Após recorde de queimadas e fumaça em Manaus, governo quer verba do Fundo Amazônia contra fogo

Presidente do Ibama reconhece necessidade de o País se preparar melhor, principalmente enquanto durar o El Niño

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Por Paula Ferreira
Atualização:

Após o recorde de queimadas no Amazonas e da fumaça que encobre Manaus, a gestão Luiz Inácio Lula da Silva (PT) quer usar dinheiro do Fundo Amazônia para frear o avanço do fogo pelo bioma. O presidente do Ibama, Rodrigo Agostinho, admitiu a estrutura de combate a incêndios e a resposta à crise na Floresta Amazônica ainda são insuficientes.

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Ao Estadão, afirmou que o instituto finaliza um plano para obter financiamento para ampliar ações contra fogo e desmate. “O Ibama deve submeter no fim do ano um projeto robusto para o Fundo Amazônia. Está em fase final de concretização”, disse. O problema, dizem especialistas, é que há urgência em conter o avanço do fogo e resolver outros problemas da estiagem, que afeta o transporte fluvial e o abastecimento de comida e remédios.

Segundo o Ministério do Meio Ambiente, há “crédito pré-aprovado pelo Fundo Amazônia de R$ 35 milhões para prevenção e combate a incêndios pelo Corpo de Bombeiros local, dependendo apenas da apresentação de projeto”. Cerca de R$ 5 milhões, diz a pasta, foram destinados a ações do Ibama e do ICMBio, incluindo gastos com brigadistas, aeronaves, helicópteros e resgate de fauna.

O Ibama diz ter dois helicópteros próprios em operação na área e auxílio de equipamentos das Forças Armadas para deslocar equipes e materiais. “Obviamente a gente tem de se planejar melhor, ter estruturas melhores. O Brasil precisa ter mais aeronaves de combate a incêndio” afirmou Agostinho.

“O próprio Canadá achava que era o mais bem preparado e vimos a situação (o país sofreu com fortes incêndios em junho e julho). O mundo inteiro não está preparado de maneira muito clara para as mudanças climáticas. Isso vale para a Amazônia com a seca, e para o Sul e o Sudeste com as chuvas”, acrescentou o chefe do Ibama.

Para especialistas, os incêndios na Amazônia foram agravados pelo El Niño, mas reforçam a necessidade de o governo federal se preparar melhor para o combate aos crimes ambientais e ao aquecimento global. Há meses já se sabia que o fenômeno iria piorar eventos climáticos no País neste ano.

Focos de queimadas na Amazônia estão em alta e preocupam ambientalistas Foto: DANIEL TEIXEIRA/ESTADÃO - 04/10/2023

A preservação da floresta é uma das principais bandeiras do governo Lula nas agendas no exterior. Neste mês, o Brasil vai à Cúpula do Clima em Dubai, nos Emirados Árabes (COP-28), sob forte atenção da comunidade internacional.

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“Enquanto não sairmos do de El Niño, continuaremos com esse tipo de problema. A floresta está quente, seca. Vi uma coisa que nunca tinha visto: fogo embaixo de chuva”, afirmou Agostinho nesta terça-feira, 7. A Organização Mundial Meteorológica prevê a influência do El Niño até o meio de 2024, mas os efeitos podem se estender ainda mais.

Com saldo de R$ 4,1 bilhões, o Fundo Amazônia é gerido pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) e tem um Comitê Orientador. O grupo é composto por membros dos governos federal, estaduais e da sociedade civil. Órgãos da União, dos Estados e dos municípios podem submeter projetos ao fundo, assim como fundações de direito privado, empresas, cooperativas, entre outros entes.

O Fundo destina verba recebida via doações a projetos de prevenção, monitoramento e combate ao desmate e de promoção da conservação e do uso sustentável da Amazônia Legal. A verba do programa já foi usada para a estrutura do PrevFogo, programa de combate a incêndios do Ibama, mas agora haveria um reforço extra.

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Após Lula assumir a presidência, houve anúncio de doações por parte de União Europeia, Alemanha. Reino Unido, Suíça, Estados Unidos e Dinamarca, mas os recursos ainda estão em fase de transferência. Procurado, o BNDES disse que já apoiar seis projetos com ações voltadas para incêndios, sendo de apoio ao Ibama e cinco com Estados (Acre, Mato Grosso, Pará, Rondônia e Tocantins). No total, o suporte soma R$ 77 milhões.

