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Como Sean Ono Lennon ajudou os pais, John e Yoko, a disseminar uma mensagem

Para manter o legado deles relevante para uma nova geração, ele trabalhou no curta-metragem ‘War Is Over! Inspired by the Music of John & Yoko’, e ganhou um Oscar por isso

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Por Ben Sisario (The New York Times)

THE NEW YORK TIMES - LIFE/STYLE — Três anos atrás, Sean Ono Lennon foi convidado a desenvolver um videoclipe para o 50º aniversário de Happy Xmas (War Is Over), a canção de protesto que seus pais, John Lennon e Yoko Ono, lançaram em 1971 e que se tornou um clássico atemporal – uma calorosa canção natalina que também funciona como um hino antiguerra, dizendo às pessoas comuns que podemos alcançar a paz, “se você quiser”.

Mas Lennon, 48 anos, não estava interessado em fazer um simples videoclipe. “Parecia desnecessário” para uma canção tão conhecida, ele disse numa entrevista recente. O que mais o intrigava era a possibilidade de ampliar a mensagem da música por meio de um filme narrativo. Depois de cerca de dois anos de trabalho, esse projeto virou War Is Over! Inspired by the Music of John & Yoko, dirigido por Dave Mullins, vencedor do Oscar de melhor curta de animação.

O filme de 11 minutos se passa numa zona de batalha que lembra a Primeira Guerra Mundial, onde dois soldados de lados opostos jogam um jogo de xadrez secreto, comunicando seus movimentos por meio de um pombo-correio que desvia de bombas ao voar sobre uma Terra de Ninguém coberta pela neve. No clímax da história, ambos os exércitos recebem ordens para se lançarem a um sangrento combate corpo a corpo enquanto ressoam os versos iniciais da música de John e Yoko: “Então é Natal / E o que você fez?”

Cena do curta animado, que foi inspirado na música de protesto de 1971 'Happy Xmas (War Is Over)' Foto: ElectroLeague/Divulgação

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Para Sean Lennon, que nos últimos anos vem assumindo a responsabilidade de administrar o legado artístico dos pais – sua mãe, hoje aos 91 anos, aposentou-se oficialmente –, o filme faz parte de um processo contínuo para manter sua obra relevante para as gerações mais jovens. Ele sabe muito bem que mesmo um clássico de um Beatle pode desaparecer se não for bem cuidado.

“Não se trata de lucrar com o passado”, disse Lennon por telefone. “Você está competindo com gerações que não cresceram com a mesma arte e a mesma cultura que eram comuns para maioria das pessoas da minha idade ou ainda mais velhas. Então, para mim, é muito importante que essa mensagem de paz e amor não seja esquecida”.

“O que não quero”, acrescentou, “é que o trabalho da minha mãe e do meu pai desapareça nas areias do tempo”.

O filme foi feito com a ajuda de algumas forças substanciais. Mullins foi por muitos anos animador na Pixar e, em 2021, se juntou a Brad Booker, o produtor do filme, numa nova produtora, a ElectroLeague; War Is Over é seu primeiro projeto concluído. A trilha sonora é de Thomas Newman, compositor indicado ao Oscar cujos créditos incluem Um Sonho de Liberdade e Wall-E. Lennon e Ono estão entre os produtores executivos.

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Lennon conheceu Mullins por meio de um amigo em comum e, no primeiro encontro, eles criaram o conceito básico do cenário de guerra, do jogo de xadrez e do pombo mensageiro. Mullins disse que escreveu o roteiro completo logo depois. (Lennon e Mullins aparecem como responsáveis pelo argumento do filme, mas Mullins é o único que assina o roteiro).

Lennon conheceu o diretor Peter Jackson por causa de The Beatles: Get Back, sua odisseia em três partes e quase oito horas sobre as conturbadas sessões de gravação da banda no início de 1969, e Lennon lhe pediu conselhos sobre War Is Over. Mullins lembrou que, durante um jantar com Lennon em março de 2022, ele ficou atordoado ao ver que Lennon estava trocando mensagens de texto com Jackson, seu celular emitindo um assobio a cada mensagem que chegava.

“Meu coração ficou batendo a mil por hora”, lembrou Mullins. “Oh, meu Deus, Peter Jackson está com o nosso roteiro!”

A Weta FX, empresa de efeitos visuais de Jackson, cuidou da animação de War Is Over, embora o próprio Jackson não tenha participado do projeto. Por e-mail, ele disse que só viu o filme depois de concluído.

