PUBLICIDADE

‘Não é meu rei’: O que querem os britânicos que protestam contra a monarquia

Milhões de pessoas assistirão à coroação de Charles III pela TV e dezenas de milhares se reunirão nas ruas para celebrar, mas outros milhões planejam ignorar a cerimônia e fazer eventos alternativos

Foto do author Redação
Por Redação
Atualização:

LONDRES - Em seu caminho para ser coroado este sábado, 6, o rei Charles III viajará em uma carruagem dourada por ruas decoradas com bandeiras vermelhas, brancas e azuis do Reino Unido. No entanto, um grupo de manifestantes planeja se vestir de amarelo, para destoar das cores do evento e alcançar maio visibilidade, para protestar contra o novo rei.

PUBLICIDADE

O local para a reunião do grupo de mais de 1.500 pessoas não foi aleatório. Na intenção de enviar um alerta histórico a Charles III, os manifestantes vão se reunir na Trafalgar Square, onde está uma grande estátua de bronze do rei Charles I, o monarca do século 17 deposto pelo Parlamento e executado em 1649. Eles vão gritar “Não é meu rei” quando a procissão real passar.

“Tentaremos manter a atmosfera leve, mas nosso objetivo é torná-la impossível de ignorar”, disse Graham Smith, executivo-chefe do grupo antimonarquista Republic. A coroação, disse ele, é “uma celebração de uma instituição corrupta. E é uma celebração de um homem assumindo um emprego que não mereceu”.

Manifestantes aguardam a chegada do Rei Charles III e Camilla, a Rainha Consorte, para visitar a Biblioteca Central de Liverpool em 26 de abril Foto: Jon Super/AP

Os ativistas republicanos há muito lutam para criar impulso para acabar com a monarquia de 1.000 anos do Reino Unido. Mas eles veem a coroação como um momento de oportunidade.

A rainha Elizabeth II, que morreu em setembro após 70 anos no trono, era amplamente respeitada por sua longevidade e senso de dever. Charles é outra questão, um homem de 74 anos cujas rixas familiares e opiniões firmes sobre tudo, desde arquitetura até o meio ambiente, têm sido manchetes por décadas.

As pesquisas de opinião sugerem que a oposição e a apatia à monarquia estão crescendo. Em um estudo recente do Centro Nacional de Pesquisa Social, apenas 29% dos entrevistados consideram a monarquia “muito importante” – o nível mais baixo nos 40 anos de pesquisa do centro sobre o assunto. A oposição era maior entre os jovens.

“Acho que está definitivamente mudando”, disse Smith, cujo grupo quer substituir o monarca por um chefe de Estado eleito. “As pessoas ficam muito felizes em criticar Charles de uma maneira que não estavam necessariamente dispostas a fazer em público sobre a rainha.”

Publicidade

Milhões no Reino Unido assistirão às transmissões quando Charles for coroado na Abadia de Westminster. Dezenas de milhares estarão nas ruas e bairros de todo o país para celebrar.

Mas outros milhões ignorarão as cerimônias. Alguns participarão de eventos alternativos, incluindo um show em Glasgow da banda Scottish Sex Pistols, recuperando o espírito dos punks que cantaram “God save the queen, the fascist regime” durante o jubileu de prata da falecida rainha em 1977.

Graham Smith, do grupo de campanha Republic, fala durante uma entrevista em Londres, em 27 de abril Foto: Kin Cheung/AP

A Newington Green Meeting House de Londres, um local que há 300 anos é utilizado como encontro para dissidentes religiosos e radicais, está realizando uma “festa comunitária alternativa”, completa com comida, bebida e música “radical e republicana”.

O gerente geral, Nick Toner, disse que o evento é para pessoas que “não querem ficar sentadas assistindo a horas de filmagem de cerimônias, carruagens e infindáveis Union Jacks (em referência à bandeira do Reino Unido), talvez porque achem que é um desperdício de dinheiro dos contribuintes ou simplesmente um tédio.”

PUBLICIDADE

Enquanto a BBC, a emissora nacional de propriedade pública do Reino Unido, oferecerá cobertura total da coroação no sábado, o canal rival Channel 4 oferece uma programação alternativa, incluindo um musical sobre o príncipe Andrew caído em desgraça, a comédia irreverente “The Windsors” e o documentário “Farewell to the Monarquia” (Adeus à Monarquia).

