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‘Blindagem’ a Bolsonaro e implosão da Lava Jato marcaram PGR sob o comando de Aras

Procurador-geral da República chegou a ensaiar aproximação com Lula para permanecer no cargo; petista escolherá sucessor fora da lista tríplice

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Foto do author Isabella Alonso Panho
Por Isabella Alonso Panho
Atualização:

O segundo mandato do procurador-geral da República, Augusto Aras, se encerra nesta terça-feira, 26, sem que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) tenha escolhido um novo nome para o principal posto no Ministério Público.

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Desde que Lula assumiu a Presidência, Aras trabalhou pela recondução ao cargo, embora não seja algo comum o mesmo PGR passar três gestões na cadeira - não há na Constituição uma limitação de mandatos. Isso porque é o presidente da República que tem o poder de escolher quem será o PGR.

Para o mandato de dois anos, os únicos requisitos previstos na lei são que o candidato seja membro do Ministério Público Federal (MPF) e tenha pelo menos 35 anos. Aras chegou a ser elogiado por Jaques Wagner (PT-BA), líder do governo no Senado. O parlamentar disse que o procurador prestou um “serviço importante para o Brasil”.

O atual PGR, Augusto Aras, e o presidente Lula; petista já disse que não seguirá a lista tríplice para escolher novo chefe do Ministério Público Foto: Fellipe Sampaio/SCO/STF

Na semana passada, na sua última sessão no Supremo Tribunal Federal (STF), o PGR fez um desagravo a si mesmo dizendo que foi alvo de “incompreensões e falsas narrativas” quando acusado de alinhamento ao ex-presidente Jair Bolsonaro (PL). Paralelo a isso, no canal do YouTube do MPF, Aras tem publicado uma série de vídeos intitulada “Principais resultados da gestão de Augusto Aras à frente do MPF”, nos quais, em alguns minutos, mostra seus próprios feitos no cargo.

Lula ainda não revelou qual será a sua escolha. Os subprocuradores Paulo Gustavo Gonet Branco e Antonio Carlos Bigonha são os favoritos até o momento. Gonet atua em casos eleitorais e representou o MPF no julgamento que tornou Bolsonaro inelegível. Ele disse que o ex-presidente agiu para “degradar ardilosamente” a democracia. Já Bigonha é o escolhido da cúpula do PT e tem amizade com José Dirceu, ex-ministro da Casa Civil, e com José Genoíno, ex-presidente da legenda.

Lista tríplice começou em Lula I e pode terminar em Lula III

Desde 2001, a Associação Nacional dos Procuradores da República (ANPR) elabora uma lista tríplice com sugestões de nomes para a escolha do presidente. A listagem foi aceita pela primeira vez em 2003, por Lula, em seu primeiro mandato, quando ele escolheu Cláudio Lemos Fonteles como procurador-geral da República.

Os subprocuradores da República que se candidataram a compor a lista tríplice para suceder Augusto Aras. Foto: Foto:

A primeira vez que a lista foi rejeitada foi em 2019, quando Bolsonaro escolheu Augusto Aras, um nome de fora das indicações. Dois anos mais tarde, em setembro de 2021, o PGR foi reconduzido ao cargo.

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Os subprocuradores Luiza Frischeisen, Mario Bonsaglia e José Adonis Callou de Araújo Sá são os três indicados pela ANPR. Em entrevistas, Lula já disse que não deverá seguir a lista tríplice deste ano. Frischeisen já havia sido indicada quando Bolsonaro decidiu reconduzir Aras.

Relação próxima de Jair Bolsonaro

O que mais pesou contra uma recondução de Augusto Aras ao cargo de procurador-geral da República foi o apoio prestado a Bolsonaro durante seu mandato na Presidência. Esse é o principal ponto de divergência entre petistas a respeito do nome do procurador.

