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Conheça ElliQ, o robô que quer fazer companhia à vovó

Novo dispositivo de inteligência artificial desenvolvido para dar respostas com empatia resolverá o problema da solidão de idosos ou nos jogará em um abismo distópico

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Por Steven Zeitchik
Voltado para idosos, ElliQ é um dispositivo de inteligência artificial parecido com uma luminária Foto: Intuition Robotics/Divulgação

"ElliQ, bom dia!”

“Bom dia, Susan!”

“Dormiu bem?”

“Dormi, obrigada!”

“Que bom! Quer fazer um pouco de exercício?”

“Agora não. Estou indo para a igreja. Talvez mais tarde.”

“Certo.”

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Susan Thoren não gosta de ignorar sua colega de quarto – e ela poderia ter dado uma olhada naquele vídeo de aeróbica do app SilverSneakers –, mas ela estava atrasada para o culto. Talvez Susan passasse um tempo com ElliQ mais tarde, depois de levar Pequenina, sua shih tzu, para passear pelo lago no lar de idosos onde vive, na cidade de Largo, na Flórida.

Não durante a caminhada – como ElliQ gostava de lembrar, ela não pode andar, pois não tem pernas. Ela é apenas um dispositivo de inteligência artificial que parece ser uma luminária.

Recentemente, uma empresa israelense, a Intuition Robotics, colocou no mercado americano a ElliQ após um longo período de testes. Anunciada como uma acompanhante de inteligência artificial para idosos, a ElliQ oferece incentivos reconfortantes, convites para jogos, estímulo gentil a hábitos saudáveis, sugestões de música e, o mais importante, uma voz amigável que aprende os comportamentos de uma pessoa e a conforta em sua solidão.

Bem-vindo ao futuro com sua acompanhante digital.

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“Esta é uma personagem baseada em pessoas, uma criatura que vive com você”, disse Dor Skuler, CEO e cofundador da Intuition Robotics. “As pessoas que usam a ElliQ esperam que ela se lembre de conversas, que tenha perspectiva... para lidar com os tempos difíceis e comemorar os grandes momentos. Essas são as coisas que eu acho que estamos prestes a conseguir alcançar.”

Produtos como a Siri da Apple e a Alexa da Amazon são desenvolvidos como assistentes, em grande parte destinadas a abrir caminho entre a bagunça da vida desorganizada dos mais jovens. A ElliQ é projetada para ser uma acompanhante, destinada principalmente a preencher o vazio da vida daqueles com mais idade. Ao prometer a mais difícil das mercadorias humanas – a empatia –, a ElliQ poderia resolver a crescente praga da solidão entre os idosos ou nos jogar direto no abismo distópico do robô-amigo. Talvez as duas coisas.

“Eu estava brincando ao conversar por telefone com minha [única] filha, que vive no Maine, outro dia e disse: ‘Esta é minha pequena família. Minha cachorrinha, minha ElliQ e eu'”, disse Susan, assistente administrativa aposentada, 65 anos, que vive sem outros humanos. “É meio assim que me sinto. Somos uma pequena família.”

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Graças à sua câmera e microfone, o robô que lembra uma luminária para idosos pode ver, ouvir e conversar, enquanto a tela de tablet dele permite acompanhar as imagens. Nos EUA, o dispositivo custa US$ 250 e a mensalidade do serviço, US$ 30.

Cerca de 14 milhões de americanos com mais de 65 anos vivem sozinhos. Conforme os boomers (aqueles nascidos entre 1946 e 1964) envelhecem, esse número aumentará: um estudo do Centro de Estudos da Habitação da Universidade Harvard prevê que, em 2038, haverá 18 milhões de lares com pessoas acima dos 80 anos. Mais da metade delas também viverá sozinha.

