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Empresas criticam suspensão da desoneração da folha e dizem que medida pode afetar empregos

Associações lembram que empresas fizeram investimentos levando em consideração uma medida aprovada com ampla maioria no Congresso; central sindical fala em possibilidade de perda de 1 milhão de empregos

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Por Redação
Atualização:

A concessão de uma liminar, pelo ministro Cristiano Zanin, do Supremo Tribunal Federal (STF), suspendendo a desoneração da folha de pagamentos de 17 setores da economia provocou uma forte reação dos setores envolvidos. A avaliação é que a decisão gera uma situação de insegurança jurídica e coloca em risco empregos e o equilíbrio econômico-financeiro das empresas. Um cálculo da União Geral dos Trabalhadores (UGT) aponta para a possibilidade de perda de 1 milhão de empregos no País sem a desoneração. No início da noite, o Senado apresentou um recurso no STF contra a decisão de Zanin.

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“Esperamos que no julgamento do mérito da ação impetrada pelo governo contra os efeitos da Lei 14.784/2023, que prorrogou a desoneração até 2027, esta seja mantida pelo STF”, disse, em nota, a Associação Brasileira da Indústria Têxtil e de Confecção (Abit). “Caso contrário, as consequências econômicas e sociais serão graves, com agravamento do desemprego.”

De acordo com a associação, cabe considerar que “as empresas, embasadas na promulgação soberana de uma lei pelo Congresso Nacional, já fizeram investimentos, contrataram pessoas e se planejaram para um ambiente regulatório, até 2027, no qual os custos trabalhistas referentes à contribuição previdenciária patronal seriam menores. Portanto, um retrocesso da legislação seria altamente nocivo, evidenciando por que a insegurança jurídica tem sido um dos fatores mais corrosivos da competitividade e agravamento dos custos das empresas que operam no Brasil”.

Segundo a Abit, ao judicializar essa questão, “o Executivo cria um cenário de total imprevisibilidade, que gera incertezas, abala a confiança dos setores produtivos e conspira contra a manutenção e criação de empregos”.

Setor calçadista é um dos afetados pela suspensão da desoneração da folha Foto: JF Diorio/Estadão

O movimento ‘Desonera Brasil’, formado por 23 associações de setores incluídos na desoneração da folha de pagamento, divulgou carta em que afirma que a ação para derrubar a desoneração da folha até 2027 gera insegurança jurídica. Ainda de acordo com o grupo, a ação coloca em risco impactos positivos da medida para a economia do País.

“Essa política pública da tributação substitutiva da folha por porcentuais da receita bruta promoveu, no período de janeiro de 2011 a fevereiro de 2024, um crescimento de 9,7% no número de empregos gerados pelos 17 setores abrangidos por essa sistemática tributária, voltada à promoção do emprego formal”, diz a carta, que afirma que desde 2019, o crescimento foi de 19,6%.

Segundo o Desonera Brasil, os 17 setores beneficiados empregam 9,3 milhões de pessoas, e criou 151 mil empregos nos dois primeiros meses do ano. O movimento menciona ainda que o salário médio nestes setores é 12,7% maior ao dos setores que não são desonerados, dados que comprovariam os benefícios da medida.

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O ‘Desonera Brasil’ afirma que o projeto de lei de 2023 que levou à nova prorrogação do benefício teve trâmite completo e foi debatido pelo Congresso, inclusive por parte de integrantes da base do governo de Luiz Inácio Lula da Silva. Esse debate tratou tanto de impactos fiscais quanto do mérito da política, de acordo com a carta.

Ainda segundo o ‘Desonera Brasil’, os setores vão manter diálogo com os Três Poderes para demonstrar a insegurança jurídica que envolve o tema. Diz também que confia que o STF poderá revogar a decisão monocrática de Zanin a favor do governo.

Para a presidente da Federação Nacional de Call Center, Instalação e Manutenção de Infraestrutura de Redes de Telecomunicações e de Informática (Feninfra), Vivien Mello Suruagy, a decisão de Zanin mostra falta de sensibilidade com as empresas e, principalmente, com os trabalhadores. “Estamos em choque com essa decisão, que vai estimular a quebra de empresas e causar demissões. Haverá paralisação de investimentos essenciais e uma perda de credibilidade do País, por causa da insegurança jurídica”, disse, em nota.

