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Com Plano Diretor, por quantos anos SP pode ter novas obras de prédios altos? Estudo faz a conta

Pesquisadores dizem que nova lei permite expansão bem acima da demanda, o que pode manter concentração de construções em bairros mais valorizados e longe da periferia

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Por Priscila Mengue
Atualização:

O volume de obras de prédios – que tanto chama a atenção em alguns bairros de São Paulo – pode permanecer por bem mais tempo do que alguns vizinhos desses locais imaginam. Um estudo inédito fez uma projeção com base em todos os terrenos que podem ser destinados a construções altas na cidade, diante das alterações recém-promulgadas pelo prefeito Ricardo Nunes (MDB) no Plano Diretor.

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A conclusão é de que a mudança na lei permite que a cidade mantenha o ritmo atual de construção de edifícios por cerca de 60 anos. Os efeitos da ampliação estão entre os pontos mais controversos da mudança na lei – que delimita regras e incentivos construtivos e orienta os tipos de urbanização desejados para a capital.

Grande parte da transformação urbana visível em São Paulo está ligada ao Plano Diretor de 2014, que trouxe normas e estímulos que levaram à concentração de novos prédios perto de estações de metrô e corredores de ônibus, por exemplo. Portanto, a revisão recente da lei, feita no 1º semestre, também influencia na tendência expansão imobiliária.

Parte da aplicação das novas normas depende da revisão da Lei de Zoneamento, que está em fase de consulta pública. A previsão é de que as alterações propostas pela Prefeitura sejam reunidas em um projeto de lei, a ser enviado para discussão na Câmara Municipal até o fim de agosto.

No Legislativo, estão previstas audiências públicas e novas mudanças no texto ao longo das semanas seguintes. A relatoria será o vereador Rodrigo Goulart (PSD), a mesmo da revisão do Plano Diretor.

Na prática, a equipe de 11 pesquisadores responsável pelo estudo avalia que a expansão cria “inchaço” na oferta de terrenos “transformáveis”, em volume bem acima da demanda. Assim, os empreendimentos imobiliários se manteriam concentrados em bairros mais valorizados e com apartamentos voltados, principalmente, às classes média e alta.

Com essa concentração, a construção de prédios deve seguir menor em bairros mais afastados do centro, mesmo quando perto de metrô, trem ou corredor de ônibus. Os pesquisadores avaliam que isso pode dificultar que mais pessoas morem perto do transporte coletivo. Pelo preço mais alto dos imóveis nas regiões valorizadas, há uma tendência de atração de público com mais poder aquisitivo, que pode comprar automóvel.

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Como mostrou o Estadão, outro levantamento já identificou que os locais com mais unidades lançadas nos últimos anos foram o entorno das Estações Brooklin (zona sul), Butantã e Sumaré (ambos na zona oeste), por exemplo.

Na prática, a valorização dos imóveis perto do transporte atrai não apenas potenciais moradores, mas um leque variado de interessados, como quem planeja investir e colocar o imóvel para locação de curta (hospedagem, em plataformas como o Airbnb) ou longa duração. A cidade teve um boom desse tipo de unidades.

Além disso, os pesquisadores dizem que a maior oferta de terrenos dificulta o fortalecimento de novas centralidades. Um dos objetivos originais do Plano Diretor de 2014 era estimular mais locais que combinem serviços, comércios, emprego e moradia, a fim de diminuir a necessidade de grandes deslocamentos diários (a lei incentiva que os novos prédios tenham uso misto, que tenham unidades residenciais e comércio no mesmo edifício).

O estudo é do ZeroCem, novo instituto de pesquisa especializado em dinâmicas socioespaciais, liderado por pesquisadores de áreas como Urbanismo e Direito. Foram utilizados dados municipais e do mercado imobiliário para a projeção, com a constatação de que a cidade tem uma média de 1,2 milhão de m² construídos anualmente em edifícios verticais. Também foi calculado que a mudança no Plano Diretor permite elevar de 5% para 11% do território urbano voltado a prédios altos.

Verticalização é crescente no distrito Pinheiros, na zona oeste Foto: Werther Santana/Estadão - 03/08/2023

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Para os pesquisadores, a projeção mostra que a oferta de terrenos que já existia antes da mudança de regras não era reduzida. Mas incluía áreas em bairros menos valorizados e visados pelo mercado. Essa é uma avaliação dos responsáveis pelo estudo, mas não é unânime entre especialistas em urbanismo.

Além disso, nos últimos anos, o setor das construtoras e incorporadoras defende a ampliação e diz que as regras atuais têm encarecido os terrenos. Também afirma que os lançamentos dependem do potencial de atrair novos compradores e que bairros mais valorizados e centrais tendem a ter maior busca para investimento, moradia e locação de curta (hospedagem) e alta duração.

Plano Diretor de 2014 já previa expansão de novos eixos de verticalização

O estudo mapeou a metragem de todos os terrenos transformáveis em áreas com estímulos para construir prédios altos, como o entorno de estações de metrô, os “eixos”, e áreas de operações urbanas. Do total, foram excluídos locais já verticalizados, tombados (preservados pelo patrimônio histórico ou cultural) e em zoneamentos que vetam esse tipo de obras, dentre outros espaços sem potencial de mudança.

