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Cultura, comportamento, noite e gente em São Paulo

Disciplina é a minha 'receita de sobrevivência', diz Costanza Pascolato

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COSTANZA PASCOLATO. FOTO: IARA MORSELLI/ESTADÃO  

 

Num mundo invadido pela internet, mas habituada a ver a moda como 'retrato de um momento histórico', a festejada consultora e estilista constata que 'a coisa mais moderna' é a personalização: "Você não tem que seguir um modelo"

 

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Quando menina, Costanza Maria Teresa Pascolato era chamada pelos pais de "arteira". Tinha dislexia, repetia de ano, cabulava aulas "para ir ler no cemitério". Mais tarde, já adulta, era chamada pelos amigos de "dondoca" - muitos deles estranharam sua decisão de ir procurar emprego numa revista de moda. Hoje, o tom é bem outro. Aclamada e bem-sucedida, a italiana de Siena que veio para São Paulo ainda menina é reconhecida na lifestyle brasileira como uma "papisa" ou "imperatriz" da moda.

Os três momentos contam muito dos 80 anos de Costanza - que fala deles e de si própria no recém-lançado livro A Elegância do Agora. O quadro se completa com sua própria visão de quem é: "Eu tenho jeito para moda. Meu olhar sempre foi voltado para a estética. Descobri isso desde menina". De tudo o que viveu, o que incluiu enfrentar o câncer duas vezes e uma profunda depressão quando morreu seu segundo marido, em 1990, ela conta à coluna: "Fiquei disciplinada. É uma questão de sobrevivência". A seguir, os principais trechos da entrevista.

Você está lançando seu terceiro livro, A Elegância do Agora. Por que esse nome? Você vive de comunicação e sabe como o mundo mudou. Mudaram as maneiras de pensar, o ritmo é diferente, a revolução da internet não tem limites. E eu sinto até na pele, porque gosto de moda. Moda o que é? É o retrato de um momento histórico. E eu tenho uma curiosidade fenomenal, meio infantil, sabe?

Curiosidade é o que mantém as pessoas vivas, não é? Imagina agora, com esse mundo maluco, de velocidade. Mas acho que havia umas coisas básicas que as pessoas esqueceram, tipo ética, empatia... Elas foram esquecidas. Tento dizer isso no livro. E, modestamente, ele está entre os 10 mais vendidos, desde setembro. E eu perto da minha amada Fernanda Montenegro, que lançou livro na mesma época.

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E vocês duas têm alguma coisa em comum. Não sei se é essa ética de que você fala... Ela tem. Tanto é que todas as vezes que me perguntaram nos últimos 30 anos qual a mulher mais elegante que eu conheço, é a Fernanda Montenegro.

A palavra elegância foi se transformando numa coisa mais de alma do que aparência... A coisa mais moderna é a personalização. Você não tem que seguir um modelo.

Acha que as pessoas aceitam isso? Porque 90% delas querem alguém que diga "você tem que se vestir assim". É mais que isso, elas se miram no espelho. Você tinha a Globo, o cinema... Agora temos as influencers. E elas são o modelo de um monte de meninas que não só querem se parecer com elas, querem viver a vida delas. Então, no livro eu digo: você tem que aprender a se conhecer e gostar do que está vendo. É uma questão de autoconhecimento e segurança.

Acha que as pessoas melhoraram nesse sentido? Não. Porque quanto mais informação você recebe, mais a insegurança cresce. As meninas de 16, 17 anos estão fazendo coisas no rosto. Fotografam (quem elas querem ser) no Instagram evão ao médico e dizem: "Eu quero ter essa cara". É reflexo da insegurança. Tem famoso que faz isso também.

Você se tornou uma referência nesse sentido, sempre usou o que você gostou, independentemente de moda. Como faz isso? Bom, eu tinha desde pequena uma vantagem, era bem bonitinha. E tinha um problema de dislexia, era atrasada na escola e as pessoas diziam: "Você é linda e burra". Eu repetia de ano, sabe? Cabulava aula no Dante Alighieri pra ir ler no cemitério. Lá pelos 15 anos comecei na fábrica como ajudante da secretária do meu pai. Eles queriam me ensinar disciplina. Percebiam que eu lia Jean-Paul Sartre e Simone de Beauvoir aos 16 anos. Diziam que eu não ia entender nada. Eles me achavam uma arteira.

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Quando foi que descobriram que você era uma artista? Começaram a se surpreender justamente quando fui trabalhar... Sabe, eu fui deserdada porque me separei do primeiro marido e papai não gostou nem um pouco, isso em 1969, 70. E eu tinha me apaixonado pelo Giulio Cataneo, com quem vivi 20 anos, até ele morrer. E fui à luta. Pedi emprego aos amigos mas eles não davam, achavam que eu era meio dondoca... Aí comecei a fazer vitrine pra pessoas que eu conhecia, mas eles não pagavam. Resolvi fazer luminárias. Comprava as peças e vendia para uma loja na Rua Augusta.

