Sobrecarga e insegurança afastam mulheres dos exercícios; saiba como reverter esse cenário

Em pesquisa, elas contam que hábito traz alegria e confiança, mas falta de tempo, nascimento dos filhos e medo de assédio estão entre alguns dos motivos alegados para o abandono da atividade física

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Por André Bernardo

Mal o relógio toca seis horas e Cynthia Howlett já pula da cama. Depois de tomar banho e café, ela deixa os filhos na escola e segue direto para a praia de São Conrado, na Zona Sul do Rio. Pratica, entre outras atividades, surfe, ioga ou natação. Só depois de fazer seus exercícios físicos matinais, lá por volta das nove horas, é que Cynthia começa a pensar em trabalho. Dependendo do dia, a nutricionista de 43 anos faz consultório, agenda reuniões, visita escolas...

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“Praticar esporte é tão vital para a minha vida quanto tomar banho ou escovar os dentes. Não consigo ficar sem”, garante. “Assim como, no horário do almoço, as pessoas sentam para comer, eu paro o que estou fazendo para me exercitar. Fazer exercício não serve apenas para queimar caloria. Serve também para proporcionar bem-estar físico e mental. Quando não faço, me sinto mal e não dou conta do resto”.

Cynthia Howlett não está sozinha na multidão. Um estudo com 24,7 mil participantes, sendo 16,6 mil mulheres, revela que, quando praticam exercícios físicos, elas se sentem mais felizes (52%) e confiantes (48%). Não é só isso. Relatam, também, sentir menos estresse (67%) e frustração (80%) quando correm ou fazem musculação – os exercícios favoritos de 65% e 50% das entrevistadas.

O problema é que, segundo esse mesmo estudo, 51% delas admitiram que, pelos mais variados motivos, estão diminuindo o ritmo dos treinos ou, pior ainda, desistindo de malhar. E mais da metade está insatisfeita com seus níveis de exercício.

Para a nutricionista Cynthia Howlett, fazer atividade física é algo imprescindível em sua rotina. Embora muitas mulheres reconheçam que o hábito traz felicidade e confiança, uma boa parcela tem desistido de se exercitar. Foto: Pedro Kirilos

“Para quase dois terços das mulheres (61%), a maternidade é o principal motivo”, afirma Constanza Novillo, diretora de marketing da ASICS América Latina, marca de material esportivo que encomendou a pesquisa, realizada entre junho e setembro de 2023 em mais de 40 países, incluindo o Brasil.

Os professores Dee Dlugonski, da Universidade do Kentucky, nos Estados Unidos, e Brendon Stubbs, da King’s College de Londres, no Reino Unido, que conduziram o estudo, dividiram os “obstáculos” que impedem as mulheres de se exercitar em três categorias: emocionais, ambientais e práticos.

Entre os obstáculos emocionais, 42% citaram que não se sentem em forma o suficiente, 37% admitiram insegurança quanto ao seu corpo e 32% relataram o medo de serem julgadas durante a malhação. Já entre os ambientais, o motivo mais alegado foi a falta de espaços seguros (43%) para a prática de exercícios físicos, seguido do sentimento de intimidação (36%) e do medo de assédio (32%). Por último, os desafios práticos: 74% relataram falta de tempo, 62% atribuíram a desistência aos preços das academias (e dos personal trainers) e 37% ao receio de sofrer lesões.

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Na média global, o percentual de mulheres que alegaram falta de tempo, preços abusivos e sentimento de intimidação para desistir dos treinos é, segundo o estudo da ASICS, de 74%, 62% e 36%; no Brasil, é de 67%, 60% e 52%, respectivamente.

O estudo da ASICS endossa o resultado de outro levantamento, conduzido pelo cientista Bradley Cardinal, da Universidade do Estado de Oregon, nos EUA, e realizado com 1 mil voluntários: o professor concluiu que, quando se trata de atividade física, os homens tendem a praticar uma média de 30 minutos por dia e as mulheres, 18. O estudo de Cardinal, ao contrário do da ASICS, não apurou os motivos pelos quais elas praticam menos exercícios.

