O legado de Cristóvão Colombo sofreu dois baques em Denver, em 2020. O primeiro foi registrado em público, quando um grupo (do movimento Black Lives Matter) que fazia protestos contra o tratamento dos negros pelas autoridades policiais, movido por uma fúria anticolonialista, amarrou com uma corda a estátua do explorador, derrubando-a no Parque Cívico da cidade.
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O segundo foi mais discreto, do outro lado da rua, no Museu de Arte de Denver, onde a instituição simultaneamente cancelou todas as referências ao navegador em sua coleção. A arte pré-colombiana foi renomeada Arte das Antigas Américas. Ao mesmo tempo, o segmento dedicado à arte hispânica colonial foi rebatizado de Arte Latino-Americana.
As mudanças se ajustam à estrutura organizacional do museu e consideram a sensibilidade de seu público-alvo, os latinos, 30% do total de visitantes, segundo o diretor do museu, Christoph Heinrich.
Como o museu vai responder ao “cancelamento” de Colombo por meio de seus programas de exposições é um trabalho em andamento. No mês passado, foi aberta no Museu de Denver a mostra Who Tell a Tale Adds a Tail (numa tradução livre, Quem Conta um Conto Aumenta um Ponto) com instalações de visualizações específicas criadas por artistas de vários países da América Latina. A mostra tem como curador um brasileiro, Rafael Fonseca, o primeiro na função de coordenar o segmento de arte moderna e contemporânea latina.
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O diretor da instituição, Christoph Heinrich, observou que a exposição representa uma revolução no modo de apresentar a arte da região. O forte do acervo do Museu de Denver é a coleção de objetos maias e astecas – e talvez a instituição seja a que preserve, nos Estados Unidos, o maior número de pinturas e objetos criados durante o período colonial. Por décadas, essas foram as principais atrações da instituição.
O panorama começa a mudar com a atenção do curador Rafael Fonseca a nomes contemporâneos e a organização de mostras temporárias de artistas da América Latina, o que pode significar uma ampliação no número de visitantes do museu.
“Continuaremos organizando exposições acadêmicas, pois essa é uma parte importante de nossa programação, mas estamos abrindo uma nova porta”, diz Jorge Rivas que, desde 2015, é o curador de arte hispânica colonial (hoje Arte Latino- Americana) do Museu de Denver.
As novas exposições vão permitir que o museu atualize a história da arte latino-americana e conte aos visitantes uma nova versão dessa história – então restrita a objetos construídos antes e depois da colonização espanhola, ampliando o leque temporário para outros momentos igualmente importantes.
“Acho muito mais fácil alguém se conectar à arte se ela fala do momento atual, se parte do contemporâneo para chegar à arte mais tradicional”, justifica o diretor Heinrich.
Who Tells a Tale Adds a Tail é uma mostra tópica, tratando de temas como tecnologia, gênero, imigração e, de forma relevante, dos impactos do colonialismo. Os artistas da mostra, todos nascidos entre 1981 e 1996, têm uma conexão geracional, embora o curador Fonseca tenha dado atenção à diversidade de temas e ideias capazes de atrair o público americano. “Olhando para o sul, verificamos a infeliz tendência de colocar tudo na mesma caixa”, comenta o diretor
A exposição é rica em arte digital. Exemplo disso é a artista chilena Seba Calfuqueo com seu vídeo Ngüru Ka Williñ, que se apropria de um conto folclórico sobre uma raposa e uma lontra para falar de violência sexual na sociedade contemporânea. A artista brasileira de origem haitiana Vitória Cribb contribui com a mostra com o vídeo Vigilante-Extended, que tem como estrela um personagem criado por um computador que profere um melancólico monólogo de nove minutos sobre os perigos de passar muito tempo em ambiente virtual.
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Há também na mostra instalações interativas, como The Revenge of History, de Gabriela Pinilla, que combina um largo mural, livros e recortes de jornais para lembrar o assassinato da guerrilheira Carmenza Cardona Londoño, em 1981, e comentar a violência política em seu país natal, a Colômbia. O artista mexicano Alan Sierra usa mesas de café, sinais de néon e microfones para criar o que a exposição define como “um íntimo clube queer”,no qual os visitantes podem ouvir poesia homoerótica em espanhol saindo dos alto-falantes.
Mas a exposição tem também pinturas, incluindo as da artista dominicana Hulda Guzmán, paisagens pintadas com tinta acrílica que examinam a correspondência entre o corpo humano e a natureza. Mais tradicional, usando óleo, está Caleb Hahne Quintana, um dos poucos artistas norte-americanos na mostra, que recorre a uma iconografia ocidental para questionar noções ultrapassadas de masculinidade.
Ana Segovia investiga o que seria “mexicanidade” ao recriar stills de velhos faroestes populares em seu país e convidar o espectador a questionar o velho clichê da masculinidade do caubói americano pelo olhar contemporâneo.
“Há algo no caubói que é muito sexy”, justifica Segovia. “Acho que, ao pintar a figura, traz um sentimento misto entre o fetiche e a repulsa, por causa de sua masculinidade tóxica. É, obviamente, uma contradição”, conclui a artista.
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Contradição, aliás, que está no coração da mostra Who Tells a Tale Adds a Tail. Individualmente, as peças desafiam convenções dos países de origem dos artistas. Considerado o conjunto, o tema central é um gênero de arte monolítico que identifica geograficamente a América Latina.
“Para mim, a ideia da arte latino-americana é uma grande ficção”, observa o curador brasileiro Fonseca. Ainda assim, há valor em exibir trabalhos contemporâneos no contexto de suas conexões latino-americanas, complementa Rivas, porque permite ao Museu de Denver mostrar como séculos de história se ligam um ao outro. Existiram antigas civilizações no hemisfério até a brutal conquista pelos colonizadores. Agora, trata-se de apagar o trauma. Tudo isso impacta a arte feita em cada época.
É fácil decifrar objetos criados durante a corrente “negação” de Colombo e os que o sucederam, se você puder ver a arte criada antes da chegada do conquistador e enquanto ele reinou. Muitos problemas enfrentados pelos artistas contemporâneos tiveram origem no primeiro momento desse contato”, conclui o curador Rivas.