Alguns argumentam que é grotesco gastar milhões em pompa e ostentação em meio a uma crise do custo de vida que trouxe uma inflação de 10%, levou milhares a assistência alimentar e desencadeou meses de greves de enfermeiras, professores e outros trabalhadores em busca de salários mais altos.

Uma anti-monarquista vestindo uma camiseta 'Não é meu rei' se junta aos fãs reais acampados na rota da procissão perto do Palácio de Buckingham, no centro de Londres, em 5 de maio de 2023 Foto: Loic Venance/AFP

Mesmo a cerimônia enxuta de Charles - com cerca de 2.000 convidados em vez dos 8.000 que compareceram à coroação da rainha em 1953 - carrega um alto preço para os contribuintes britânicos. O custo total não será conhecido até mais tarde, mas a coroação de Elizabeth em 1953 custou 912.000 libras, o equivalente a 20,5 milhões de libras (R$128 milhões) hoje.

Publicidade

O vice-primeiro-ministro Oliver Dowden, que ajuda a supervisionar os arranjos da coroação, argumentou que “as pessoas não gostariam de economizar” em um “momento maravilhoso de nossa história”. Os defensores da coroação argumentam que as comemorações serão um impulso para a marca Reino Unido, atraindo turistas e estimulando as vendas.

Nem todos estão convencidos.

“Eu discordo disso”, disse Philippa Higgins, uma recepcionista de 24 anos em Londres. “Eu só acho que parece um pouco estúpido ter algo extravagante agora quando temos tantas pessoas lutando. Mas algumas pessoas argumentam que é a tradição, suponho.”

A oposição à coroação é especialmente forte na Escócia e no País de Gales, onde alguns nacionalistas pró-independência veem a monarquia como parte do Estado do Reino Unido que desejam deixar.

Alguns nacionalistas escoceses se opõem ao envio da Pedra do Destino - um pedaço de arenito de 125 quilos ligado a monarcas escoceses e ingleses - de Edimburgo a Londres para ocupar seu lugar tradicional sob a cadeira de coroação. A icônica rocha, um símbolo da nacionalidade escocesa tomada por um rei inglês no século 13 e não devolvida até 1996, teve que ser transferida para a Abadia de Westminster em segredo e sob forte esquema de segurança.

Manifestantes seguram uma placa com os dizeres "Não é meu rei" durante visita de Charles III e Camilla, rainha consorte, em Liverpool Foto: Paul Ellis/AFP

Charles deseja ser visto como um monarca moderno, e o Palácio de Buckingham adaptou algumas das tradições antigas da coroação para o século XXI. Sua coroação será a primeira a contar com contribuições de líderes budistas, hindus, judeus, muçulmanos e sikhs, e a primeira a incluir bispas.

Ainda assim, uma sugestão da Igreja da Inglaterra de que as pessoas que assistirão à coroação pela TV jurem lealdade ao rei de seus sofás atingiu alguns.

Publicidade

Charles é monarca de 14 ex-colônias britânicas, bem como do Reino Unido, e o rei tratou provisoriamente do legado do império. Ele apoia a pesquisa sobre os vínculos da monarquia com o comércio transatlântico de escravos e, no ano passado, expressou “tristeza pessoal” pelo sofrimento causado pela escravidão – embora não tenha chegado a pedir desculpas.

O número de reinos de Charles provavelmente diminuirá durante seu reinado. Barbados se tornou uma república em 2021 e a Jamaica planeja fazer o mesmo. O primeiro-ministro da Nova Zelândia, Chris Hipkins, disse esta semana que deseja que seu país abandone a coroa, embora tenha acrescentado que não é uma prioridade.

Craig Prescott, um especialista em direito constitucional da Universidade de Bangor, no País de Gales, diz que no Reino Unido, a monarquia provavelmente está segura por enquanto devido à tendência de “confundir” e gradualmente adaptar sua política e constituição aos tempos de mudança.

“Claramente, se você fosse começar do zero, provavelmente nunca escolheria uma família e diria: ‘Eles vão fornecer um chefe de Estado para sempre’”, disse ele. Mas o arranjo geralmente funciona, e abolir a coroa “não está no horizonte de nenhum partido político”.

Ainda assim, ele vê perigo à frente se uma geração jovem que suportou anos de austeridade, pandemia e aperto econômico continuar lutando. “Se a monarquia representa o status quo, o status quo não é necessariamente bom, em termos geracionais”, disse Prescott. “Se isso continuar, pode ser um problema para muitas instituições nacionais daqui a 20 ou 30 anos.”/AP

Comentários

Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.