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Improbidade: Bolsonaro defendeu nepotismo quando era deputado

Ao longo dos anos, emendas para coibir contratação de parentes aprovadas em comissões nunca chegaram ao plenário

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Por Liz Batista
Jair Bolsonaro, Severino Cavalcanti e José Sarney Foto: Dida Sampaio, Pablo Valadares/Estadão

O nepotismo voltou à pauta política com a tramitação em caráter de urgência de um projeto que pretende abrandar a Lei de Improbidade Administrativa (Lei nº 8.429/92), que pune a contratação de parentes para cargos públicos. A prática também é vedada pela Constituição Federal (1988), pelo STF desde 2008 e pelo decreto presidencial nº 7203 de 2010. A ampliação de meios legais para punir quem pratica o ato foi uma árdua e recente conquista da democracia brasileira, efetivada após grande pressão da opinião pública.

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Um dos momentos em que essa pressão foi sentida foi em 2005 , quando a proposta de seis emendas constitucionais que proibiam a contratação de parentes de até 2º grau para cargos comissionados (sem concurso) nos três Poderes passou por unanimidade na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara.Leia também:>Deputada que propôs emenda contra nepotismo virou chacota de colegas em 2000 A vitória da proposta não aconteceu sem embates. Severino Cavalcanti (PP- PE), então presidente da Câmara dos Deputados, encabeçava a defesa do nepotismo e apoiava abertamente a contratação de parentes para cargos públicos, referindo-se à prática como “um direito que o parlamentar tem” . Na época, Cavalcanti contava seis parentes empregados sem concurso. Na Casa que comandava, outros 96 deputados federais empregavam esposas e maridos, igualmente sem concursos. 

No coro dos descontentes com as medidas contra cabides de emprego para familiares, também estava o atual presidente Jair Bolsonaro, na época deputado federal pelo PFL do Rio. Afirmando que “em alguns casos o nepotismo é válido”, Bolsonaro chamou a sessão de “palhaçada” e argumentou que a proposta antinepotismo não reduziria a despesa com pessoal porque o número de cargos continuaria igual, sendo assim, segundo ele, quem quisesse burlar as normas poderia “pôr uma terceira pessoa para trabalhar em seu gabinete, como um laranja de um familiar.” > Estadão - 14/4/2005

> Estadão - 14/4/2005 Foto: Acervo/Estadão

Votação acalorada. Diante da pressão por medidas moralizadoras, o relator da proposta, deputado Sérgio Miranda (PC do B- MG), preconizava um resultado favorável;“o ambiente de pressão é tão grande que é como se os brasileiros estivessem dando um basta: chega de nepotismo”, declarou ao Estadão um dia antes da votação. Apesar do concenso pela aprovação do pacote de emendas antinepotismo, a sessão foi  tumultuada, marcada por acusações entre deputados aliados do governo Lula e de oposição.

Na troca de farpas, deputados acusados de apadrinhamento rebatiam a alegação apontando o loteamento de cargos públicos pelos petistas. O deputado Antonio Carlos Magalhães Neto (PFL- BA) atribuiu ao PT “o aparelhamento da máquina pública” e se disse pelo fim, do que chamou, de “nepetismo”.

Na mesma sessão, Bolsonaro acusou o PT de, em 2003, ter oferecido a indicação da administração do Aeroporto Santos Dumont, no Rio de Janeiro, em troca de seu voto a favor da PEC da Reforma da Previdência. O então deputado afirmou ter recusado a oferta, citando a própria mãe. “Só a cantina do aeroporto fatura R$300 mil por mês, o que dá uns R$ 200 mil líquidos. Ou seja, eu poderia tirar a minha mãe, que tem 86 anos e trabalha no meu gabinete, e colocá-la para administrar o bar”, ironizou. Dois meses depois, em junho de 2005 o escândalo do Mensalão veio a público. 

Com a aprovação na CCJ a matéria deveria seguir o rito de tramitação no Congresso até ser levada ao plenário. O primeiro passo, a criação de comissão especial para analisar as emendas esbarrou na dificuldade de se nomear um relator. O deputado indicado para presidir a comissão, Carlos William (PMDB-MG), tinha impeditivos, pois empregava a esposa e a irmã em seu gabinete. O caso mostra um exemplo dos entraves que projetos antinepotismo encontram no Congresso. A morosidade, relutância e ausência de vontade política dos parlamentares em legislar sobre a matéria acabaram por marcar o processo, como a jornalista Dora Kramer havia apontado na coluna publicada em 13 de abril de 2005.

