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Acordo da COP é fraco e papel do Brasil é contraditório, diz especialista

Avanço ocorre apenas no discurso, mas sem resultado prático, avalia professor. Sinal do País à Opep é ‘contradição gigantesca’, diz

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Por Marcio Dolzan
Atualização:
Foto: Leonor Calasans/IEA-USP
Entrevista comEduardo ViolaPesquisador do Instituto de Estudos Avançados da Universidade de São Paulo (USP) e professor de Relações Internacionais na Fundação Getúlio Vargas (FGV)

Apesar de o texto final da Cúpula do Clima das Nações Unidas (COP-28), em Dubai, ser considerado histórico por citar a necessidade de transição do uso de combustíveis fósseis para energias renováveis, o resultado da conferência é considerado negativo por Eduardo Viola, que é pesquisador do Instituto de Estudos Avançados da Universidade de São Paulo (USP) e professor de Relações Internacionais na Fundação Getúlio Vargas (FGV). Para Viola, o avanço ocorre apenas no discurso, mas sem resultado prático.

O pesquisador também define o papel do Brasil na COP-28 como “contraditório”. Se por um lado o País voltou a agir para diminuir o desmatamento, por outro faz um discurso pelo uso de energias renováveis ao mesmo tempo em que demonstra interesse em integrar a Organização dos Países Exportadores de Petróleo (OPEP). “É uma contradição gigantesca, é uma coisa de louco”, diz Viola.

Veja a seguir a entrevista completa.

Qual é o significado do acordo da COP-28?

Continua num processo de declarações, que tem muito pouco impacto sobre a realidade. Substantivamente é fraco, bastante fraco. Há algum avanço, porque pela primeira vez se inclui referência à transição dos combustíveis fósseis, mas a invasão da Rússia à Ucrânia representa o contrário disso, um aumento da emissão dos combustíveis fósseis, de petróleo e carbonos. É uma realidade que vai contra muitas das mensagens da COP. Houve uma posição mais dura em relação aos países exportadores e dependentes do petróleo, eles tiveram que fazer algumas concessões, mas isso provavelmente não terá nenhum impacto.

COP-28, realizada em Dubai, foi encerrada nesta quarta-feira, 13. Na imagem, o presidente da cúpula, Sultan Al Jaber Foto: AP Photo/Kamran Jebreili

O texto cita transição dos combustíveis fósseis, mas não cita diretamente a eliminação deles. Qual o resultado prático disso?

Penso que é um avanço na mensagem, porém sem resultado prático nenhum. Mas eu não tinha a menor expectativa para essa COP. A última COP é clássica nesse sentido. A guerra na Ucrânia, agora no Oriente Médio, o risco de sempre de uma invasão de Taiwan pela China… Essa dinâmica de confrontos geopolíticos erode qualquer cooperação entre os países.

O G-20 se tornou muito disfuncional,. As COPs são muito disfuncionais, essa é a verdade. Se passaram 31 anos da Rio-92 e as emissões de carbono continuam aumentando cerca de 2% ao ano, não se consegue mudar isso. A maior parte da humanidade fala sobre essa necessidade, mas na hora do vamos ver, não querem diminuir a emissão de combustíveis fósseis. O governo alemão, por exemplo, que sempre se mostrou como um dos mais comprometidos, está agora subsidiando o consumo de eletricidade e de combustíveis líquidos na área industrial e para as residências.

O resultado da COP, então, não é suficiente diante das urgências provocadas pela crise climática?

Não apenas não é suficiente, como é muito fraco. Gera grande expectativa para trazer pouca coisa. É uma realidade que estamos vendo há muitos anos. Os diplomatas, os técnicos, fazem declarações, e o uso das palavras ajuda, ameniza.

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Qual seria o acordo ideal?

O acordo ideal é algo muito distante de acontecer, e não é apenas o acordo, é colocar em prática. O principal tem que ser o comprometimento com a expansão do uso de energias renováveis e redução do uso de combustíveis fósseis, mas o que temos é o contrário. E não vai acontecer no futuro próximo.