No Brasil, a pesquisa Vigitel, do Ministério da Saúde, revelou que 45,8% dos homens praticam pelo menos 150 minutos de atividade física moderada por semana. Entre as mulheres, esse índice cai para 36,2%. Em 2009, quando a prática começou a ser monitorada pelo ministério, esses percentuais eram de 39,8% e 22,2%, respectivamente.

A Organização Mundial da Saúde (OMS) recomenda 150 minutos de atividade física moderada (caminhada, ciclismo ou natação) ou 75 minutos de atividade física vigorosa (corrida, futebol ou tênis) por semana.

Jornada tripla

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Cuidar dos filhos, pequenos ou não, é apenas uma das muitas atribuições exercidas quase sempre pela mulher. As outras duas são: trabalhar fora e cuidar da casa. É o que os economistas chamam de “tripla jornada de trabalho”.

Segundo dados da terceira edição do estudo “Estatísticas de Gênero: Indicadores Sociais das Mulheres no Brasil”, divulgados mês passado pelo IBGE, mulheres gastam, em média, quase o dobro do tempo dos homens nos afazeres domésticos e/ou no cuidado dos filhos – ou de outras pessoas da família, como pai e mãe. São 21,6 horas semanais, contra apenas 11 horas por semana. Mulheres negras ou pardas cumpriram, por semana, uma hora e meia a mais do que as brancas.

Outro estudo, encomendado por uma marca de creme antiassadura ao IBOPE, revelou que apenas 50% dos homens participam ativamente nas tarefas diárias de cuidado com os filhos. Resumo da ópera: não sobra mesmo muito tempo para as mulheres praticarem uma atividade física ou cuidarem da própria saúde. É preciso que todo um ecossistema seja ajustado para que elas consigam se movimentar.

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Não custa frisar que fazer exercício é um dos pilares essenciais para a manutenção de uma vida saudável. De acordo com a OMS, o hábito traz benefícios significativos para o corpo e a mente. Dedicar-se a uma atividade física, ressalta a entidade, contribui para a prevenção e até o controle de problemas como doenças cardíacas, câncer e diabetes. Ter uma rotina ativa ainda protege contra transtornos mentais, a exemplo de depressão e ansiedade.

Entre as mulheres que não desistiram de levar uma vida fisicamente ativa, 94% alegaram que o fazem para controlar o estresse e 86% para dormir melhor. Fora do País, os índices são de 87% e 68%. No Brasil, os exercícios prediletos são corrida e musculação para 79% e 68% das entrevistadas, contra 65% e 50% no resto do mundo.

Ideias para manter uma vida ativa

Cynthia Howlett não tem filhos pequenos: Manuela está com 16 anos e Rodrigo, o “caçula”, com 11. “Sábado e domingo, quando tenho mais tempo livre, gosto de levá-los comigo. Jogo futevôlei com a Manu e pratico surfe com o Rodrigo”, orgulha-se.

Para as mães que não têm onde deixar seus filhos, Constanza Novillo, da ASICS, sugere academias de ginástica com espaços kids. Ela própria, além de executiva, é atleta amadora. Já participou de provas de 5 e 10 quilômetros e, no momento, se prepara para correr sua primeira meia maratona, em maio. Como ela consegue? “Tento ser criativa. Encaixo meus treinos em horários alternativos, como o do rodízio de carro”, exemplifica.

Natália Leão e Nathalia Fuzaro são jornalistas profissionais e atletas amadoras. Nati Leão pratica surfe, tênis e corrida. Já Nat Fuzaro é adepta do triatlo – modalidade que engloba natação, ciclismo e corrida. As duas trabalharam juntas nas redações das revistas Vogue e GQ. Já naquela época, gostavam de conversar sobre o quanto o esporte fazia bem à saúde delas, e o quanto ele ensina sobre coragem, resiliência e empoderamento. Juntas, fundaram, em 2020, o canal Inspira e Transpira. O objetivo é empoderar as mulheres através do esporte. “Não existe um jeito único de praticar esporte, muito menos o jeito certo. O que existe é o seu jeito”, afirma Nat Fuzaro, que costuma acordar entre quatro e meia e cinco da manhã para pedalar.

