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Vídeo mostra canaleta de drenagem, não canal da Transposição sem água na Paraíba

Imagens foram feitas em estação de bombeamento perto de Sertânia, em Pernambuco, última cidade onde as águas do Velho Chico passam antes de chegar à Paraíba

Por Clarissa Pacheco
Atualização:

O que estão compartilhando: que o governo de Luiz Inácio Lula da Silva secou o canal da Transposição do Rio São Francisco que leva água para a Paraíba depois de ele ter já sido inaugurado.

O Estadão Verifica investigou e concluiu que: é falso. O vídeo não mostra um canal usado para levar água da Transposição do São Francisco para a Paraíba, e sim uma canaleta de drenagem de água da chuva que fica, normalmente, na lateral dos canais. O vídeo foi postado em uma página de apoio ao ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), e o autor do vídeo não informa onde fez a gravação, mas o Estadão Verifica apurou que ele fica na região de Sertânia (PE), num trecho inaugurado em março de 2017 pelo ex-presidente Michel Temer (MDB).

 Foto: Reprodução

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Saiba mais: Desde o inicio do terceiro mandato, Lula tem sido apontado em dezenas de postagens nas redes sociais como o responsável por desligar as bombas da transposição do Rio São Francisco, deixar os canais secarem e obrigar a população do Nordeste a voltar a depender de carros-pipa durante períodos de seca ou estiagem.

Não raro, os comentários sobre as postagens feitas por perfis bolsonaristas afirmam que o povo nordestino merece sofrer com a seca por ter votado em ampla maioria pela eleição do petista. Boa parte dos vídeos virais distorcia informações ou as descontextualizava, atribuindo ao atual governo o problema em uma estação de bombeamento que surgiu ainda no governo Bolsonaro. Mas este não é o caso do vídeo aqui investigado.

Autor do vídeo filmou uma vala

Diferentemente dos vídeos que mostravam canais da Transposição e descontextualizavam informações, o autor do conteúdo aqui investigado sequer mostrou um canal do Projeto de Integração do São Francisco (PISF) – o nome oficial da Transposição – na hora de acusar o governo de deixar a população sem água. O que aparece na imagem é uma estrutura muito menor, uma espécie de canaleta ou vala para escoar a água da chuva. Canaletas assim são muito comuns não só na Transposição, como em rodovias.

Canaletas de drenagem aparecem ao longo dos canais da Transposição do São Francisco Foto: Reprodução/Google Earth Pro

O Ministério da Integração e Desenvolvimento Regional (MIDR), responsável pela Transposição do São Francisco, disse ao Verifica que não era possível identificar o local apenas pela imagem, já que os dois eixos (Norte e Leste) possuem cerca de 477 quilômetros de canais. Mas, mesmo assim, observou que o que aparece no vídeo não é um canal usado para levar água do São Francisco.

“Os canais do PISF foram projetados para suportar juntos o transporte de uma vazão máxima de 127 m³/s, sendo a vazão máxima de 99 m³/s pelo Eixo Norte e 28 m³/s pelo Eixo Leste, resultando em dimensões consideravelmente superiores às apresentadas no vídeo”, diz o MIDR, em nota.

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Para fins de comparação, o Manual de Drenagem de Rodovias, publicação em 2006 pelo Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (DNIT) aponta que a velocidade máxima da água em valetas de drenagem superficial usadas em rodovias é de 4,5 m/s. “Assim, podemos afirmar que não se trata de canais de adução de água do PISF. Possivelmente o que é mostrado no vídeo corresponde a canais de drenagem utilizados para o escoamento das águas da chuva”, completa o MIDR.

O Verifica também consultou o engenheiro Paulo Henrique Carvalho, que trabalhou nas obras do Eixo Leste da Transposição, e ele foi enfático ao afirmar que o que aparece no vídeo não é um canal usado para transporte das águas do São Francisco: “Essa é uma canaleta de drenagem para proteger o canal. As áreas externas do canal são contempladas com canaletas de drenagem para preservar o canal das águas da chuva”, explicou Carvalho. Ele não soube precisar o local das imagens, mas confirmou ser no Eixo Leste.

A Companhia de Desenvolvimento dos Vales do São Francisco e do Parnaíba (Codevasf) também declarou que o vídeo mostra uma canaleta de drenagem externa para coleta de água da chuva.

Estação de bombeamento perto de Sertânia

Apesar de o autor do vídeo não informar onde as imagens foram feitas – apenas diz que já tinha publicado uma foto antes, de um canal sem água, e que tinha sido chamado de “mentiroso” – há alguns poucos elementos que ajudam a localizar onde o vídeo foi feito: próximo de onde o autor do vídeo está, é possível ver postes de energia elétrica e pelo menos um poste de alta tensão – isso indica que, além de haver uma região com iluminação pública, há, possivelmente, uma subestação de geração de energia elétrica.