Durante a sua gestão, Aras agiu para suspender e arquivar várias investigações que colocaram Bolsonaro em xeque. Uma das principais é o inquérito das fake news. Depois de pedir, em outubro de 2019, o prosseguimento das investigações, meses mais tarde, em maio de 2020, logo depois da uma operação que apreendeu celulares de investigados, o PGR mudou de ideia. Ele pediu ao ministro Edson Fachin que o inquérito fosse suspenso, “para garantir a segurança jurídica” dos atos praticados.

Bolsonaro chegou a prometer publicamente que nomearia Aras para uma vaga no Supremo Foto: Dida Sampaio/Estadão

Antes do fim do mandato de Bolsonaro na Presidência, no período de setembro a novembro de 2022, a PGR pediu o arquivamento de dez inquéritos que visavam o ex-presidente - metade deles vindos da CPI da Covid. No caso da Covaxin, no qual Bolsonaro foi suspeito de fazer vista grossa a denúncias de corrupção na compra do imunizante, Aras recorreu ao plenário do Supremo para tentar reverter uma decisão da ministra Rosa Weber que determinava a continuidade das investigações.

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Do outro lado, além dos elogios à atuação de Aras, Bolsonaro chegou a prometer publicamente que o nomearia para uma eventual vaga no Supremo. Na ocasião em que disse isso, havia sido aberta uma investigação contra o ex-presidente por interferência no comando da Polícia Federal. “Ele procura cada vez mais defender o livre mercado, o governo federal nessas questões que muitas vezes nos amarram”, disse Bolsonaro na época.

Arquivamento das investigações envolvendo a pandemia da covid-19

O relatório final elaborado pela CPI da Covid ficou nas mãos de Augusto Aras por meses sem que houvesse qualquer indiciamento. Ele recebeu o relatório final da comissão em outubro de 2021 e demorou meses para abrir investigações. Um grupo de senadores ameaçou pedir o impeachment do procurador por causa da sua inércia.

Até o final do mandato de Bolsonaro, as investigações que chegaram a ser abertas foram arquivadas. Lindôra Araújo, responsável por assinar as determinações de arquivamento, foi alvo de um pedido de investigação no Supremo por causa das manifestações. Aras chegou a nomear o subprocurador Luiz Augusto Santos Lima para o cargo de Lindôra, mas ela reassumiu a cadeira de vice-procuradora-geral no último dia 15.

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Outro caso emblemático foi um parecer que Aras elaborou em abril de 2020, nas primeiras semanas da pandemia, defendendo que Bolsonaro pudesse decidir sobre as medidas de isolamento social. O gesto confrontava o entendimento de Luís Roberto Barroso, de que o País deveria seguir as recomendações da Organização Mundial da Saúde.

Operação Lava Jato

Um dos pontos que favorecia uma recondução de Aras ao cargo foi o fim da operação Lava Jato. Como autoridade máxima do MPF, o procurador usou a sua atribuição de decidir sobre a organização das forças-tarefas e extinguiu a de Curitiba. Os processos em trâmite e as investigações permaneceram na mesma jurisdição - a 13ª Vara Federal -, mas foram integradas ao Curitiba ao Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (Gaeco).

A atuação de Lindôra foi decisiva para o sepultamento da força-tarefa. Ela visitou os gabinetes de Curitiba e exigiu acesso a documentos importantes da operação, abrindo uma crise interna. Procuradores levaram o episódio a Brasília, mas não tiveram êxito em afastar os olhares da vice-procuradora-geral.

Com o fim da operação, os profissionais que nela atuavam com exclusividade retornaram às suas antigas atribuições e tanto os processos quanto os inquéritos foram para a “vala comum” da Justiça Federal. Nas redes sociais, mais de uma vez, Aras relembrou o feito como um gesto positivo da sua gestão, atribuindo a si o mérito de ter solapado o “lavajatismo”.

Um exemplo dessas situações foi em julho. Ao compartilhar uma notícia sobre a sucessão na PGR, Aras escreveu sobre os outros candidatos: “Resta saber se todos eles (candidatos à PGR) terão a disposição que o procurador-geral demonstrou nesses 4 anos, para enfrentar e desestruturar as bases do lavajatismo”.

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