Vivien Suruagy lembra, ainda, que a decisão liminar contraria a vontade de grande parte do Congresso. “Onde está o respeito à maioria dos parlamentares, que aprovaram no ano passado a continuidade da desoneração até 2027 e, posteriormente, derrubaram o veto presencial que restringia seus efeitos?”

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A executiva ressaltou, na nota, que o próprio Supremo, por meio do então ministro Ricardo Lewandowski, já julgou em 2021 a constitucionalidade da desoneração. “O governo está alegando, agora, a inconstitucionalidade da medida. Vai mudar o que já foi decidido por Ricardo Lewandowski, que agora é ministro da Justiça?”, argumentou. “É uma incoerência de um governo que, historicamente, sempre defendeu a bandeira do emprego.”

Outro setor atingido, o calçadista, também reagiu. O presidente executivo da Abicalçados, Haroldo Ferreira, disse que a medida é um retrocesso, já que a desoneração da folha de pagamentos já havia sido amplamente discutida - e aprovada - no Congresso Nacional, inclusive com parlamentares da base de apoio do Governo Federal.

“É um balde de água fria para o setor calçadista, que recentemente reportou a criação de mais de 5 mil empregos no primeiro bimestre do ano, no que parecia ser o início de uma recuperação lenta e importante depois de um ano de 2023 de dificuldades”, disse, em nota. Segundo o executivo, a decisão do STF ilustra o crescimento dos custos produtivos no Brasil. “O assunto estava pacificado após ampla mobilização e discussões no Congresso Nacional, mas infelizmente o Governo Federal não respeitou a vontade do parlamento. É uma medida que enfraquece a política e a própria democracia.”

O presidente da Associação Nacional de Jornais (ANJ), Marcelo Rech, foi outro que criticou a decisão de Zanin. “O entendimento geral é que a extensão da desoneração dos 17 setores é plenamente constitucional. A manutenção da desoneração tem sido decisiva na geração e preservação de empregos”, disse.

Flavio Roscoe, presidente da Federação das Indústrias dos Estados de Minas Gerais (Fiemg), disse que a decisão liminar de Zanin é um equívoco e gera insegurança jurídica. “A desoneração já existe há mais de 10 anos, foi aprovada pelo Congresso e criada pelo próprio governo que está questionando. Essa questão está mais do que fundamentada. Na nossa leitura, isso cria uma instabilidade jurídica enorme e acreditamos que esse não é o melhor caminho.”

Para ele, na prática, esse valor não estava previsto no Orçamento federal, já que a desoneração existe há uma década. Nesse caso, não há supressão de receita, que é o argumento do governo ao STF. “O governo apenas manteve um incentivo já vigente, não houve uma isenção adicional. Nesse sentido, a inconstitucionalidade não existe, tanto é que o governo não a adotou na primeira iniciativa, ele tentou mudar a medida no Congresso. Como não deu certo, ele decidiu judicializar.”

Trabalhadores

Além das empresas, a suspensão da desoneração também preocupa sindicatos de trabalhadores, por seus potenciais efeitos nos empregos. “A desoneração da folha permite que as empresas mantenham e, principalmente, aumentem o nível de emprego”, disse, em nota, Ricardo Patah, presidente da União Geral dos Trabalhadores (UGT). “Até um estudante de economia em formação sabe que emprego gera renda, renda impulsiona o consumo, e o consumo resulta em impostos, os quais o governo afirma perder com a desoneração da folha. Logo, há uma incoerência na decisão.”

Para Patah, a decisão do ministro Zanin tem efeito imediato. “Já na próxima semana é possível que ocorra um aumento no volume de demissões em todo o país. A UGT, representando 12,5 milhões de trabalhadores de todos os setores econômicos, espera que o STF julgue a ação de forma definitiva, rejeitando os argumentos do governo e restabelecendo o projeto aprovado pelo Congresso, evitando assim milhares de demissões”, disse.