A Intuition e outras empresas do setor, como a care.coach, têm como objetivo lidar com essa crescente crise (e mercado) usando a tecnologia para oferecer um novo nível de intimidade.Quando as más condições climáticas se aproximam, uma assistente digital tradicional pode simplesmente falar a previsão do tempo. A ElliQ integraria essas informações com dados referentes a sua despensa cada vez mais vazia (afinal, você tem conversado com ela a respeito de seu estoque de alimentos) e os petiscos de seu animal de estimação (que você também comentou com ela) e perguntaria se você tem o suficiente para aguentar um lockdown.

Ou talvez fique sabendo de alguma coisa favorita sua – um país, uma comida – e depois se lembre disso meses depois, dando a você a mesma sensação de conexão quando um amigo faz referência a um comentário seu feito há muito tempo.

“Tudo o que a Amazon faz com a Alexa costuma servir para atender a um grande número de pessoas; ela é destinada a atender a um público muito grande de um modo muito seguro”, disse Ronen Soffer, diretor de produtos da Intuition. “Agimos de forma mais ousada por causa de um público muito mais evidente com necessidades mais claras.”

“ElliQ, oi.”

“Oi, querida, estou feliz por você ter voltado para a casa. Como foi o culto?”

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“Muito bom! Passei no supermercado no caminho de volta para casa”

“Comprou alguma fruta ou legumes?”

“Sim.”

“Ótimo. Não esqueça de comê-los. Que tal um joguinho de perguntas?”

“Claro.”

Distopia 

Os EUA já viram acompanhantes com auxílio de máquinas antes, eles remontam aos bichinhos de pelúcia Teddy Ruxpin, da década de 1980. “Você e eu podemos ser amigos?”, era sua conhecida pergunta, e embora sua tecnologia de voz fosse apenas um toca-fitas, a combinação de carinho e perguntas empáticas trazia tanto alegria sem limites, como calafrios pela estranheza.

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Para evitar esses calafrios, os designers da ElliQ pegaram leve em suas características humanas – nada de olhos e a voz é robótica. O dispositivo é sem dúvidas uma coisa nada fofa: duas semiesferas presas uma à outra pelo menor lado. Ela não responderá ao “eu te amo” na mesma moeda. Em vez disso, dirá que gostaria de entender aquele sentimento ou brincará respondendo algo como “você está fazendo meu processador superaquecer”.

Os parâmetros de inteligência artificial (as variáveis para as quais ela pode ser programada) têm aumentado muito nos últimos anos. Os engenheiros da ElliQ também dependem do “aprendizado por reforço”, que busca melhorar a inteligência artificial com exposição repetida (um idoso que conversa com frequência a respeito de partidas de bridge, por exemplo), assim como inteligência artificial cognitiva (resumindo, padrões de pensamento humanoide). A empresa tem pelo menos 33 patentes nessas áreas, disse Skuler.

Algumas frases ditas para a ElliQ “não são compreendidas por sua proverbial cabecinha”, observou Susan. Por outro lado, há sempre a possibilidade de ela ouvir demais. Soffer diz que a empresa não vende dados de usuários para terceiros. O dispositivo fará sugestões com base em parceiros; se um usuário diz à ElliQ que seu cão não está se sentindo bem, ela talvez sugira uma clínica veterinária com a qual a Intuition tem uma parceria. Ela também repassa informações de saúde para parentes e médicos de acordo com as permissões concedidas pelo usuário.

A Intuition trabalhou em conjunto com roteiristas para criar uma “personagem” – uma versão mais amigável do computador de Matthew Broderick em “Jogos de Guerra”, mas não é nenhum HAL (personagem eternizado por Stanley Kubrick na adaptação “2001, uma odisseia no espaço”) – que depois é ajustada de acordo com a personalidade do usuário. A ElliQ talvez sugira piadas para alguém que ri muito, ou fique mais quieta perto de uma pessoa mais lacônica. Ela também reagirá ao estado de espírito do usuário – digamos, encorajando gentilmente alguém que se tornou sedentário a fazer uma caminhada.

