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Cultura, comportamento, noite e gente em São Paulo

'Se proibissem a pizza, haveria tráfico de pizza' diz filho de Pablo Escobar, no Brasil em evento sobre cannabis

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Por Marcela Paes
Atualização:

Juan Pablo Escobar, filho do chefão do Cartel de Medellín e seu livro, que será lançado em inglês Foto: REUTERS/Jose Miguel Gomez

Sebastián Marroquín, ou Juan Pablo Escobar, passou parte de sua vida escondendo que é filho de Pablo Escobar. Ele, a irmã, Manuela, e a sua mãe, Victoria Henau, mudaram de identidade assim que Escobar morreu em 1993, para conseguirem viver em outro país. Mas, desde 2009 - quando saiu do anonimato - Marroquín usa as memórias da convivência com o pai para algo que considera uma missão: a legalização das drogas.

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"A educação é a arma mais eficaz para enfrentar os problemas de violência relacionados às drogas e isso vem com a regularização", diz ele. O arquiteto, que hoje vive em Buenos Aires, está no Brasil para participar do ciclo de palestras da The Green Hub,  aceleradora de startups focadas em cannabis.

Leia abaixo a entrevista de Marroquín à coluna, que, além do tema da legalização de drogas, fala sobre  a imagem que se faz de seu pai e o que aprendeu com ele.

Muitos são a favor da legalização da maconha mas não de drogas mais fortes. Qual a sua opinião?

Cada droga é um universo diferente, não se pode comparar.  O café foi considerado uma droga e o álcool também. Cada uma dessas substâncias são diferentes. Elas têm seus efeitos positivos e negativos. Minha posição nesse sentido é que é o momento do mundo declarar paz às drogas, temos que aprender a conviver com elas. A educação e a informação, principalmente para os mais pobres, é a chave, pois assim cada um vai saber escolher o que é melhor para si. A educação é a arma mais eficaz para enfrentar os problemas de violência relacionados às drogas e isso vem com a regularização. Os políticos que patrocinam a proibição estão ajudando os traficantes, são seus cúmplices.

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A Colômbia legalizou a cannabis medicinal em 2015 e está se tornando um polo de exportação do produto. Acha que isso pode mudar a maneira como as drogas são vistas no país?

Sim, a Colômbia está se tornando um polo de exportação  sem a violência. Regularizar gera paz, gera uma convivência pacífica entre o estado e os cidadãos e entre os produtores legais e as pessoas que consomem. Se gera a paz porque acaba com a corrupção, com a violência. Não tem relação com o produto que é proibido. Se proibissem a pizza, também haveria tráfico de pizza. 

Acha que isso pode ser uma oportunidade para muitos entrarem na legalidade?

Agora está acontecendo um fenômeno na Colômbia, que é a diminuição da venda ilegal de maconha. Os produtores querem vender ao estado, que paga melhor. Exportar legalmente dá mais lucro e a violência na rua diminuiu.  É  uma oportunidade para os colombianos estarem autorizados a cultivarem legalmente suas próprias plantas. Os cidadãos não precisam patrocinar a violência se querem consumir. Com o dinheiro da venda ilegal se patrocina a violência e também os políticos que lucram com isso.

O Uruguai, muitos estados dos Estados Unidos e países da Europa já legalizaram o consumo recreativo e medicinal de maconha. No Brasil, tivemos alguns avanços, mas isso ainda está longe de acontecer. Na sua opinião, por que há tanta resistência?

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Olha, eu respeito muito as decisões internas de cada país.  Em matéria de drogas ou qualquer outra política, não é minha intenção interferir na política de cada país, mas, sim, através do meu testemunho, poder  contar à sociedade que existem outras maneiras de enfrentar esse problema. Faz 100 anos que falamos de proibição e não tivemos nenhum resultado realmente positivo nessa luta. Hoje a Colômbia lucra mais que nunca com as drogas ilegais e isso mostra que a política de proibição não é efetiva. 

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Levamos tanto tempo aplicando a mesma fórmula e nada nos indica que teremos resultados positivos. Há muita ignorância dos políticos que não procuram um caminho diferente. Eles acabam não conseguindo fazer seu trabalho, que é garantir a paz aos cidadãos. A proibição só ajuda a aumentar a corrupção, os assassinatos, a venda de armas.

Muitos políticos ainda são resistentes a essas mudanças.

É momento dos governos saberem, se ainda não sabem, que com a proibição estão ajudando os traficantes a ficarem mais poderosos. Os traficantes de hoje têm até submarinos, eles têm a capacidade militar para interferir em qualquer democracia da América Latina.

Quando seu pai morreu você mudou seu nome, mas em 2009 saiu do anonimato e hoje o utiliza para falar sobre as drogas. 

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Primeiro, eu nunca quis renunciar ao parentesco. Eu tive que mudar de nome pela discriminação que eu sofria da sociedade na época em que meu pai morreu.  A maioria dos países nos negou um lugar para que vivêssemos, viramos praticamente extraterrestres que não tinham um lugar na terra. Nenhuma embaixada nos escutou, nós procuramos as Nações Unidas e até o Vaticano para tentar resolver isso. Não tivemos opção a não ser mudar de identidade. E foi instantâneo, depois que tiramos o nome do meu pai todos esses problemas desapareceram. Eu podia viajar, fazer muitas coisas.  É uma questão de percepção. Eu sou a mesma pessoa me chamando Rodrigues, Perez. O nome não muda nada, o que nos define são nossas ações.  