Um acordo ideal seria um que definisse que no ano que vem as energias renováveis aumentariam tantos por certo, e redução de fósseis reduziria tantos por cento. Em 2025, as renováveis aumentariam outro tanto, e as fósseis outro tanto, no ano seguinte, a mesma coisa, e assim por diante. Isso sim seria um acordo substantivo.

Qual tem sido o peso das nações dependentes do carbono e exportadoras de petróleo na discussão?

Este ano a COP foi nos Emirados Árabes, ano que vem vai ser no Azerbaijão, outro país que é um grande exportador de petróleo. É grande a cooptação também por outros países dependentes de carbono. O peso de todos os países exportadores e dependentes do petróleo, de grandes produtores de carvão, como a Índia, é muito grande. Eles fazem um lobby muito forte, às vezes aberto, às vezes mascarado, para que se tenha linguagem o mais soft possível, sem compromisso.

O que o mundo deveria fazer há muito anos, que é aumentar o uso de renováveis, até está fazendo, mas não está diminuindo o uso de combustíveis fósseis. Hoje 83% das emissões de carbono do mundo vêm de combustíveis fósseis, e 17% do uso do solo, como queimadas.

Qual é o papel do Brasil na negociação climática?

É bem contraditório. O País se coloca em posição de ser responsável em relação ao desmatamento, está sendo agora, mas o presidente Lula faz um discurso de redução de uso de combustíveis fósseis ao mesmo tempo em que o Brasil quer entrar no Opep. É uma contradição gigantesca, é uma coisa de louco.

Lula discursa ao lado de Marina Silva na abertura da COP-28  Foto: Ricardo Stuckert/PR - 2/12/2023

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O País voltou a ser considerado uma liderança nessa área?

Não, e nunca foi uma liderança. O Brasil foi um grande protagonista, mas liderança nunca foi. E eu sempre defendi isso ao longo da minha carreira, tenho vasto material sobre isso.. Só quem pode ser liderança são as grandes potências: Estados Unidos, União Europeia e China. China e Estados Unidos tem um papel muito errático nisso. Os Estados Unidos apenas recentemente fizeram leis sobre isso, enquanto a China se coloca como país em desenvolvimento, quando disputa a hegemonia mundial com os Estados Unidos. É uma piada. Liderança quem teve sempre foi a União Europeia.

Nessa conferência, não pelas palavras, não pelo discurso, mas pela diminuição do desmatamento que o Brasil teve nos nove primeiros meses, o governo Lula mostrou um ponto de virada em relação ao governo Bolsonaro. Mas, estruturalmente, o Brasil não pode ser líder. O País é responsável por 3,5% das emissões, enquanto a China é de 31%, Estados Unidos de 15%, Índia de 9%, União Europeia, que baixou muito, de 6%.Os países europeus sempre os mais ambiciosos (na proposta de redução), tiveram trajetória de redução entre 2007 e 2021, nos últimos anos que aumentou.

Quanto a hesitação do governo em relação ao petróleo tem influência negativa?

Tem muita influência negativa. É um país que ostensivamente está declarando que vai aumentar a emissão de petróleo. Segundo a Agência Internacional de Energia, o Brasil é o país que mais vai aumentar a produção de petróleo nos próximos anos. É algo ambivalente.

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Qual é o saldo final dessa conferência?

O resultado, pela questão substantiva, do que a humanidade deveria fazer para mitigar os efeitos das mudanças climáticas e do que vai acontecer, é negativo. Em relação à mudança de declarações, houve uma mudança positiva. Mas isso é mais simbólico, na prática o que precisava era de algo mais contundente.

Qual é a perspectiva para as próximas, principalmente a COP no Brasil?

Os conflitos geopolíticos devem continuar acentuados, como estão hoje. A invasão da Rússia à Ucrânia, com a formação de um bloco ocidental de governos democráticos, e outro com governos autocráticos, fazem com que a perspectiva dessas COPs sejam bem poucas.

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