Embora sempre tenha praticado esporte, Nat Fuzaro só se deu conta da importância dele em sua vida quando se viu obrigada a retirar um rim, em 2015. Foram oito meses até voltar a fazer exercícios. “De lá para cá, virei triatleta, estreei em maratonas e já fiz um meio-Ironman”, orgulha-se, referindo-se à prova que consiste em nadar 1,9 km, pedalar 90 km e correr 21,1 km – tudo no mesmo dia e com um tempo limite para cada modalidade.

Mas não existe o esporte ideal. Existe aquele que melhor se adapta ao jeito de ser de cada um. Pode ser futebol, natação, skate, surfe, vôlei... A lista é enorme! “Nosso corpo não é uma máquina. Fluir é melhor do que forçar”, filosofa Nati Leão. “Se, naquele dia, você não consegue correr por uma hora, por que não faz 15 minutos de ioga? Se não tem grana para pagar uma academia, por que não convida uma amiga para dar uma caminhada?”, sugere. Na pesquisa, mais de um terço das mulheres contaram que suas amigas são as mais importantes influenciadoras de exercícios.

Se você é daquelas que não gosta de fazer ginástica em academia, seja porque a mensalidade é cara, seja porque o espaço é intimidador, que tal praticar exercícios ao ar livre? A dica é de Débora Rios Garcia. Ela é conselheira do Confef, o Conselho Federal de Educação Física, e secretária municipal de Esporte, Lazer e Juventude da prefeitura de Porto Alegre, no Rio Grande do Sul. É claro que os espaços públicos também precisam ser mais convidativos e seguros para que elas se sintam à vontade.

Moradora do Rio de Janeiro, Cynthia Howlett faz exercício na praia de São Conrado. Praticar atividade física ao ar livre é uma opção para quem não gosta de ambientes como academia. Foto: Pedro Kirilos

Quando precisa viajar a trabalho para São Paulo, Cynthia Howlett não deixa de praticar exercício. Ela apenas troca o surfe na praia de São Conrado por uma corrida no Parque do Ibirapuera. “Incluir atividade física em seu dia a dia é importante não só para manter o peso ideal, mas também para promover o bem-estar mental e prevenir o surgimento de doenças crônicas, como diabetes e hipertensão”, explica Débora.

Todos os dias, a conselheira do Confef pratica caminhada e faz musculação. Para não esmorecer, traça estratégias. A primeira delas é estabelecer metas realistas, isto é, possíveis de alcançar. Que tal, então, antes de se inscrever na próxima São Silvestre, a corrida de rua mais famosa do Brasil, começar por provas mais curtas? “Comece aos poucos, bem devagar. Separe 30 minutos do dia, três vezes por semana, para praticar exercício”, sugere a especialista.

A segunda dica é fazer o que gosta: bike, dança, skate, ioga... Nada de praticar uma atividade só porque virou “modinha” e todo mundo está praticando. O terceiro e último conselho é diversificar. Fazer todo dia a mesma coisa pode ser um convite irrecusável à desistência. “Trate a prática regular de atividade física como uma prioridade em sua vida”, orienta. “Não hesite em aproveitar toda e qualquer oportunidade para se exercitar. Por exemplo: o elevador está demorando a chegar? Vá pela escada!”.

Cynthia Howlett gosta de fazer exercício logo pela manhã, ao acordar. À noite, quando está cansada, prefere desacelerar. Faz, no máximo, ioga ou alongamento. Ela também tem as suas dicas infalíveis para não se render ao sedentarismo. Baixar aplicativos de ginástica e fazer atividades em grupo são duas delas. No primeiro caso, opções não faltam: Nike Training Club, Google Fit, Home Workout... “Você faz 18 minutinhos e já tem ótimos resultados”, garante.

No segundo, vale tudo: de membros da família a colegas de trabalho. “Sozinho, as chances de desanimar são maiores”, adverte. A nutricionista compara a prática regular de atividade física à instrução dada aos passageiros antes do início de cada voo: em caso de perda de pressão na aeronave, coloque primeiro a máscara de oxigênio em você e, só depois, ajude quem estiver ao seu lado. “Preciso estar bem para poder cuidar dos outros”, afirma Cynthia.

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