O que te fez sair do anonimato?

Eu sentia que o silêncio ia me matar lentamente. Eu senti a necessidade de assumir a responsabilidade moral pelos crimes do meu pai. Queria me aproximar das famílias que tinham sido diretamente afetadas pelos crimes do meu pai e queria lhes pedir perdão. Eu resolvi fazer isso através de um documentário e isso me permitiu, por essa ferramenta cultural,  chegar a essas famílias, mandar cartas a eles e passar uma mensagem de paz. 

Na realidade, hoje eu vi que isso valeu muito a pena. Eu criei relações de respeito e amizade com muitas famílias afetadas. Eu tive um êxito de 100% porque não houve nenhum caso em que eu não consegui me reconciliar. Isso me deu muita esperança porque eu vi que muita gente afetada diretamente por essa violência, apesar da dor genuína que eles carregam dentro de si pelas coisas que aconteceram, também tiveram interesse em chegar a um lugar de paz. 

Alguma história mais marcante?

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Tem um exemplo bem prático disso, que é com o Juan Manuel Galán, que foi senador na Colômbia. O pai dele foi assassinado por ordens do meu pai. Mesmo assim, ele foi a pessoa com quem eu levei a frente o projeto de legalização da maconha na Colômbia. Você pensa que o Manuel poderia ter muito rancor e não permitir que isso acontecesse. Ele foi muito adiante de suas paixões pessoais e entendeu que a única coisa que vai fazer a diferença para a sociedade em termos de paz, é regularizar, Proibir é uma irresponsabilidade do Estado, que não quer tomar a responsabilidade por um problema de saúde pública. É como se os médicos dissessem que temos que combater a pandemia com uma metralhadora.  Não funciona dessa maneira.

O que mudou na sua vida desde que você revelou sua identidade?

Eu acho que pude recuperar uma liberdade mais autêntica e real do que ficar escondido atrás de um nome que não significava nada. Eu pude me reinventar como pessoa e assumir a responsabilidade e o papel que eu poderia representar, sempre na direção da paz, na direção da recuperação dos valores humanos. Não faço apologia do meu pai. O meu pai mostrou a todos um caminho para não se seguir, tem que ficar muito claro isso, principalmente para quem assiste uma série de televisão e o vê como uma espécie de herói.  Pablo Escobar não é um caso de êxito.  Ok, o Netflix o vende assim, mas não é verdade. Eu aguentei passar fome com ele, mesmo ele tendo milhões de dólares em dinheiro.  Isso não foi mostrado na série. Para essas plataformas interessa a audiência e o dinheiro que seus produtos podem dar. 

Na Colômbia são vendidas camisetas com o rosto de seu pai, como se ele fosse um pop star.

Existem muitos turistas que ignoram o nível de violência e dor que a sociedade colombiana sofreu, pensam que é uma história mítica da Colômbia, mas muitas famílias sofrem até hoje por isso. É  preocupante. Antes de Narcos ser lançado pela Netflix, eu ofereci a eles total acesso às minhas fotos de família desde 1970 até o dia em que meu pai morreu, cartas, vídeos. Eu queria que eles tivessem contado a história verdadeira, mas eles me disseram que não precisavam de nada, que já sabiam tudo.

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A série foi equivocada?

Eles preferem mostrar meu pai queimando 2 milhões de dólares na lareira porque sua filha, minha irmã, estava com muito frio. Mas é uma mentira, porque a Colômbia é um país tropical e não faz tanto frio assim (risos). É pra exagerar, para mostrar esse personagem muito maior do que ele foi na realidade.  Eles o pintam como uma pessoa que aproveitou a vida, que desfruta, mas era justamente o contrário. Meu pai foi um dos homens mais ricos do mundo  e eu o visitava e via o homem mais pobre do mundo. Tinha muito dinheiro e vivia como o mais pobre. 

Qual é a recordação mais marcante que você tem do seu pai?

Uma  das mais fortes é quando ele me fala de drogas.  Ele se senta comigo, quando eu tinha oito anos, e me fala que precisamos conversar sobre drogas.  Ele colocou todas as drogas disponíveis em cima de uma mesa. Maconha, LSD, crack, cocaína... Ele me mostrou tudo e explicou o que cada uma fazia, para me alertar. Ele mesmo, quando ia fumar maconha, não fumava na frente dos filhos nem da nossa mãe.  Ele me disse que a cocaína é um veneno para vender e não para consumir.

Ele era responsável na época por 80% do tráfico do planeta e me disse que o valente era aquele que não consumia drogas. Eu não consigo imaginar um menino mais exposto a vícios que eu nos anos 1980. Todos os meus amigos, nossos guarda-costas e muita gente do meu entorno consumia. Eu fiquei com isso para sempre e não esqueci,  nunca caí no vício. Só fui usar maconha aos 28 anos, quase uma década depois de meu pai ter morrido, quando eu senti que tinha segurança. Por isso eu acredito na educação. Cabe a cada um e não ao Estado decidir se quer tomar coca ou pepsi, se quer se tatuar ou não. Somos donos da nossa própria vida.

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