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Moradores das regiões de Pinheiros e Itaim Bibi protestam contra asfalto em ruas de paralelepípedo

Preocupação com a memória urbana e o risco de enchentes motivam mobilizações; poder municipal cita redução dos custos de manutenção e defende uniformização das vias

Foto do author Gonçalo Junior
Por Gonçalo Junior
Atualização:

Moradores de bairros de alto padrão de São Paulo têm protestado contra a Prefeitura para evitar que ruas de paralelepípedo sejam asfaltadas. A intenção é manter as características originais das vias, preservando a memória urbana.

Outro argumento, segundo esses grupos, é prevenir alagamentos que podem ser causados pela impermeabilização do solo. Nos bairros de Pinheiros e Vila Cordeiro, no distrito do Itaim Bibi, moradores conseguiram barrar os planos do poder municipal de fazer esse asfaltamento.

Rua Brito Peixoto é uma das vias em que houve contestações sobre o asfaltamento Foto: Werther Santana/Estadão

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A Prefeitura argumenta que o asfalto não prejudica o escoamento das águas das chuvas pelas sarjetas e ainda reduz a quantidade de manutenções. Conforme a Secretaria Municipal das Subprefeituras, o asfaltamento é necessário para o “aumento da segurança viária e melhoria da mobilidade urbana, bem como para a uniformização das vias”.

O órgão argumenta que as intervenções de empresas como Sabesp e Comgás tornaram as ruas um misto do asfalto feito no conserto com trechos em paralelepípedo. O total de investimento para o capeamento, segundo a gestão Ricardo Nunes (MDB), é de aproximadamente R$ 205 milhões, investidos entre 2023 e 2024.

A divergência se repete em várias regiões. Na Vila Cordeiro, na zona sul, moradores receberam comunicados no início do mês informando que a Rua Brito Peixoto seria asfaltada. A associação de moradores se mobilizou.

A advogada Agda Mendes Gonçalves afirma que a via ajuda a compor o ar de um bairro residencial. Além disso, moradores da parte baixa da rua temem alagamentos.

“É um bairro com características próprias. Antigamente, as ruas eram todas de paralelepípedo. É a história da região”, argumenta moradora da região há 20 anos.

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Depois da reclamação de moradores, a Prefeitura desistiu de asfaltar a Rua Silvio Sacramento, em Pinheiros Foto: ALEX SILVA/ESTADÃO

Situação semelhante ocorreu na Rua Silvio Sacramento, em Pinheiros, zona oeste. A psicóloga Celi Cavallari e outros vizinhos também receberam avisos sobre o asfaltamento. Entre os dias 8 e 12, colocaram cartazes nos veículos com os dizeres “Moradores contra a pavimentação”, num protesto silencioso contra a ação da Prefeitura.

A mobilização deu certo nos dois casos, com o recuo do poder municipal. “A Secretaria Municipal das Subprefeituras informa que as ruas Brito Peixoto e Silvio Sacramento estavam na previsão de execução da pavimentação asfáltica, mas, a pedido de moradores, o serviço não será executado”, informou o poder municipal.

“O serviço, que é realizado mediante pedido dos munícipes, já foi executado em 417 vias desde 2023. A previsão é serem executadas mais 265 vias até dezembro de 2024″, informou a Prefeitura.

Luta pelo paralelepípedo inspirou até bloco de carnaval

Em outro ponto de Pinheiros, moradores fizeram abaixo-assinado para impedir que Rua Sebastião Velho perca sua “cara” original. Os avisos do poder municipal alertam sobre o asfaltamento entre os dias 24 e 30 de abril, pedindo que os carros sejam retirados das ruas entre 22h e 5h da manhã.

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Nesta quarta-feira, após abaixo-assinado e negociações dos moradores diretamente com funcionários da empresa que realizaria a obra, o serviço foi suspenso definitivamente, como confirmou a Secretaria Municipal das Subprefeituras ao Estadão. “Caso exista o desejo da permanência do pavimento de paralelepípedo em uma via, o serviço pode ser reavaliado para alterações ou suspenso”, diz o órgão.

“Numa cidade que está sempre em obras, acho importante preservar áreas que contam histórias de uma São Paulo que quase já não existe. Os predinhos da Hípica e suas ruas de paralelepípedos ajudam a contar um pouco da história do bairro”, afirma o livreiro Ricardo Lombardi, proprietário do sebo Desculpe a Poeira, de 53 anos, que usou as redes sociais para fazer alerta sobre a ação da Prefeitura.

De acordo com os moradores, a rua Brito Peixoto ajuda a preservar a história da Vila Cordeiro, na zona sul  Foto: Werther Santana/Estadão

Ali, a luta é antiga. É de 2012 o primeiro abaixo-assinado pela manutenção e tombamento dos paralelepípedos do quadrilátero compreendido entre as ruas Mourato Coelho, Teodoro Sampaio, Artur de Azevedo e a Avenida Pedroso Moraes.

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O tombamento foi aprovado em 2018, mas inclui apenas o conjunto residencial conhecido como os “Prédios da Hípica”, citados por Ricardo Lombardi.

As casas e as ruas não estão tombados. Nessa região, também se localizam as ruas de paralelepípedo Navarro de Andrade e Benjamim Egas.

A publicitária Fernanda Salles, de 55 anos, conta que já ficou à frente das máquinas em outros momentos para impedir a colocação do asfalto. “Isso acontece direto. Os vizinhos avisam que tem máquina na frente de casa e quem pode, vai”, diz moradora da região desde 2003.

A reivindicação se tornou tão presente no dia a dia da comunidade que inspirou até a criação de um bloco carnavalesco. O Bloco do Paralelepípedo foi criado pela moradora Eliana Lourenço e por frequentadores do Bar do Bigode, na esquina Rua Sebastião Velho com a Simão Álvares. Desde 2011, os moradores desfilam uma semana antes do carnaval – claro - pelas ruas de paralelepípedo da região.

Risco de inundações deve ser observado, dizem especialistas

“Os revestimentos têm de ser adequados às características de cada lugar. Valorizar as características de cada bairro aumenta a qualidade de vida das pessoas. A homogeneização não é boa”, diz o arquiteto e urbanista Valter Caldana, professor da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Presbiteriana Mackenzie

Professor de Planejamento Urbano da Universidade de São Paulo, o arquiteto Nabil Bonduki destaca o risco de inundações em caso de asfaltamento.

“Muitas dessas ruas não têm galerias de água pluvial, mas não inundam porque o piso de paralelepípedo é drenante”, aponta.

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A Prefeitura nega o risco de alagamentos. “O capeamento resulta em um deslocamento mais eficiente tanto para veículos quanto para pedestres, sem prejudicar o escoamento das águas das chuvas (sarjetas), reduzindo a quantidade de manutenções na via”, diz a prefeitura.

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