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Em outra extremidade do vídeo, aparece uma pequena construção branca no alto em uma parte elevada do terreno e, ao fundo, uma espécie de morro. Também existe uma espécie de fileira de pedras margeando a canaleta de drenagem que aparece no vídeo. O Estadão Verifica usou três ferramentas para tentar encontrar o local: o Google Earth Pro, o Google Street View e o Bellingcat OpenStreetMap.

Com o Google Earth Pro, foram mapeados os pontos do Eixo Leste da Transposição onde havia subestações de energia da Transposição e, consequentemente, postes de alta tensão: eles foram encontrados próximos à Barragem de Itaparica (PE), pouco antes do reservatório Braúnas (PE), nas imediações dos canais em Custódia (PE) e após a Barragem Barreiros em Sertânia (PE), pouco antes de água chegar a Monteiro, na Paraíba.

O Estadão Verifica mapeou os pontos com postes de alta tensão ao longo dos canais do Eixo Leste da Transposição do Rio São Francisco Foto: Reprodução/Estadão Verifica

Em seguida, a ferramenta OpenStreetMap, do Bellingcat, foi utilizada para buscar coordenadas geográficas onde também fossem encontrados os elementos que aparecem no vídeo, como postes de eletricidade, uma pequena construção e, possivelmente, um curso d’água, já que o vídeo teria sido feito próximo a um canal da Transposição. A ferramenta, então, levou a um ponto próximo à Estação de Bombeamento Vertical 6 (EBV-6), na região de Sertânia, no Pernambuco.

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Com essa informação, o Verifica buscou por registros no Google Street View que pudessem mostrar o mesmo local. Foram localizadas diversos fotos publicadas a partir de 2016 em que aparecem a pequena construção branca, além dos postes de alta tensão da Subestação EBV-6. Um dos responsáveis por publicar uma foto do local também publicou um vídeo no YouTube em que passa ao lado do que chama de “casinha”, se referindo à EBV-6.

Os elementos também aparecem no vídeo publicado no Instagram por uma conta do estado de Alagoas, onde não há canais da Transposição. A Codevasf confirmou que o vídeo viral foi mesmo feito neste local, e identificou a construção branca que aparece na imagem como sendo a casa de comando de válvulas da estrutura de deságue da EBV-6.

Construção branca que aparece no vídeo viral é a casa de comando de válvulas da estrutura de deságue do Forebay de jusante da EBV-6. Ela aparece em uma foto publicada por um morador de Campina Grande (PB) em abril de 2017 Foto: Reprodução/Joselito Lima
No vídeo publicado no Instagram, é possível ver uma fileira de pedras rente à canaleta de drenagem, que também aparece em registro no Google Street View de 2017 Foto: Reprodução/Joselito Lima
Em um momento do vídeo viral, é possível que há um morro atrás da elevação onde foi construída a estação de controle da EBV-6. Ele também aparece em registro feito por internauta em abril de 2017 Foto: Reprodução/Joselito Lima

Sem problemas de abastecimento

O Ministério da Integração e Desenvolvimento Regional informou que as águas do São Francisco correm pelos canais do Eixo Leste da Transposição desde 2017 – em março daquele ano, a água chegou à Paraíba, na cidade de Monteiro. Já o Eixo Norte começou a receber água do rio em 2020, e em outubro de 2021, o sistema começou a encher a primeira estrutura do PISF na Paraíba, o que foi concluído em janeiro de 2022.

De acordo com a Codevasf, a região onde o vídeo viral foi feito não está desabastecida, apesar de um dos canais estar passando por manutenção, iniciada em 30 de junho de 2023, com previsão de conclusão em 1º de agosto. “Para possibilitar tal serviço, nesse período houve redução no volume de água que chega à Paraíba, de 3,0 m³/s para 1,0 m³/s, a fim de que não houvesse interrupção no fornecimento de água”, disse a Codevasf, em nota.

Já no Eixo Norte, um dos reservatórios mais importantes da Transposição, segundo o MIDR, fica justamente na Paraíba – é o Engenheiro Avidos, que está sendo recuperado desde junho de 2021 pelo Departamento Nacional de Obras Contra as Secas (DNOCS), com previsão de conclusão das obras em dezembro deste ano.

Em abril, o Verifica mostrou que a vazão de água no trecho Caiçara tinha sido reduzida para evitar que o reservatório Engenheiro Avidos transbordasse e alagasse as produções de ribeirinhos, já que a região enfrentava um período chuvoso.

Segundo o MIDR, não há desabastecimento na região beneficiada. “A barragem tem finalidades múltiplas, sendo a principal o abastecimento d’água do Município de Cajazeiras e o Distrito de Engenheiro Avidos, beneficiando 83.500 pessoas, e oferece suporte hídrico ao reservatório São Gonçalo, permitindo o uso da água para irrigação e o controle das cheias do Rio Piranhas. Após a conclusão da obra, a barragem terá capacidade de acumular até 255 milhões m³ de água”, diz nota.

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