‘Se Lula quer ganhar o Nobel da Paz, ele tem que apostar no meio ambiente’, afirma Rubens Ricupero

Para diplomata e ex-ministro do Meio Ambiente, tentativa de intermediar acordo de paz na Ucrânia é incipiente: ‘O que ele propõe? Eu não sei. Você sabe? Ninguém sabe’

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Por Carolina Marins
Foto: Werther Santana/Estadão
Entrevista comRubens RicuperoDiplomata, ex-embaixador do Brasil em Washington e ex-ministro do Meio Ambiente

A ofensiva diplomática do presidente Luiz Inácio Lula da Silva para intermediar um acordo de paz na guerra da Ucrânia tem sido uma marca, ainda que sob críticas dentro e fora do Brasil, dos primeiros meses de mandato do petista. Na visão de Rubens Ricupero, ex-embaixador do Brasil em Washington e ex-ministro do Meio Ambiente e da Fazenda, a proposta, vista com ressalvas por americanos e alguns europeus, tem uma chance de sucesso remota, ainda mais em um cenário em que há diferentes interpretações de paz e inúmeras propostas, incluindo da China.

“Ninguém é contra a paz na Ucrânia e a paz mundial, até mesmo quem está brigando diz que quer paz e quer negociar. Até aí nenhuma novidade. Mas o que ele propõe? Eu não sei. Você sabe? Ninguém sabe”, disse o veterano diplomata ao Estadão

Segundo ele, é na pauta ambiental que o Brasil tem a chance de liderar uma política externa bem sucedida. “Goste ou não, para o mundo o Brasil é a Amazônia”, ressalta. “Eu até acho, pessoalmente que, se ele quer ter o Nobel da Paz, ele devia apostar tudo no meio ambiente”.

Confira trechos da entrevista:

Rei Charles III cumprimentando Lula e Janja durante de jantar no Palácio de Buckingham, em Londres Foto: Ian Jones

Depois de mais de 100 dias de política externa sob o governo Lula, qual balanço o senhor faz?

Qualquer balanço que se faça dos primeiros dias de governo Lula, não só em diplomacia como em outras áreas também, é importante ressaltar que é uma reprise dos mandatos anteriores. Não é uma coisa nova. Um terceiro mandato é uma novidade na história do Brasil, só tem uma vez que isso aconteceu que foi com Getúlio Vargas lá nos anos 1950. E mesmo em outros países isso é raro. Isso é importante de ressaltar porque uma pessoa que volta ao poder, sobretudo depois de muito tempo, tem que estar atento ao fato de que o mundo mudou, o país mudou. E ele sabe disso, teoricamente. Mas na hora de reagir psicologicamente ele age como se fosse no primeiro mandato.

Além disso, diferentemente do governo Bolsonaro, não houve nos primeiros dias do governo Lula um efeito de novidade ou um choque muito grande. Com o Bolsonaro você teve aquele impacto de ter o Ernesto Araújo, o antiglobalismo, aquela loucura. Agora não, agora existe um efeito de continuidade. O próprio ministro [das Relações Exteriores] já foi ministro da Dilma, o personagem principal da diplomacia é o Celso Amorim que já foi chanceler, então os personagens são os mesmos. O que não quer dizer que é uma coisa ruim, continuar o que é bom não é uma coisa errada.

Mas até agora, o que se pode dizer, é que ele está na primeira etapa de reconstruir as relações internacionais que tinham sido deixadas numa situação de isolamento. O que ele falou de que “o Brasil está de volta” é verdade, todo mundo reconhece. Tanto é assim que ele já viajou pra Argentina, pro Uruguai, pros Estados Unidos, pra China, o Olaf Scholz veio aqui, o assessor do Biden, o Jake Sullivan, veio aqui antes mesmo da posse.

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Lula durante encontro com Joe Biden na Casa Branca em fevereiro Foto: Andrew Caballero-Reynolds/Pool via AP

Mas há algum ponto de novidade até o momento?

