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A ação contra Quércia movida pelo advogado de Jânio Quadros que se arrasta desde 1991

Morto em 2010, ex-governador foi acusado de realizar compras sem licitação para a Unesp; processo será analisado por desembargadores junto com recurso de ação popular; réus, incluindo o espólio do ex-governador, alegam prescrição, cerceamento de defesa, deficiência de fundamentação da sentença de primeira instância e negam ilicitudes

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Foto do author Heitor Mazzoco
Por Heitor Mazzoco
Atualização:

Um dos processos mais antigos envolvendo um ex-governador do Estado ganhou novo capítulo no Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP). No dia 25 de março deste ano, desembargadores da 7ª Câmara de Direito Público decidiram suspender julgamento de recursos do espólio de Orestes Quércia, do ex-secretário de Ciência e Tecnologia, o economista Luiz Gonzaga Belluzzo, e da empresa Ofen Consultoria e Participações Sociedade Civil, condenados em 2021 pela 9ª Vara de Fazenda Pública de São Paulo por dispensa de licitação para compra de sistemas computadorizados destinados à Universidade Estadual Paulista (Unesp), em 1989, com suposto prejuízo ao cofres públicos de R$ 34 milhões.

Réus alegam prescrição, cerceamento de defesa, deficiência de fundamentação da sentença de primeira instância e negam, no mérito, qualquer ação ilícita. A defesa de Belluzzo também aponta que o caso estaria prescrito (veja abaixo).

Orestes Quércia, ex-governador de São Paulo, durante sessão no Congresso em 2001 | FOTO: Foto: ED FERREIRA / AE

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Os magistrados determinaram que os autos de uma ação do Ministério Público de 1995 serão julgados juntos às apelações de uma ação popular contra os políticos, de 1991, com mesmo teor da ação civil pública. Os processos têm mais de 36 mil páginas e foram digitalizados. O contrato de compra entre Governo de São Paulo e a empresa Sealbrent Holding foi anulado na decisão de 2021. Quércia morreu no dia 24 de dezembro de 2010. O espólio do ex-governador figura no polo passivo desde então.

Antes da última decisão de unir os recursos para julgamento único, o relator do caso, desembargador Eduardo Gouvêa, havia votado para acolher os recursos dos advogados de defesa, que versam sobre prescrição da ação civil pública (com base em um agravo de 2021), deficiência de fundamentação da sentença e cerceamento de defesa. No mérito, os advogados também alegaram que os acusados não causaram dano ao erário (leia mais detalhes das apelações abaixo).

De acordo com a sentença de primeira instância proferida pela juíza Simone Gomes Rodrigues Casoretti, “os corréus Orestes Quércia e Luiz Gonzaga de Mello Belluzzo agiram dolosamente, pois cientes da obrigatoriedade da licitação, visto que em 1989 o artigo 37, XXI, da Constituição Federal estava em vigor, adquiriram sistemas computadorizados com preços superiores ao mercado e que poderiam ter sido fornecidos por outras empresas com preços menores sem lesar o erário”.

A compra sem licitação causou, segundo os autos, prejuízo aos cofres do Estado de São Paulo em US$ 7,5 milhões, em 1989 (em caso de trânsito em julgado em desfavor dos réus, os valores serão atualizados). À época do começo da ação civil pública, em 1995, o valor apontado era um rombo de R$ 34 milhões aos cofres paulistas.

A ação popular do século passado é de autoria do advogado Bension Coslovsky, que era ligado ao ex-presidente da República Jânio Quadros, para quem advogou. Ele foi candidato a uma vaga na Câmara dos Deputados, em 1986, e ficou na suplência.

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Os sistemas computadorizados destinados à Unesp foram produzidos pela empresas Degem Systems e Eshed Robotec Ltda, de origem israelense, e Enco Maier Co., originária da Áustria. À época, segundo os autos, um protocolo de cooperação técnica foi utilizado como base para compra junto às empresas, o que é insuficiente e não dispensa processo licitatório, segundo decidiu a Justiça de primeiro grau.