Segundo o Sistema Integrado de Planejamento e Orçamento (Siop), o governo gastou até o momento cerca de R$ 258,1 milhões com combate e prevenção a incêndios em recursos alocados nos ministérios do Meio Ambiente e de Ciência e Tecnologia.

Teatro Amazonas, em Manaus, encoberto pela fumaça das queimadas Foto: Edmar Barros/AP

Em outubro, o Amazonas teve 3.858 focos de incêndio, o maior número para o mês desde 1998, quando começou a série histórica do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), órgão do Ministério da Ciência. O governo tem colocado a culpa na explosão das queimadas na gestão Jair Bolsonaro (PL), quando houve escalada da destruição da floresta. Segundo o Ibama, 3/4 do fogo hoje se espalha em áreas já desmatadas.

O Ibama tem 2.101 brigadistas para combater incêndios no País, 18% mais do que no ano passado. Do total, 1.356 agentes atuam na Amazônia Legal - cerca de 300 no Pará e no Amazonas. “Estamos com uma estrutura que nunca tivemos. Chegamos inclusive a disponibilizar equipamentos para as brigadas estaduais”, disse o presidente do Ibama. “Mas precisamos avaliar, porque fomos testados num momento extremo, em que os rios da Amazônia baixaram 20 metros”, afirmou.

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Os impactos na população são variados. Mais de 30 empresas que atuam na Zona Franca de Manaus decidiram antecipar as férias coletivas devido à falta de matéria-prima para produção.

A falta de navegabilidade dos rios, que funcionam como estradas no Estado, dificulta o abastecimento do interior com alimentos, e impede estudantes de irem à escola. Em Manaus, a fumaça das queimadas tem feito a população voltar a usar máscaras.

Seca histórica afeta navegabilidade dos rios, como o Negro, em Manaus Foto: MICHAEL DANTAS/AFP

Governo tenta dividir responsabilidade com o Congresso

“Não adianta só combater (o fogo). Vamos ter de trabalhar de maneira forte a prevenção. Precisa de várias estratégias e uma delas é aprovar o projeto de lei que tramita aqui no Senado que institui o manejo integrado do fogo”, acrescentou o presidente do Ibama.

Agostinho repete apelo feito pela ministra Marina Silva, que na última sexta-feira, 3, transferiu parte da responsabilidade para o Congresso, onde tramita projeto de Política Nacional de Manejo Integrado do Fogo. A proposta foi aprovada em maio na Comissão de Meio Ambiente do Senado, mas ainda precisa ser apreciada em plenário.

Se aprovada, a lei institui regras para o uso do fogo no meio rural e inclui a previsão de que ele seja substituído por outras técnicas. Um dos principais usos do fogo é na agropecuária, para limpar terrenos para plantações e pastagens.

Em outubro, o ministério também tentou mobilizar a gestão estadual, ao sugerir a suspensão do registro do Cadastro Ambiental Rural (CAR) de imóveis com focos de calor e incêndio sem autorização. O Estadão entrou em contato com a Secretaria do Meio Ambiente para questionar se algum registro no CAR havia sido suspenso.

A pasta, porém, encaminhou a demanda para o Instituto de Proteção Ambiental do Amazonas (Ipaam), que não respondeu à reportagem. No Amazonas, o Ministério do Meio Ambiente disse ter dobrado o efetivo de brigadistas no Estado, de 149 para 289, além da doação de 200 kits de equipamentos e disponibilização de helicópteros. Sobre o Pará, a pasta federal afirmou que os incêndios já foram extintos em mais de 50 regiões.

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Já em relação aos incêndios no bioma, o ministério destaca a queda no acumulado do ano. “De 1º de janeiro a 31 de outubro, houve 80.002 focos de incêndio na Amazônia, 21% a menos que no mesmo período de 2022. No Pará, no mesmo intervalo, a queda foi de 12% e no Amazonas, de 7%.”

Alertas de desmate tiveram queda

Em junho, o governo Lula lançou o Plano de Ação para Prevenção e Controle do Desmatamento na Amazônia Legal (PPCDAm), com estratégias que vão desde o controle do desmate até o desenvolvimento da economia sustentável. Até setembro, houve queda de 49,4% de alertas de desmatamento na Amazônia identificados pelo Inpe, ante o mesmo período do ano passado.

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