O que há de grande novidade é o meio ambiente. E nesse sentido foi muito importante o Lula, logo no primeiro dia que ele foi eleito, anunciar que iria para a COP 27. E ele foi de fato, junto com a Marina Silva que depois foi nomeada ministra. Isso é fantástico porque grande parte do “Brazil is back” é por causa disso. A gente goste ou não goste, pra maioria desses países, o Brasil é a Amazônia. Você pode dizer que não é justo, mas essa é a maneira como eles veem. O Brasil é o meio ambiente. E desse ponto de vista, não é só prestígio, isso pode render muita coisa. Pode render crédito de carbono, pode atrair investimento desses fundos que só investem em meio ambiente hoje em dia, pode ter comércio aproveitando produtos que tenham certificação para poder entrar. Então o potencial positivo do meio ambiente é extraordinário.

Tem um lado que a reconstrução, ou seja, reconstruir aquilo que o Bolsonaro e o Ricardo Salles e os outros tinham destruído, mas tem esse outro lado que é muito positivo. E esse ao meu ver é o caminho. Para mim, mais de 80% potencial do Brasil tá nessa área e ele tem que dar a prioridade que essa área merece. A chance da gente desempenhar um papel decisivo no caso da Ucrânia é remoto. Se isso acontecer vai surpreender todo mundo. Enquanto no meio ambiente a gente está lá na frente. É como diz, o cavalo está arriado, com sela, é só montar. Essa que é, a meu ver, a grande linha da política externa. Eu até acho pessoalmente que se ele quer ter o prêmio Nobel da paz, ele deveria apostar tudo no meio ambiente, mais fácil do que em outras áreas.

Marina Silva cumprimenta Lula durante a posse em 1º de janeiro Foto: Sergio Lima/AFP

A chance da gente desempenhar um papel decisivo no caso da Ucrânia é remoto.

Rubens Ricupero

As afirmações de Lula sobre a guerra na Ucrânia têm sido um ponto de crítica forte ao Brasil, inclusive de aliados, em um contexto em que o Brasil optou pela neutralidade no conflito e até diz que tem uma proposta de paz. Como o senhor avalia essa postura entre Ucrânia e Rússia?

O Lula já disse que ele quer desempenhar um papel para trazer a paz para a Ucrânia. Até aí tudo bem, ninguém é contra a paz na Ucrânia e a paz mundial, até mesmo quem está brigando diz que quer paz e quer negociar. Até aí nenhuma novidade. Mas o que ele propõe? Eu não sei. Você sabe? Ninguém sabe. Eu confesso que não tenho condições nem de aplaudir nem de criticar. O que eu posso dizer é que isso é um gesto de boa vontade, mas o que ele vai propor, eu não sei.

Outra coisa que posso dizer, e essa é a minha posição pessoal, é que eu sou contra a posição do Brasil, eu acho que a posição brasileira tinha que ser mais nítida. Não é ser a favor de Estados Unidos nem da Rússia, mas se o Brasil diz sempre que o pilar da nossa política externa é o respeito ao direito internacional e a Carta das Nações Unidas, o que acontece na Ucrânia, seja lá qual for a causa inicial, é uma violação clara. O Brasil até aceita dizer isso nas votações da ONU, mas até lá o Brasil tem tido um comportamento que oscila. Nesse ponto o governo Lula se encontra com o governo Bolsonaro.

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O Celso Amorim viajou recentemente a Kiev depois de já ter ido a Moscou e após o chanceler russo Serguei Lavrov visitar o Brasil. Essa viagem à Ucrânia ajuda a amenizar as críticas que o governo vinha recebendo sobre a posição na guerra?

