Postagem engana ao sugerir que Lula vai lotear terras da Amazônia para Macron

Ao lado do colega francês, presidente falou em explorar em conjunto com outros países biodiversidade da floresta; petista destaca que isso não significa abrir mão da soberania do País

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Por Bernardo Costa
Atualização:

O que estão compartilhando: vídeo em que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva diz, em encontro presidente da França, Emmanuel Macron, que quer compartilhar com o mundo a exploração e a pesquisa da biodiversidade brasileira. A postagem insere na tela a frase: “É isso? Lula vai lotear terras do Amazonas para Macron?”.

O Estadão Verifica apurou e concluiu que: é enganoso. Ao sugerir que Lula estaria “loteando” a Amazônia para estrangeiros, a postagem distorce declaração do presidente sobre proposta de exploração conjunta com outros países da biodiversidade da floresta. A iniciativa vem sendo defendida por Lula desde a campanha à Presidência. Ao mencioná-la, o presidente costuma destacar que isso não significa que o País vai abrir mão da soberania nacional na Amazônia.

Captura de tela da postagem verificada Foto: Reprodução/Facebook

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Saiba mais: O vídeo investigado exibe declarações de Lula e do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL). Ele diz: “O senhor Macron queria que eu, ele, ao lado do Raoni, viesse a anunciar decisões para nossa questão ambiental. Dei-lhe um rotundo ‘não’”. Neste momento, lê-se no vídeo: “Veja a diferença. Bolsonaro coloca Macron em seu devido lugar: ‘Não tem autoridade para discutir desmatamento’”. Ao longo de todo o vídeo, a seguinte frase aparece na parte superior: “estou pensando em comprar um lote de terra na Amazônia pra mim. Agora nesse governo está fácil, né?”.

A declaração de Lula utilizada no vídeo foi feita no dia 26 de março, em solenidade na Ilha do Combu, em Belém, no Pará. Na ocasião, Macron entregou a Ordem Nacional da Legião de Honra, a mais alta honraria do governo da França, ao líder indígena cacique Raoni Mekuktire. Durante solenidade, Lula declarou: “Nós não queremos transformar a Amazônia num santuário da humanidade. O que nós queremos é compartilhar com o mundo a exploração e a pesquisa da nossa riqueza de biodiversidade, das nossas riquezas aqui, mas que os indígenas possam participar de tudo que for usufruído da terra que eles moram”.

A declaração é semelhante a outras que Lula vem fazendo desde a campanha à Presidência da República, em 2022. Em diversas ocasiões, Lula afirmou que a proposta de preservação e exploração conjunta com outros países da biodiversidade da Amazônia não implica em abrir mão da soberania nacional sobre o território. Veja exemplos abaixo.

2022: encontro com deputados europeus

Em agosto de 2022, durante reunião com deputados europeus, Lula disse, ainda como candidato: “A gente não quer transformar a Amazônia em santuário da humanidade, mas explorar o que a biodiversidade possa oferecer”.

No evento, Lula defendeu que da biodiversidade da Amazônia se possa extrair riqueza suficiente para sustentar quase 30 milhões de brasileiros que moram na região. E afirmou: “O Brasil pretende construir parcerias com outros países para que a gente possa dizer, embora o Brasil seja dono do território da Amazônia, a Amazônia é de interesse de sobrevivência da humanidade e, portanto, todos têm responsabilidade para ajudar a cuidar da Amazônia”, declarou.

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2023: entrevista à EBC e a jornalistas em Bruxelas

Ao programa “A Voz do Brasil”, da EBC, Lula declarou novamente, em abril de 2023, que não quer manter a Amazônia como um santuário da humanidade, mas sim explorar da forma mais inteligente possível o que nela pode ser transformado em riqueza para o País. Lula manifestou que quer atrair a participação do mundo inteiro para a preservação, estudo e exploração consciente da biodiversidade da floresta. “Embora o Brasil seja dono soberano do território da Amazônia, nós temos que abrir a Amazônia para a ciência do mundo inteiro ajudar a pesquisar”, disse o presidente.

Três meses depois, em Bruxelas, na Bélgica, onde participou de encontro da União Europeia (UE) e da Comunidade de Estados Latino-Americanos e Caribenhos (Celac), Lula reiterou “que a Amazônia é um território soberano do Brasil”. E, mais uma vez, repetiu os planos para a exploração conjunta da floresta: “O Brasil não quer transformar Amazônia no santuário da humanidade. Nós queremos transformar num centro de desenvolvimento, queremos compartilhar a exploração científica com o mundo que quer participar. Porque nós achamos que é possível extrair do ecossistema da Amazônia e da riqueza da biodiversidade.”

2024: declaração após sair de encontro com Joe Biden

Um mês antes do encontro com Macron no Brasil, Lula declarou a jornalistas, após sair de encontro com o presidente norte-americano, Joe Biden, na Casa Branca, que o Brasil tem soberania sobre o território da Amazônia e não quer abrir mão disso. Mas que quer “compartilhar com a ciência do mundo inteiro um estudo profundo sobre a necessidade da manutenção da Amazônia”, e que se possa “extrair da riqueza da biodiversidade da Amazônia algo que possa significar a melhoria da qualidade de vida das pessoas que moram lá”.

Bolsonaro: ampliação de áreas de proteção dificulta progresso do País

O vídeo com a fala de Bolsonaro que consta na postagem verificada se refere a um café da manhã do ex-presidente com cerca de 130 deputados e senadores da Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA), em julho de 2019. Na ocasião, Bolsonaro disse que líderes estrangeiros influenciavam, no passado, a demarcação de terras indígenas e quilombolas no Brasil e a ampliação de áreas de preservação ambiental, o que, de acordo com o ex-presidente, dificultava o progresso do País.

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No evento, Bolsonaro fez menção a encontro com líderes europeus, em especial Macron e Angela Merkel, ex-chanceler da Alemanha, na reunião da cúpula do G20, em Osaka, no Japão. Os trechos abaixo, ditos por Bolsonaro, são os que constam na postagem verificada:

- “Achavam que estavam tratando com governos anteriores, que após reuniões com essa, vinham para cá e demarcavam dezenas de áreas indígenas, demarcavam quilombolas, ampliavam áreas de proteção, ou seja, dificultavam cada vez mais o nosso progresso aqui no Brasil”.

- “O senhor Macron queria que eu, ele, ao lado do Raoni, viesse a anunciar decisões para a nossa questão ambiental. Dei-lhe um rotundo ‘não’. Não reconheço o Raoni como autoridade aqui no Brasil. Ele é um cidadão, como outro qualquer que nós devemos respeito e consideração. Mas, estar ao meu lado para tomar decisão pelo nosso Brasil, ele não é autoridade”.

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- “Convidei, inclusive, ele e Angela Merkel a sobrevoar a Amazônia. Se encontrassem, num espaço, entre Boa Vista e Manaus, um quilômetro quadrado de desmatamento, eu concordaria com eles. Como sobrevoei a Europa por duas vezes, eu também lhes disse que não encontrei um quilômetro quadrado de floresta naquela região”.

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