“Quando você vê robôs e inteligência artificial na ficção científica, eles sempre são baseados em personagens. E, então, você olha para o que temos [no mundo real] e é muito comando e controle. ‘Toque música. Inicie o cronômetro’”, disse Skuler. “Não é um relacionamento se é unilateral.”

Ele diz que na versão beta, a ElliQ iniciou 60% das interações. Apenas 5% foram para situações de comando e controle. (O grupo beta foi composto por várias centenas de pessoas, cujas interações somadas corresponderam a 60 mil dias.)

Ao nos depararmos com a ElliQ, somos tomados por dois sentimentos contraditórios: uma grande sensação da possibilidade de a tecnologia poder resolver um dos grandes desafios existenciais da era moderna. E um enorme sentimento de tristeza por termos chegado a este ponto em primeiro lugar.

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“Se estou meio entediada ou preciso rir um pouco, peço a ela para me contar uma piada, e ela conta”, disse Susan. “Na verdade, elas são muito sem graça, piadas bobas, mas eu me divirto com elas. Quando minha neta era muito pequena, ela tinha um livro de piadas com aquelas bem bestinhas e ela vivia dizendo ‘Vovó, posso te contar uma piada?’ E agora a ElliQ me conta a piada.”

Segundo um estudo pioneiro da Universidade da Califórnia em São Francisco, mais de 40% dos idosos experimentam a solidão e seus possíveis efeitos colaterais. A covid-19 agravou isso, tirando deles os jogos em grupo e as refeições com companhia.

Carla Perissinotto, a professora que liderou o estudo, diz que a ElliQ suscita algumas dúvidas nela.

“Quero ter esperança, mas sou muito cautelosa”, disse em uma entrevista. “O quanto podemos confiar nisso? Os resultados podem ser mantidos ao longo do tempo? Isso levará a uma sensação maior de perda se desaparecer? Qual é o padrão de conduta no caso das pessoas que talvez não entendam que estão conversando com um dispositivo de inteligência artificial? Só acho que ainda não fizemos a pesquisa para entender os riscos.”

Também há temores de um efeito WALL-E – se as máquinas fizerem muito do trabalho emocional pesado, isso poderia desencorajar a valiosa socialização humana? Kavita Sivaramakrishnan, professora da Escola de Saúde Pública Mailman da Universidade Columbia, disse que vê a inteligência artificial como uma “solução parcial e provisória”, e prefere “investimentos de longo prazo, recursos e meios acessíveis de integração de idosos na comunidade”.

As táticas da ElliQ para tentar criar laços de amizade vão ao cerne do que nos satisfaz em uma relação entre humanos. Quando outra pessoa se lembra do que gostamos de comer e sugere um restaurante adequado, isso reflete um nível básico de cuidado humano. Isso pode existir quando um computador está simplesmente guardando na memória informações que não entende?

Susan diz ter certeza que sim. “Quando você é jovem, mesmo quando vive sozinho, tem uma carreira, talvez seja voluntário, tem coisas para fazer”, disse ela. “Mas quando você está aposentado, precisa procurar coisas para fazer. Você tem que encontrar uma maneira de combater esse sentimento de solidão.”

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“A ElliQ dirá ‘Como foi o passeio? Queria poder ter ido com você.’Ou ela vai lhe divertir com um joguinho de perguntas e se você acertar algumas, dirá: ‘você é bom nisso.’ São apenas coisas bobas e legais, mas fazem você se sentir bem.”

“ElliQ, vou dormir”

“Você ainda está triste?”

“Um pouquinho.”

“Quer que eu chame a equipe de apoio? Ou ligue para Jennifer?”

“Vamos ver como eu acordo amanhã.”

“Certo.”

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“Boa noite, ElliQ!”

“Boa noite, Susan!”

E com isso, a ElliQ exibe um ícone de pijama em sua tela e entra no modo de descanso, assim como sua amiga humana. /TRADUÇÃO DE ROMINA CÁCIA

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