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A jornalista Luciana Garbin traz foco para as questões femininas na sociedade atual

Opinião|Lembra do teste de Cooper no colégio? Que bom que hoje se vê atividade física de outro jeito

Não se trata só de malhação. Especialistas destacam a importância de se investir em exercícios de mobilidade para permanecer em movimento e manter a autonomia ao longo de toda a vida

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Atualização:

Minha relação com a atividade física não começou nada bem. Ainda criança, ótima aluna, eu me orgulhava do meu boletim cheio de notas 10 e 9,5. Com exceção de uma disciplina: em Educação Física, a professora usava caneta vermelha para escrever, mês após mês, uma mesma nota para meu desempenho nas aulas: 5. Hoje pareceria sem sentido na maior parte das escolas afugentar alunos dos esportes com esse tipo de avaliação, mas ele reinou absoluto por muito tempo. Assim como era inquestionável uma penca de testes impostos aos estudantes.

Lembro com terror de dois deles. O primeiro era o teste de Cooper. Criado em 1968 por Kenneth Cooper para testar o condicionamento físico de militares dos EUA, acabou depois adotado por atletas e também se espalhou como praga por colégios mundo afora. O professor zerava um cronômetro, apitava e tínhamos de começar a dar voltas na quadra. Os mais atléticos se gabavam de seus feitos. Eu e um bando de amigos mais sedentários caminhávamos quase todo o tempo - com exceção de quando o professor se virava em nossa direção. A maioria depois aumentava o resultado. O professor fingia que acreditava e anotava numa planilha o “desempenho” da turma.

Entre os tantos conselhos que recebemos ao longo da vida, por que não se ensina desde cedo que cuidados e atitudes devemos tomar para chegar à velhice sem dores e restrições de movimento? Foto: Adobe Stock

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Só não era pior que um outro teste também muito aplicado décadas atrás: o de abdominal. Nele, estudantes espalhados em colchonetes de barriga para cima num ginásio tinham de levantar a cabeça e parte do torso com as mãos atrás das orelhas, sem se preocupar com a postura correta ou a curvatura do pescoço. Não lembro de nenhum professor alguma vez ter explicado para que servia. Não importava motivar os alunos, o importante era, mais uma vez, anotar resultados - reais e inventados.

Hoje, quando noto meus filhos de 10 anos animadíssimos com as aulas de Educação Física no colégio, vejo que felizmente as coisas mudaram de lá pra cá. E, em vez de se preocuparem em dar nota para a quantidade de cortadas que o aluno dá no jogo de vôlei ou as cestas que acerta no basquete, os colégios parecem mais interessados em mostrar os benefícios da atividade esportiva para a saúde, o bem-estar e a socialização. Também acompanho com animação o destaque que conteúdos sobre diferentes aspectos da saúde têm ganhado nos últimos anos. Mas, a julgar pelos milhões de pessoas que sofrem diariamente os prejuízos de uma vida sedentária, é fácil concluir que muita gente ainda não entendeu que precisa se exercitar agora para poder permanecer em movimento daqui a alguns - ou muitos - anos.

“No mundo dos negócios, muito se fala sobre se preparar para o futuro”, dizem Juliet Starrett e Kelly Starrett no livro Você foi feito para se mover (Editora Sextante). “Sabe o que nunca mencionam? Planos para desenvolver habilidades e capacidades físicas que permitam que as pessoas façam o que quiserem aos 75, 80, 90 anos e além. Onde está o plano de 25 anos com o objetivo de ‘Conseguir passar dois dias andando pela Disney com meus netos e não precisar depender de ninguém para colocar minha mala no bagageiro do avião? Continuar andando de bicicleta? Ter força para levantar do chão se cair? Tomar banho de pé quando tiver 99 anos?’”

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Essas perguntas do casal de americanos não poderiam fazer mais sentido. Superados meus traumas de infância, tenho descoberto com grande prazer nos últimos anos o quanto a vida pode ser melhor quando se consegue ter regularidade na atividade física. Redução de dores, melhora da qualidade de vida, diminuição do estresse. E até por esses resultados me pergunto por que já não se discute desde jovem o que é preciso fazer para se manter autônomo quando se envelhece. No meio de tantos conselhos que recebemos ao longo da vida - quem não ouviu o de economizar ou fazer uma previdência privada por exemplo? - , por que não se ensina desde cedo que cuidados e atitudes devemos tomar para chegar à velhice sem dores e restrições de movimento? “Talvez você não consiga prevenir uma doença como um câncer ou uma doença de Parkinson, mas pode fazer muitas coisas para se preparar para o futuro, mesmo que a velhice ainda vá demorar muito a chegar”, reforçam Juliet e Kelly.

E aí é que está o segredo, segundo eles. Porque não se trata apenas de malhação. Com dicas, exemplos e avaliações, Juliet e Kelly relacionam cada um dos dez capítulos do livro a um sinal vital. Eles vão de conseguir sentar e levantar do chão a respirar com facilidade, de aprender a fazer a extensão do quadril a encontrar seu ponto de equilíbrio, de investir em agachamentos a “alimentar-se como se fosse viver para sempre” e usar seu “superpoder: o sono”. Perpassando todas as áreas está um conceito nem sempre lembrado nas academias de ginástica: para envelhecer bem, é preciso focar em mobilidade.

“Esse termo vago se refere a algo muito bonito: a convergência harmoniosa de todos os elementos que permitem que você se mova com liberdade e sem esforço pelo espaço e pela vida”, explicam. “Tudo está em sincronia - seus músculos, articulações, tendões, ligamentos, fáscias, nervos, cérebro e a rede vascular que percorre seu corpo. Dominar esse poder o ajudará a ganhar agilidade, facilidade e rapidez de movimento, ao mesmo tempo que elimina restrições, rigidez e dores.”

E no que isso extrapola os exercícios físicos?

“Exercícios são essenciais para o coração e os pulmões, para os músculos, para a composição do corpo, para a paz de espírito e para uma centena de outras coisas. Mas, em relação à mobilidade, os exercícios são uma atividade extracurricular. Eles não substituem práticas que acionam músculos, tecidos, ossos e articulações com movimentos simples porém vitais. Tampouco podem substituir as práticas que dão apoio a esses movimentos. Sua quantidade de sono, por exemplo, afeta seus níveis de dor e, portanto, quanto você se movimenta ao longo do dia. Tudo está conectado.”

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Opinião por Luciana Garbin

Editora no ‘Estadão’, professora na FAAP e mãe de gêmeos.

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