“Estou genuinamente orgulhoso de ter cumprido um pequeno papel para dar vida a esse curta”, disse Jackson. “É divertido e encantador – e celebra a humanidade, mas sem pregação.”

“Não se trata de lucrar com o passado”, disse Lennon sobre o projeto. Os alvos são “gerações que não cresceram com a mesma arte e a mesma cultura que eram comuns para maioria das pessoas da minha idade ou ainda mais velhas” Foto: ElectroLeague/Divulgação

O filme foi criado com Unreal Engine, plataforma originalmente desenvolvida para videogames pela empresa por trás do jogo Fortnite. O processo de animação envolveu captura de atuações: filmar atores de verdade, cujos movimentos depois se tornam matéria-prima para a animação por computador.

Boa parte do trabalho se concentrou no visual da animação, que, apesar de gerada por computador, tem um estilo de desenho feito à mão, com contornos que lembram esboços a carvão.

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A produção de War Is Over começou antes do início da guerra na Ucrânia, e o Hamas atacou Israel no momento em que eles finalizavam o projeto. Mas Lennon disse que o objetivo sempre foi criar uma história mais universal.

“Tentamos abstrair a estética da Primeira Guerra Mundial numa espécie de dimensão paralela, que não era especificamente aquela guerra”, disse ele.

Peter Jackson deu conselhos a Lennon sobre o curta. 'Sean foi inflexível na nossa primeira conversa, ele não queria que o filme se passasse numa guerra identificável', disse Foto: ElectroLeague/Divulgação

No filme, os dois exércitos usam insígnias com desenhos geométricos opostos: os símbolos de um lado são arredondados e os do outro, angulares. As cenas de batalha mostram soldados de múltiplas raças e etnias, representando toda a humanidade.

“Sean foi inflexível na nossa primeira conversa, ele não queria que o filme se passasse numa guerra identificável”, lembrou Jackson. “Ele queria que o foco fosse a mensagem da música, que as coisas não se turvassem com britânicos guerreando contra alemães ou americanos contra vietnamitas”.

Essa mensagem – e a forma como era transmitida – foi fundamental para o trabalho de John Lennon e Yoko Ono. Antes de ‘War Is Over’ ser uma música, ela fazia parte de uma série de protestos pela paz que o casal promoveu de várias maneiras ao longo de 1969, entre elas os chamados Bed-ins for Peace [algo como “na cama para a paz”, em tradução livre]. Em dezembro daquele ano, eles colocaram outdoors em 12 grandes cidades do mundo todo, com variações em preto e branco da mensagem “A guerra acabou! Se você quiser – Feliz Natal de John e Yoko.”

Talvez tenha sido um dos primeiros exemplos de uma campanha midiática de guerrilha, utilizando o poder das celebridades para transmitir uma mensagem subversiva.

“Acho que dá para sugerir”, disse Sean Lennon, “que minha mãe e meu pai inventaram os memes antes mesmo de esse termo existir”.

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'Fico muito grato por ela ter me dado a liberdade de tentar fazer coisas estranhas como esta', disse Lennon sobre a mãe, Yoko Foto: ElectroLeague/Divulgação

War Is Over é o mais recente projeto relacionado aos Beatles em que Lennon se envolveu. Ele foi um ponto de contato de Jackson em Get Back e no lançamento de Now and Then, a demo de John Lennon dos anos 1970, reformulada e lançada em novembro do ano passado como “a última música dos Beatles”.

Há mais de uma década, os Beatles, e cada um dos membros, são objeto de uma série de reedições, reembalagens e reexames de vários tipos – e isso ainda não acabou. No mês passado, foi anunciado que o diretor Sam Mendes faria quatro cinebiografias, uma para cada Beatle, previstas para 2027.

Lennon, que continua ativo na música – lançou seu último álbum, Asterisms, no mês passado – disse que via War Is Over como o tipo de projeto que lhe permitiu honrar o legado de seus pais, uma oportunidade proporcionada por sua mãe.

“Fico muito grato por ela ter me dado a liberdade de tentar fazer coisas estranhas como esta”, disse Lennon. “Você sabe, ela ainda é a rainha da família.”

Este artigo foi originalmente publicado no New York Times.

The New York Times Licensing Group - Todos os direitos reservados. É proibido todo tipo de reprodução sem autorização por escrito do The New York Times

/ TRADUÇÃO DE RENATO PRELORENTZOU

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