São enganosas as postagens em redes sociais que dizem que 501 pessoas teriam morrido nos Estados Unidos por causa da vacinação contra a covid-19. As publicações distorcem dados da plataforma VAERS, do Centro de Controle de Doenças dos EUA (CDC), que monitora a ocorrência de efeitos adversos para possíveis investigações das autoridades sanitárias. Leitores solicitaram a checagem deste conteúdo pelo WhatsApp do Estadão Verifica, 11 97683-7490.
Ao Estadão Verifica, o órgão americano informou por e-mail: "Até o momento, o CDC não recebeu nenhuma confirmação de mortes relacionadas a vacinas contra a covid-19. Até o momento, o VAERS não mostrou nenhum padrão de eventos adversos ou de mortes que pudesse levantar questões de segurança com relação a vacinas contra a covid-19."
Esta checagem foi feita com informações científicas e dados oficiais sobre o novo coronavírus e a covid-19 disponíveis no dia 4 de março de 2021.
As postagens enganosas, que já foram compartilhadas ao menos 4,5 mil vezes no Facebook, divulgam um vídeo da ex-jogadora de vôlei Ana Paula Henkel durante o programa Os Pingos nos Is, da rádio Jovem Pan, em 25 de fevereiro. A tarja original do programa dizia "Bolsonaro pode vetar responsabilização", mas foi alterada nas redes para reforçar a mensagem enganosa: "501 pessoas morreram após tomar a vacina contra covid".
Ana Paula Henkel cita dados da plataforma VAERS (Sistema de Relatório para Eventos Adversos de Vacinas, em tradução livre) e diz que "estamos vivendo uma roleta russa", sugerindo risco grande de morrer em decorrência da vacinação.
A VAERS é uma ferramenta do governo americano para monitorar e compreender a ocorrência de efeitos adversos de vacinas. Qualquer pessoa pode entrar na plataforma e fazer notificação sobre algum efeito adverso leve ou grave que tenha se apresentado após tomar uma vacina. Os cientistas do CDC acompanham a plataforma para encontrar dados que fujam do padrão esperado. Se um determinado efeito adverso apresenta incidência acima do normal ou se há o surgimento de um efeito adverso até então desconhecido, as autoridades sanitárias entram em ação para investigar prontuários médicos, autópsias e certificados de óbito para averiguar se há alguma relação causal com a vacina.
Todo ano, a VAERS recebe cerca de 30 mil relatos, e a maioria descreve efeitos adversos leves e conhecidos, como febre, segundo explica o CDC. Mas, enquanto os pesquisadores não fazem a investigação, é enganoso dizer que os efeitos adversos ou até mesmo as mortes tenham sido causados pelas vacinas. Elas podem simplesmente ter uma relação temporal e não causal, isto é, aconteceram um tempo após a vacinação, mas não foram causadas pela imunização.
"Eventos adversos são problemas de saúde que acontecem após uma vacinação e que podem ou não ser causados pelo imunizante. Por definição, um efeito colateral é aquele que foi relacionado a uma vacina por meio de estudos científicos", salienta o CDC.
Como o Estadão Verifica já mostrou, as vacinas passam por testes clínicos com milhares de voluntários até que recebam autorização para serem aplicadas na população. Mesmo assim, após a aprovação, há uma quarta etapa, que envolve monitorar a população para ver se há ocorrência de efeitos colaterais extremamente raros. "Mesmo testes clínicos com dezenas de milhares de voluntários não são suficientes para identificar efeitos colaterais extremamente raros, como aqueles que ocorrem em uma pessoa a cada um milhão de vacinados", diz o CDC.
O órgão lista as principais limitações da plataforma VAERS:
- Geralmente não é possível saber, pelos dados do VAERS, se uma vacina causou o evento adverso;
- Relatórios submetidos ao VAERS geralmente carecem de detalhamento e podem conter erros;
- Eventos adversos sérios tendem a ser mais notificados do que efeitos colaterais leves;
- A quantidade de relatos feitos pode aumentar em resposta à atenção midiática de um tema ou com a conscientização da população;
- Não é possível utilizar os dados do VAERS para calcular a incidência de um efeito adverso em uma população.
O que a FDA diz sobre as vacinas
A Food and Drugs Administration (FDA) é o órgão regulador de saúde dos Estados Unidos, o equivalente à brasileira Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). Ela define a aprovação para uso emergencial como uma medida necessária em certos casos de emergência sanitária para diminuir o tempo necessário para aprovação de medicamentos ou vacinas.
Para isso, a FDA analisa todos os dados provenientes de estudos disponíveis até o momento e compara os benefícios conhecidos contra os riscos conhecidos. Se os benefícios são maiores do que os riscos, a autorização é concedida enquanto durar a emergência de saúde pública ou até os fabricantes conseguirem a autorização definitiva.
A FDA já deu aval para o uso emergencial, na população dos Estados Unidos com 16 anos de idade ou mais, das vacinas da Pfizer-BioNTech (em 11 de dezembro de 2020), Moderna (em 18 de dezembro de 2020) e Janssen (em 27 de fevereiro de 2021). O órgão regulador diz em seu site que a autorização foi concedida com base em dados de segurança e eficácia obtidos em testes clínicos com "dezenas de milhares de participantes".
Para receber uma autorização emergencial, as vacinas precisam cumprir quatro aspectos:
- O vírus que elas combatem pode causar ameaça séria à vida;
- Baseando-se na totalidade de evidência científica disponível, incluindo-se dados de testes clínicos controlados e adequados, é razoável acreditar que a vacina seja capaz de prevenir a covid-19;
- Os potenciais benefícios conhecidos da vacina superam os seus riscos conhecidos;
- Não há outros medicamentos eficazes e aprovados para tratamento ou prevenção da covid-19.
Após a aprovação de uso emergencial, os laboratórios continuam monitorando os voluntários dos testes para complementar os dados de segurança e eficácia. O próximo passo então é pedir a autorização definitiva dos imunizantes.
Nos Estados Unidos, o Politifact identificou versões do boato sobre dados do VAERS em grupos antivacina. No Brasil, ele também foi publicado pelo blog Crítica Nacional -- que já foi alvo de checagens anteriores do Estadão Verifica.
A reportagem entrou em contato com o Crítica Nacional e com a Jovem Pan, mas não obteve resposta até a publicação desta checagem. O espaço está aberto para manifestação.
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