma infração administrativa.

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