Eu acho que essa viagem do Celso Amorim foi positiva, porque desanuviou o ambiente. Não sei se ela abrirá caminho para qualquer iniciativa de paz, mas não há dúvida de que normalizou um pouco a relação com o Brasil. O assunto da Ucrânia tinha sido muito mal encaminhado, sobretudo devido à sucessão de declarações pouco felizes o Lula, desde a primeira lá trás, quando ele disse que o Zelenski era tão culpado quanto o Putin. Depois ele acabou retificando essas declarações de uma maneira ou de outra. Mas isso causa uma impressão um pouco penosa, porque quem se oferece como mediador precisa ter uma certa clareza do que causa tensão, e essas declarações reveleram uma certa confusão da parte dele. Não acho que o dano seja irreversível, tanto que o Celso esteve lá e eles agora vão enviar um embaixador. As coisas devem se normalizar um pouco agora.

Celso Amorim, assessor internacional da Presidência, se encontra com o vice-ministro das Relações Exteriores da Ucrânia, Andrij Melnyk, antes de reunião com Volodmir Zelenski Foto: Twitter/@Andrij Melnyk

Ninguém é contra a paz na Ucrânia. Até aí nenhuma novidade. Mas o que ele propõe? Eu não sei. Você sabe? Ninguém sabe.

A viagem do Lula para a China em abril gerava grandes expectativas, tanto que uma delegação bastante diversa politicamente o acompanhou. Essa expectativa se traduziu na prática?

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O que me chamou atenção foi que ele teve uma acolhida muita amistosa que contrasta muito com o clima que havia com o governo anterior. Eu acho que desse ponto de vista ele restabeleceu plenamente o bom relacionamento. Porém, não houve nenhuma grande novidade na viagem porque o relacionamento já é muito intenso, é difícil você imaginar que o Brasil possa aumentar ainda mais o seu saldo bilateral com a China.

O que eu acho que merece análise é a declaração que ele fez a época, que ele pretende colaborar com a China na busca de uma nova geopolítica. Ele disse isso, mas os chineses usam a expressão de que eles estão tentando construir uma nova ordem internacional. E nisso é preciso tomar um certo cuidado, porque a ordem internacional é o conjunto de instituições que nós temos que data do fim da 2ª Guerra: as Nações Unidas, o Fundo Monetário Internacional, o Banco Mundial, etc. Acho que ninguém está satisfeito com a forma como elas funcionam, mas é preciso pensar um pouco pra que serve uma nova ordem. Ela valeria se permitir encaminhar soluções para os problemas que hoje não estão sendo tratados adequadamente, que seriam: aquecimento global e o outro é a contenção de novas pandemias. Na questão do aquecimento global a China é mais um problema que uma solução, porque até hoje não se comprometeu nem com um pico de consumo de carvão, que é o grande poluidor. E na questão das pandemias, vimos nessa última que a postura da China não foi nada colaborativa. E além de tudo, você não pode contar com a China em direitos humanos e regime democrático. Então que nova ordem mundial a China traria?

Por fim, lá no começo do governo, o Lula falava em retomar a integração regional da América Latina. Houve progresso desse projeto?

A América Latina vive uma situação muito complicada. O governo tem empenhado muito para tentar ajudar a Argentina, que vive uma situação precaríssima. Nas última declarações, o Haddad [ministro da Fazendo] teve uma abordagem tradicional de citar uma ajuda via FMI, que é mais ou menos óbvio. No entanto, a novidade foi ele mencionar a ideia de uma gestão comum do Brasil com os EUA. Pode ser que isso signifique que ele quer fazer um apelo junto com os EUA por alguma ajuda Argentina, porque a preocupação é se a Argentina vai conseguir chegar até as eleições.

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Além disso, no Chile o presidente tem tido muitas derrotas. Fiquei até meio chocado agora com o domínio da extrema direita na nova constituinte. Então, o governo de esquerda lá está muito debilitado. A Colômbia também vive um panorama complicado, com aquelas demissões de ministros. Também não vejo grandes perspectivas no Peru, na Venezuela e até o México vive uma situação duvidosa. De fato o panorama aqui é pouco estimulante, é difícil imaginar o que o Brasil pode propor nessas condições.