Trecho da inicial da ação popular, quando processos ainda tramitavam 100% no papel Foto: Reprodução via TJ-SP

Em uma última manifestação antes da análise do Tribunal de Justiça no mês passado, a procuradora de Justiça Maria Fátima Vaquero Ramalho Leyser, do Ministério Público de São Paulo, pleiteou que a sentença de primeiro grau seja mantida. “De início, não merece prosperar as alegações de nulidade da sentença por deficiência de fundamentação, uma vez que que foi devidamente motivada, com abordagem e exame de todas as questões relevantes arguidas”, citou a procuradora.

“Conforme jurisprudência sedimentada do Superior Tribunal de Justiça (STJ), o julgador não é obrigado a rebater cada um dos argumentos invocados de forma individualizada, principalmente quando, por outros meios de convicção, tenha encontrado motivos suficientes para solucionar a controvérsia. Deve apenas fundamentar a decisão de acordo com o seu livre convencimento, baseado nos aspectos pertinentes à hipótese sub judice e com a legislação que entender aplicável ao caso concreto, exatamente como ocorrido na hipótese dos autos”, afirmou Maria Fátima.

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O cerceamento de defesa alegado pelos réus também foi contestado pela representante do Ministério Público. Segundo ela, o magistrado não é obrigado a deferir qualquer pedido e, sim, determinar produção de provas essenciais para o processo. “Ademais, muito embora os apelantes tenham alegado cerceamento de defesa, não conseguiram demonstrar a imprescindibilidade da prova pericial ou o prejuízo sofrido. No caso dos autos, o acervo documental juntado se mostrou suficientemente esclarecedor, com força probante para nortear e instruir o entendimento do juízo de primeira instância”, disse a procuradora.

Para a representante do MP, a prescrição pleiteada também não pode ser reconhecida, mesmo com os fatos ocorridos em 1989, ou seja, antes da lei 8.429/1992 (Lei de Improbidade Administrativa), porque “não se verifica a ocorrência de prescrição em relação à ação popular.”

Para MP, responsabilidade de Quércia, à época, 'é inquestionável' Foto: Reprodução via TJSP

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Réus negam dolo e defendem prescrição do caso

A defesa dos réus defende que a ação já está prescrita, conforme decisão em embargos de declaração em agravo de instrumento (recurso junto ao TJ-SP), em 2021. Todos citam também que a ação popular, que aponta dano ao erário, não apontou dolo no caso e deve ser afastada a determinação para restituição de valores.

O Estadão procurou o escritório que representa o espólio de Quércia, mas não obteve retorno. Nos autos, a defesa cita cerceamento de defesa por falta de produção de provas ou apresentação de alegações finais e “pela utilização de prova emprestada sem prévio contraditório”. Os defensores do espólio de Quércia citam ainda impossibilidade de ajuizamento de ação civil porque, na esfera criminal, não houve imputação ao ex-governador. Há também, de acordo com os advogados, existência de decisão do Tribunal de Contas do Estado de São Paulo (TCE-SP) favorável ao contrato celebrado em 1989. No mérito, negam lesão aos cofres paulistas.

O defensor de Gonzaga Belluzzo, o advogado Guilherme José Braz de Oliveira, afirmou ao Estadão que a ação civil está prescrita, conforme decisão em agravo no Tribunal de Justiça e que aguarda subida dos recursos da ação popular para tramitação junto aos recursos da ação civil.

Nos autos, há citação de que o ex-secretário do governo Quércia não era titular da pasta quando se iniciou trâmite da contratação dos sistemas computadorizados. A defesa diz ainda que houve cerceamento de defesa por não ter sido oportunizada produção da prova pericial e apresentação de alegações finais. Belluzzo e sua defesa alegam ainda que a aquisição de equipamentos foi legal, diante de análises e manifestações prévias pelos órgãos técnicos. Por fim, o economista diz também que não tinha competência para dispensar licitação e não foi responsável por definir os preços negociados.

A defesa da Ofen não quis comentar o mérito do processo e disse aguardar decisão do TJ-SP. No processo, a empresa argumenta a regularidade do contrato e a ausência de similitude do objeto contratado com outros produtos existentes no mercado, o que justificaria a dispensa licitatório. A defesa cita ainda não ter sido notificada para alegações finais e de não apreciação de produção de prova pericial.