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E deu certo? Ela comprou 20 luminárias. Mas duas semanas depois o dono me disse: "Vou devolver as luminárias porque elas derretem". É que era de plástico, e a lâmpada acesa esquentava e derretia. Mais tarde, a Editora Abril me chamou. Eu tinha uma amiga lá, a Olga Crew, muito amiga do Roberto Civita - o Roberto foi meu padrinho de casamento. A Olga me disse: "Te chamo pra ser produtora de comida e decoração, mas você vai ter que trabalhar, viu?" Porque eles olhavam aquela coisa toda bonita...

Você sempre se arrumou assim, desde pequena? Bom, levava menos tempo do que levo agora (risos). Um jornalista falou que eu era uma mulher superficial porque levo duas horas pra me arrumar. Mas, primeiro, eu tenho 80 anos. E depois eu medito, ouço notícia...

E como foi na Abril? Me chamaram pra ser produtora e já na primeira vez me deram a tarefa de produzir um peru de Natal pra um fotógrafo. Mas o diretor da revista não queria um desses perus à americana, com aquele peitão. "Vai fotografar um peru baiano", avisou. Perguntei o que era isso e ele explicou que na Bahia eles fervem o raio do peru. Fui a um restaurante chinês de uma amiga e perguntei como ela fazia o pato laqueado, que é bonitinho, não é? Ela me deu o preparo, acabei maquiando o peru à baiana e deu certo. Tive que resolver a estética de um prato dificílimo, e resolvi.

Do peru para a moda, como foi que você migrou? Eu estava no lugar certo na hora certa. Porque nos anos 70 estava aparecendo no mundo o prêt-à-porter, a roupa pronta pra usar. As revistas começaram a trabalhar muito a moda e virei produtora na Cláudia e Cláudia Moda. Eles viam como eu me vestia e achavam que eu tinha que dar um charme naquela roupa que era um pouco primitiva no começo... Foi uma escola maravilhosa.

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Alguém te ajudava, orientava? Nada. E pior, eles me sacaneavam porque achavam que era uma vergonha a empresa ter me contratado. Depois fiquei amiga de todos eles.

'MEU OLHAR SEMPRE FOI VOLTADO PARA A MODA.DESCOBRI ISSODESDE CRIANCINHA'

E por que moda? Você podia ter ido pra comida, por exemplo. Porque eu tenho jeito pra moda... O meu olhar sempre foi voltado pra estética. Descobri isso desde menina. Eu tinha 3, 4 anos e minha roupa era feita em casa. Eu ficava na frente do espelho e dizia: "Muito curto, muito curto". E chorava. Eu me lembro no Olido, em Veneza, com um maiô de tricozinho, e eu dizendo: "Estreito, apertado". Meu olho é mais esperto do que eu.

Por que foi que você nunca criou uma marca? Eu sou completamente perfeccionista. Você acha que eu ia sobreviver a uma marca que eu faria? Não tenho jeito pra isso.

Sem jeito pra empresária... Zero. Sou ótima pra aperfeiçoar o produto dos outros.

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Como é que você faz pro seu cérebro ficar calmo? Meditar. Medito há 3 anos. Tive câncer duas vezes, depressão uma vez e não conseguia uma constância, entende? Há três anos peguei firme e acho que isso que me deu essa florescência nestas alturas da vida.

Você é forte suficiente pra dizer "vamos sair dessa", né? Sim, cuido muito de mim, o tempo todo. Fiquei disciplinada, era uma questão de sobrevivência. Acho fundamental a curiosidade, a disciplina, a priorização das tarefas, uma coisa que estou ensinando à minha filha. Priorizar na vida faz com que você sobreviva mais tempo.

Ter foco? É, esse foco do qual o nosso momento histórico está nos desviando. Hoje você é invadida por tudo. A gente não está preparada fisicamente pra essas coisas, nem mesmo os jovens. Mas, quem sabe, um bebê que nasce hoje talvez já nasça diferente.

Você evoluiu nesse processo, você é uma youtuber. O Youtube foi sorte, mais uma vez. Alguém achou graça que a Marilu (Beer) e eu tivéssemos essa conversa em que a gente dizia absolutamente tudo, sem freio ou preconceito. Estou no Youtube desde 2014.

Cinco anos. É bastante. Você usa Instagram? Só Instagram. Porque eu não consigo administrar tudo. Agora, faço um monte de filmes que todo mundo faz, podcast, dou entrevista, vejo que é uma coisa que não tem limite. Normalmente pessoas com mais sofisticação e informação, como você, têm um gosto diferente. Você é minoria nesse universo gigante. Acha que, com a internet, esse outro gosto pode crescer mais? Sobre isso tenho uma dúvida fatal. Muitas vezes, quando viajo e estou num grupo internacional, a gente fala uma linguagem que me parece quase abstrata. Porque a sofisticação ficou pra trás, entende? O que era considerado arte, sabe, na moda, ficou muito reduzido a uma coisa muito pequena. Eu gosto de ter essas conversas quando viajo pra fashion weeks porque tem gente treinada para ter um olhar especial. Só que eu me pergunto, será que esse nosso olhar é o certo?

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Tem certo e errado nisso? Não tem, o gosto se adapta ao momento. É o reflexo de um momento de vida que é diferente, que está se formando. Talvez o mais importante hoje seja a autenticidade. Como disse lá atrás, é a personalização. Você não tem que seguir um modelo.

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