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> Estadão - 13/4/2005

> Estadão - 13/4/2005 Foto: Acervo/Estadão

“A votação da emenda restritiva à contratação de parentes na CCJ da Câmara não quer dizer grande coisa. A proposta pode até ser aprovada, mas da comissão até os plenários das duas Casas do Legislativo terá um longo e acidentado caminho a percorrer. No trajeto tudo pode acontecer: desde o assunto cair no esquecimento, como já ocorreu antes, até a aprovação de restrições devidamente estilizadas, cheias de convenientes brechas. Fora de cogitação mesmo só está a hipótese de o Congresso proibir cabalmente o acesso ao setor público pela via do parentesco. A menos que se invoque Cabral e comecemos tudo de novo”, escreveu Kramer. 

Em 2000, quando uma das primeiras proposta de supressão do nepotismo chegou à Câmara durante a discussão da Reforma do Judiciário, a relatora do texto, a deputada Zulaiê Cobra Ribeiro (PSDB-SP ), viu o projeto ser alvo de piada. Em 2002, um projeto de lei de autoria do deputado Arlindo Chinaglia (PT-SP) sobre o tema foi aprovado em CCJ mas não chegou a ser votado em plenário.> Estadão - 21/8/2008

> Estadão - 21/8/2008 Foto: Acervo/Estadão

STF e decreto presidencial. Sem avançar no Legislativo, a pauta chegou ao STF em 2008. A Corte decidiu proibir a prática do nepotismo no Executivo, no Legislativo e no Judiciário, no âmbito da União, dos Estados e dos municípios, por meio de uma súmula vinculante, que obriga instâncias inferiores a seguir jurisprudência firmada pelas instâncias superiores e se impõe como norma que deve ser seguida por todos os órgãos públicos, vedando a contratação de parentes de autoridades e funcionários para cargos de confiança. 

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O STF entendeu que a contratação de familiares desrespeita a Constituição, que prevê que a administração pública deve se guiar pela legalidade, impessoalidade, moralidade e eficiência; e como a Carta já estabelece esses princípios para o serviço público, não seria necessária a aprovação de lei específica para proibir o nepotismo. Em 2010, o então presidente Lula, assinou decreto proibindo o nepotismo no ExecutivoEscândalo dos atos secretos. Em 10 de junho de 2009, um furo de reportagem do Estadão revelou a existência de mais de 300 atos secretos editados pelo Senado, boletins administrativos de contratações e outras ordens que não foram publicados nos meios oficiais para ocultar ações que violavam a Lei de Improbidade. As decisões mantidas em sigilo se referiam a aumentos salariais, nomeação de parentes e amigos e criação de cargos.

> Estadão 10/6/2009  

> Estadão 10/6/2009 Foto: Acervo/Estadão

Outra denúncia apontava que diretores do Senado empregavam parentes em empresas prestadoras de serviço (terceirizadas), para burlar a decisão do Supremo Tribunal Federal (STF), que proíbe a prática de nepotismo na administração pública. No centro do escândalo estava o presidente da Casa, José Sarney (PMDB). O jornal mostrou que esses boletins sigilosos envolviam familiares e aliados de Sarney, entre os beneficiados estavam sobrinhos e até o namorado da sua neta. Na mesma série, o Estadão revelou que a Fundação Sarney desviou R$ 500 mil de patrocínio de R$ 1,3 milhão da Petrobrás para empresas fantasmas, de fachada ou da família do senador.

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> Estadão 10/6/2009  

> Estadão 10/6/2009 Foto: Acervo/Estadão

A reportagem, que venceu o prêmio Esso de Reportagem, deu início às investigações sobre o caso. Uma semana após as revelações, a comissão de sindicância aberta para analisar o caso apontou que, em 15 anos, o Senado havia mantido 650 “boletins não publicados, no mês seguinte mais 468  documentos similares foram identificados. O escândalo desencadeou uma crise política que manchou a credibilidade da instituição. 

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