Municípios

A decisão de Zanin, que foi acompanhada nesta sexta-feira, 26, pelos ministros Flávio Dino e Gilmar Mendes, provocou reação também dos prefeitos - a decisão suspendeu a desoneração das folhas dos municípios. Em nota, o presidente da Confederação Nacional de Municípios (CNM), Paulo Ziulkoski, disse “repudiar profundamente” que o governo federal “atue pela retirada de uma conquista estimada em R$ 11 bilhões por ano ao judicializar a Lei 14.784/2023″.

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“É lamentável retirar a redução da alíquota para aqueles que estão na ponta, prestando serviços públicos essenciais à população, enquanto há benefícios a outros segmentos, com isenção total a entidades filantrópicas e parcial a clubes de futebol, agronegócio e micro e pequenas empresas”, disse. “O movimento municipalista reitera que a Lei 14.784/2023, nesses três primeiros meses do ano, garantiu uma economia de R$ 2,5 bilhões, do total de R$ 11 bilhões estimados para o ano.”

Estudo do governo

A Secretaria de Política Econômica (SPE) do Ministério da Fazenda, porém, divulgou um novo estudo nesta sexta-feira, 26, colocando em xeque a eficiência da política de desoneração da folha de pagamentos do setor privado. “Dado o elevado custo fiscal da medida (R$ 15,8 bilhões estimados para 2024), que implica menor disponibilidade de recursos para outras políticas públicas essenciais, pode-se concluir que a prorrogação irrestrita do modelo de desoneração contraria o interesse público”, diz o documento.

O estudo avaliou a dinâmica das atividades desoneradas em relação às que não tiveram o benefício. O documento diz que as atividades desoneradas representavam 17% do número de vínculos e 7% da massa salarial em 2021, números que diminuíram ao longo da vigência da política, no agregado. “Embora não se trate de números desprezíveis, não há respaldo para o rótulo de ‘17 maiores empregadores’”, diz o texto. Segundo o documento, no período entre 2015 e 2021, as atividades desoneradas tiveram retração no número de vínculos e no rendimento agregado, ao passo que as atividades não desoneradas expandiram o número de vínculos e a massa salarial.

O pedido de suspensão da desoneração, feito pela Advocacia Geral da União ao STF e acatado por Zanin, argumenta que a lei que prorrogou a desoneração é inconstitucional porque não demonstrou o impacto financeiro da medida.

Mas a judicialização do tema criou um novo embate do governo com o Legislativo. O presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, prometeu entrar ainda hoje com recurso contra a decisão. Segundo ele, o Congresso aprovou medidas para o governo aumentar sua arrecadação, e que esse incremento paga a desoneração sem problemas.

Idas e vindas

Adotada desde 2011, a desoneração é um benefício fiscal que substitui a contribuição previdenciária patronal de 20%, incidente sobre a folha de salários, por alíquotas de 1% a 4,5% sobre a receita bruta. Na prática, a medida reduz a carga tributária devida pelas empresas. O benefício, porém, perderia a validade no fim do ano passado.

O Congresso, então, aprovou em outubro um projeto prorrogando até 2027 a desoneração da folha de 17 setores e também reduzindo a alíquota de contribuição previdenciária de pequenos municípios. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva vetou o projeto em novembro, mas o Congresso derrubou o veto integral em 14 de dezembro, com placares folgados. O governo tentou a reoneração via medida provisória, o que acabou não dando certo, por conta da forte reação do Congresso. A ida ao STF é, por isso, apenas o mais novo capítulo dessa briga.

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Veja abaixo quais são os setores afetados pela medida:

  • Confecção e vestuário;
  • Calçados;
  • Construção civil;
  • Call center;
  • Comunicação;
  • Empresas de construção e obras de infraestrutura;
  • Couro;
  • Fabricação de veículos e carroçarias;
  • Máquinas e equipamentos;
  • Proteína animal;
  • Têxtil;
  • TI (tecnologia da informação)
  • TIC (tecnologia de comunicação)
  • Projeto de circuitos integrados;
  • Transporte metroferroviário de passageiros;
  • Transporte rodoviário coletivo;
  • Transporte rodoviário de cargas.
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