Por que o Brasil não é o país do ano da Economist em 2023?

O Brasil empossou um presidente de centro-esquerda, Luiz Inácio Lula da Silva, após quatro anos do populismo mentiroso de Jair Bolsonaro, mas o registro impressionante do Brasil foi manchado, contudo, pelo hábito de Lula de se aconchegar com Putin e com o déspota venezuelano, Nicolás Maduro

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Por The Economist

Historiadores não considerarão 2023 um ano feliz para a humanidade. Guerras rugiram, regimes autocráticos jactaram-se e em muitos países homens-fortes desprezaram leis e tolheram liberdades. É este o nefasto cenário do nosso prêmio anual “país do ano”. Se nossa premiação laureasse resiliência de pessoas comuns em face ao horror, haveria uma profusão de candidatos, dos palestinos e israelenses em seu amargo conflito aos sudaneses que fogem de seu país que implode.

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Mas desde que começamos a premiar o país do ano, em 2013, nós buscamos dar reconhecimento a algo diferente: o lugar que mais melhorou. A busca por um foco de brilho em um mundo obscuro levou alguns membros da nossa equipe a se desesperar e propor a Barbie Land, a utopia ficcional em tons de rosa de um sucesso de Hollywood. Mas na vida real dois conjuntos de países merecem reconhecimento em 2023.

O primeiro inclui lugares que resistiram a vizinhos autocráticos e intimidadores. É impossível afirmar que a vida melhorou na Ucrânia, mas o país continuou valentemente sua luta contra a máquina de guerra de Vladimir Putin apesar da oscilação de seus apoiadores ocidentais. A Moldávia resistiu à intimidação russa. A Finlândia se juntou à aliança da Otan, e a Suécia logo aderirá.

O presidente da Ucrânia, Volodimir Zelenski, conversa com o presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, e o primeiro-ministro do Reino Unido, Rishi Sunak, no Fórum anual da Otan, em Vilna, Lituânia  Foto: Doug Mills/ NYT

Na Ásia, vários países mantiveram a calma em face à agressão chinesa, colaborando com frequência com os Estados Unidos. As Filipinas defenderam suas fronteiras marítimas — e o direito do mar — contra barcos chineses muito maiores. Em agosto, Japão e Coreia do Sul colocaram de lado agravos históricos para aprofundar a cooperação. O Estado insular de Tuvalu, com 11 mil habitantes, acaba de assinar um tratado com a Austrália que protege sua população contra a mudança climática e inclui uma garantia de segurança para evitar que o país seja subjugado pela China.

Democracia

Nosso segundo grupo de países defendeu a democracia e valores liberais domesticamente. A frágil e castigada pela guerra Libéria conseguiu realizar uma transferência pacífica de poder. Assim como Timor-Leste, que manteve sua reputação de respeito aos direitos humanos e liberdade de imprensa. Em alguns países de tamanho médio, como Tailândia e Turquia, a esperança tremeluziu conforme a oposição se esforçou arduamente para ejetar regimes autocráticos, que se mantiveram em eleições enviesadas ao seu favor.

Três países sobressaem-se por retornar à moderação depois de saracotear pelo mau caminho. O Brasil empossou um presidente de centro-esquerda, Luiz Inácio Lula da Silva, após quatro anos do populismo mentiroso de Jair Bolsonaro, que espalhou teorias conspiratórias, paparicou policiais matadores, apoiou fazendeiros que incendeiam florestas, recusou-se a aceitar a derrota eleitoral e encorajou seus devotos a tentar uma insurreição. O novo governo restaurou a normalidade rapidamente — e reduziu em cerca de 50% o ritmo do desmatamento da Amazônia. O registro impressionante do Brasil foi manchado, contudo, pelo hábito de Lula de se aconchegar com Putin e com o déspota venezuelano, Nicolás Maduro. Como resultado, o Brasil perdeu o prêmio.

O ditador da Venezuela, Nicolas Maduro, conversa com o presidente do Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva, em Brasília, Brasil  Foto: Ueslei Marcelino / REUTERS

A Polônia teve um 2023 notável: sua economia resistiu ao choque da guerra ao lado; o país continuou a abrigar aproximadamente 1 milhão de refugiados ucranianos; e, para dissuadir a Rússia, elevou seu gasto em defesa para mais de 3% do PIB, dando aos seus avarentos parceiros de Otan um exemplo a emular. O maior problema da Polônia vinha sendo o domínio do partido populista-nacionalista Lei e Justiça (PIS), que geriu o governo ao longo os oito últimos anos erodindo a independência do Judiciário, recheando de lacaios os meios de comunicações estatais e cultivando um capitalismo de compadrio. Mas em outubro os eleitores expulsaram o PIS votando a favor de uma gama de partidos opositores. Se o novo governo de coalizão que se inicia liderado por Donald Tusk, um centrista veterano, fizer um bom trabalho em consertar o estrago provocado pelo PIS às instituições democráticas, a Polônia será uma forte candidata ao nosso prêmio no ano que vem.

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Resta a nossa vencedora, a Grécia. Dez anos atrás, o país estava paralisado por uma crise de dívida e era ridicularizado em Wall Street. Os salários tinham despencado, o contrato social se esgarçava, e partidos extremistas da esquerda e da direita perdiam as estribeiras. O governo ficou tão desesperado que se aproximou da China e posteriormente vendeu seu maior porto, do Pireu, para uma empresa chinesa. Atualmente, a Grécia está longe da perfeição. Um acidente ferroviário, em fevereiro, expôs corrupção e infraestrutura ruim; um escândalo de grampos telefônicos e maus-tratos a imigrantes sugerem que liberdades civis podem ser melhoradas.

Mas após anos de dolorosa reestruturação, a Grécia atingiu o topo do nosso ranking de economias do mundo rico em 2023. Seu governo de centro-direita foi reeleito em junho. Sua política externa é pró-EUA, pró-UE e avessa à Rússia. A Grécia mostra que à beira do abismo é possível realizar reformas econômicas duras e sensatas, reerguer o contrato social, exibir um patriotismo moderado — e ainda assim vencer eleições. Com metade do mundo votando em 2024, democratas de todas as partes deveriam prestar atenção. / TRADUÇÃO DE GUILHERME RUSSO

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