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Um ponto destacado no estudo é que o Plano Diretor já previa expansão significativa das áreas transformáveis desde 2014. Essa ampliação depende da construção de novos corredores de ônibus e estações de metrô e trem, além da aprovação de projetos específicos para o entorno dos principais rios, como Tietê, Tamanduateí e Pinheiros.

Segundo o levantamento, a lei original já proporcionava uma ampliação de áreas verticalizáveis suficiente para cerca de 32 anos de produção imobiliária. Isto é, deixaria um “estoque” disponível de 39,4 milhões de m² em 2029 (saldo que desconta a média consumida pelo mercado por ano).

A expansão permitida com a nova lei pode ampliar esse montante para 58,6 milhões de m², número que chegaria a 73,4 milhões de m² em 2029, com o avanço da rede de transporte público e outras áreas que podem ganhar edifícios. A estimativa final depende, contudo, da revisão do zoneamento.

Mas a ativação desses novos eixos que podem ganhar prédios altos tem sido em ritmo abaixo do esperado, dizem os pesquisadores. No caso de corredores de ônibus, foram oito novos de 2014 a 2020. Segundo a Prefeitura, em nota ao Estadão, um corredor está em obras e a implementação de mais dois deve ser iniciada ainda este ano, enquanto cinco estão em fase de projeto.

A revisão do Plano Diretor mantém a previsão de expansão em conjunto com o avanço do transporte e de planos específicos. Mas também permite que a revisão da Lei de Zoneamento amplie os eixos de verticalização para quadras “alcançadas” por um raio de 700 metros de estações de metrô e trem e de 400 metros para corredores de ônibus.

Um dos autores do estudo e diretor executivo do ZeroCem, o advogado Alexandre Fontenelle-Weber destaca que a ampliação permitida pela nova lei foi proposta pela Câmara sem estudos técnicos e justificativas. Não há, por exemplo, projeções sobre impactos financeiros (por causa dos incentivos fiscais), na vizinhança e no ambiente. “Estão criando uma nova figura para o futuro cujo impacto se desconhece”, diz. Para ele, essa ampliação “não esteve atenta a possíveis problemas que pode gerar”.

Segundo ele, a nova lei do Plano Diretor não só pode manter a concentração de novos apartamentos em bairros mais valorizados, mas também facilita a construção de apartamentos maiores e até incentiva que tenham mais de uma vaga de garagem. “Outras mudanças em paralelo abrem margem para imóveis de mais alto padrão, mais cobiçados”, diz Fontenelle-Weber.

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O Estadão explicou aqui como a nova lei pode mudar o perfil dos prédios na cidade.

Também coautor do estudo, o diretor do ZeroCem e urbanista Fernando Mello Franco aponta que a expansão prevista pela lei de 2014 já permitiria produção de cerca de 2,3 milhões de apartamentos, volume que é mais de quatro vezes a demanda paulistana. O déficit habitacional na cidade é estimado entre quase 400 mil e pouco mais de 500 mil.

“A maior probabilidade é o mercado se concentrar em áreas mais privilegiadas, em detrimento de outras áreas em que seria importante, para oferecer maior equilíbrio na cidade”, diz Mello Franco, que acompanhou o desenvolvimento da lei quando foi secretário de Desenvolvimento Urbano na gestão Fernando Haddad (PT).

Cenário econômico influencia tendências do mercado, diz consultor

A hipótese de que a maior oferta de terrenos pode aumentar a concentração da produção nos bairros mais valorizados não é unânime. O consultor em mercado imobiliário Daniel Diniz Sznelwar destaca, por exemplo, que uma série de aspectos interferem no perfil dos lançamentos, como a taxa de juros, os programas de financiamento federais e o poder de compra da população.

“Sempre depende. A verdade dos últimos anos não necessariamente vai acontecer nos próximos”, diz. “A demanda para a baixa renda depende de fatores econômicos. Cada ponto que sobe na taxa de juros exclui uma população enorme da possibilidade de comprar um apartamento”, afirma.

Ele explica que, por vezes, é mais difícil “fechar a conta” de um empreendimento em uma área menos valorizada, ao considerar o custo de terreno e da obra, taxas e o potencial de compradores. Além disso, fala que bairros mais verticais estão entre os mais procurados, como Pinheiros (oeste), Vila Mariana e Itaim Bibi (na zona sul).

Em nota, a Prefeitura destacou que a nova lei do Plano Diretor “estabeleceu a possibilidade de expansão das áreas de influência dos Eixos de Transportes Público”, mas que essa diretriz ainda precisa ser analisada também durante a revisão da Lei de Zoneamento. Também salienta que a minuta apresentada pela gestão Nunes propõe fixar critérios, incluindo uma limitação da expansão. “Tais critérios estão agora em discussão com a população”, diz.

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